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CAPÍTULO 2 JUVENTUDE E POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL

2.2 Juventude e Tematização Social no Brasil.

Em importante ensaio, Helena Abramo (1997) discutiu com profundidade a questão da tematização social da juventude no Brasil. Para ela, a juventude simboliza os dilemas da contemporaneidade. Segundo Abramo, a juventude é

tematizada socialmente no Brasil sob visões do “problema social” ou da “esperança de prosperidade” no futuro.

Na primeira visão, o foco da preocupação está na coesão moral da sociedade e na integridade moral do indivíduo — do jovem como futuro membro da sociedade. Nesse enfoque, atinente a sociologia funcionalista, os jovens passam a ser motivo de interesse quando são detectadas falhas, disfunções ou anomalias no processo de integração social, as quais colocam em riscos à continuidade de reprodução da sociedade.

Nesta seara, surgiu uma série de preocupações em torno da transgressão, rebeldia ou dos comportamentos desviantes. As imagens de sujeitos irresponsáveis e propensos aos desvios e ao delito passaram a ser comumente associada aos jovens. A juventude começou a ser encarada como problema para sociedade que deve proteger-se dos jovens ou acolhê-los para manter a estabilidade da estrutura social e dos valores a ela inerentes.

A tematização da juventude pela ótica do ‘problema social’ é histórica e já foi assinalada por muitos autores: a juventude só se torna objeto de atenção enquanto representa uma ameaça de ruptura com a continuidade social: ameaça para si própria ou para a sociedade. Seja porque o indivíduo jovem se desvia do seu caminho em direção à integração social — por problemas localizados no próprio indivíduo ou nas instituições encarregadas de sua socialização ou ainda por anomalia do próprio sistema social —, seja porque um grupo ou movimento juvenil propõem ou produz transformações na ordem social ou ainda porque uma geração ameaça romper com a transmissão da herança cultural. (ABRAMO, 1997 p. 29)

Em outras palavras, por esta vertente da sociologia funcionalista a juventude constitui-se numa fase do ciclo de vida em que os indivíduos processam suas buscas para integrarem e tornarem membros da sociedade por meio da aquisição da cultura e da assunção de papéis adultos.

Este enfoque, via de regra, assinalou a juventude como um momento crucial para interiorização de valores, normas e comportamentos, sendo a chave para a continuidade social. Segundo Abramo é neste momento que a “integração do indivíduo se efetiva ou não, trazendo consequências para ele próprio e para a manutenção da coesão social” (ABRAMO, 1997, p. 30).

Portanto, a ênfase da sociologia funcionalista no tema da juventude recaiu sobre o processo de socialização vivido pelos jovens e sobre as possíveis disfunções nele encontradas. Como a juventude é pensada como um processo de desenvolvimento social e pessoal de capacidades e ajuste aos papéis adultos são as falhas nesse desenvolvimento e ajuste que se constituem em temas de preocupação social.

É nesse sentido que a juventude só está presente para o pensamento e a para a ação social como “problema”: como objeto de falha, disfunção ou anomalia no processo de integração social; e, numa perspectiva mais abrangente, como tema de risco para continuidade social.

Assim, não é por acaso que a problematização é quase sempre moral. É nesse sentido também que na maior parte das vezes a problematização social da juventude, como nos demonstrou Abramo (1997), é acompanhado do desencadeamento de uma espécie de “pânico moral” que condensa os medos e angústias relativos aos questionamentos da ordem como conjunto coeso de normas sociais.

Vista pela ótica negativa, a juventude é considerada uma fase do ciclo de vida com contornos dramáticos, cabendo ao Estado empreender ações de controle dos jovens e medidas de domesticação e socialização16.

Na segunda visão, relacionada à tematização social dos jovens como esperança para a nação, os jovens são encarados como portadores de uma energia individual e coletiva naturalmente disponível a inovação e mudança.

Este status de protagonista dado aos jovens surgiu na década de 1990 e é uma significação contraditória, pois a gerações anteriores da década 1960 e 1980 foram retratadas de maneiras muito distintas, porém negativamente.

Numa breve digressão, podemos recapitular que nos anos 1960, a juventude apareceu como portadora de uma possibilidade profunda de transformação e condensava o pânico da revolução. O receio era duplo: por um lado, o da reversão do “sistema”; por outro, o medo de não conseguir mudar a sociedade.

Em um sentido diametralmente oposto, a geração de jovens dos anos 1980 foi tematizada como patológica porque oposta à da geração dos anos 60: individualista, consumista, conservadora e indiferente aos assuntos públicos, apática. Uma geração que se recusou a assumir o papel de inovação cultural.

O problema relativo à juventude passou a ser sua incapacidade de resistir ou oferecer alternativas às tendências inscritas no sistema social: o individualismo, o conservadorismo moral, o pragmatismo, a falta de idealismo e de compromisso político são vistos como problemas para a possibilidade de mudar ou mesmo de corrigir as tendências negativas da sociedade (ABRAMO, 1997).

16 Veja que este tipo visão sobre a juventude é bastante presente nas ações do Estado. A estética das escolas públicas é um mostra disso. Em geral é comum ver escolas públicas de ensino médio com um nível tão alto de barreiras físicas que mais parecem presídios.

Percebe-se nesta recapitulação das gerações de jovens da década 1960 e 1980, que a geração dos anos 1990 é problematizada e tematizada pelo sentido oposto ao da década anterior (década de 1980) e que, por sua vez, é antagonista a geração da década 1960.

Retomando a questão da tematização positiva da juventude, nos anos 1990 do século XX e na primeira década do Século XXI foram depositadas grandes expectativas sobre essa faixa da população. Primeiro, porque numa sociedade em desenvolvimento como a brasileira há muito a ser construído em termos institucionais, políticos, econômicos e sociais.

Além disso, uma coorte populacional expressiva atravessa atualmente o período da juventude, exigindo que o país tenha que investir como nunca neste grupo. Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística relativo ao Censo de 2010, o Brasil tem 51,3 milhões de jovens entre 15 a 29 anos.

TABELA 02 – População residente, por sexo e grupos de idade, segundo as Grandes Regiões e as Unidades da Federação – CENSO 201017.

Localização 15 a 19 anos 20 a 24 anos 25 a 29 anos 15 a 29 anos

Brasil 16.990.870 17.245.190 17.104.423 51.340.483 Norte 1.644.489 1.554.353 1.476.691 4.675.533 Nordeste 5.137.131 5.049.883 4.779.095 14.966.109 Sudeste 6.594.988 6.997.170 7.181.458 20.773.616 Sul 2.349.554 2.337.896 2.340.714 7.028.164 Centro Oeste 1.264.708 1.305.888 1.326.455 3.897.051

Fonte: IBGE, Censo 2010.

17http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/tabelas_pdf/Brasil_tab_1_12.pdf, acesso em 11 de Dezembro de 2011.

Diante de tamanha magnitude populacional, consolidou-se na esfera pública uma visão que diante dos elevados graus de desigualdade e pobreza no país, a garantia de oportunidades para a juventude só poderia ser alcançada se existissem grandes e efetivos investimentos públicos (IPEA, Estado de um Nação, 2006)

Isso significa que, para desenvolver o potencial da população jovem brasileira, seria imprescindível poder contar com programas sociais suficientes para garantir aos mais pobres as oportunidades básicas que as famílias de renda média e alta garantem a seus filhos.

Vale lembrar que a maioria dos jovens não necessariamente são conscientes e motivados para aproveitar as oportunidades disponíveis, visto que esta visão acerca da juventude é uma tematização social atribuída a ela e não inerente a todos os indivíduos que passam por esta fase da vida18.