• Nenhum resultado encontrado

L’Année sociologique e a sociologia durkheimiana

1.2 PERSPECTIVAS DE AÇÃO A PARTIR DE TRÊS DISCIPLINAS: FILOSOFIA,

1.2.3 L’Année sociologique e a sociologia durkheimiana

A especificidade de se tratar da sociologia durkheimiana, ou seja, da proposta do sociólogo Émile Durkheim, relaciona-se com a proximidade entre estes sociólogos com a RSH de Henri Berr. Formalmente convidados pelo próprio Henri Berr para participarem de algumas seções da revista, os durkheimianos tiveram uma presença frequente ao longo do período pesquisado. Além disso, apesar das diferentes correntes sociológicas que marcaram presença dentro da RSH, a opção em focar especificamente nos durkheimianos também se justifica pela coesão de suas proposições teórico-metodológicas e pela maneira que realizavam suas pesquisas.

Em 1900, Henri Hubert (1872 – 1927) enviou uma missiva a Marcel Mauss (1872 – 1950), na qual relatou o convite de Berr8. Henri Hubert escreve:

eu vi hoje Henri Berr, professor no Liceu Henri IV, amigo de Sylvain Lévi. Ele fundou na [editora] Cerf uma Revista de Síntese Histórica. […]. Ele veio pedir minha colaboração para a história das religiões. Eu não lhe disse não. […]. Ele tem simpatia pela gente […]. Por outro lado, me parece útil que nós estejamos lá, útil para a Année [sociologique], útil para nosso grupo. Nós não temos tantos meios de difundir nossas ideias. […]. Creio que uma tal _______________

8 As cartas enviadas de Henri Hubert e a resposta de Marcel Mauss foram repassadas pelo Prof. Rafael Benthien. Elas já estavam transcritas por ele, assim, ressalto que não tive acesso aos originais.

revista possa ser uma concorrência para a Année se nós não estivermos lá, e um excelente apoio se estivermos9. (HUBERT, Henri. [carta] c. 1900 [para] MAUSS, Marcel).

Marcel Mauss, contudo, em resposta à carta de Henri Hubert, não parece ter o mesmo entusiasmo por esse novo empreendimento. Ele escreve que

no que concerne H. Berr, se eu tenho um conselho a te dar, de forma clara, é o de não funcionar. Em primeiro lugar, suas ideias não são mais do que vagas. A síntese histórica não quer dizer nada. Em segundo lugar, teu raciocínio me parece errado quando você diz: ‘Se estivermos [na RSH], não é uma concorrência à Année, se não, é uma’. É o contrário, para mim, o que se produziria, ‘se nós entramos [na RSH], é uma concorrência à Année’, porque o importante é precisamente que nós sejamos os únicos a fazer o que fazemos na Année e que sendo os únicos, que façamos somente na Année. […]. Além disso, quanto a agir fora da Année, deixe-me te dizer o que nós temos à nossa disposição: a Anthropologie, a Revue d’Histoire des Religion, a Revue Philosophique, a Revue Historique, Archéologique, as Notes Critiques, e muitas revistas estrangeiras onde nós poderíamos publicar se tivéssemos tempo. É melhor penetrar nessas organizações já feitas, fortes, respeitáveis, quase sempre influentes já, onde nós podemos falar de forma certa com a certeza de sermos entendidos. É melhor não colaborar com essas revistas efêmeras, as quais não desejamos a morte, mas às quais nós nunca desejamos a vida. […]. De qualquer maneira, Durkheim recusa, eu creio, a colaboração. Agora, em termos práticos, para não fechar a porta, eu creio que você pode dizer nem sim, nem não, prometer para datas longínquas e que não te comprometam10. (MAUSS, Marcel. [carta] c. 1900 [para] HUBERT, Henri).

Por fim, o próprio Émile Durkheim, em carta enviada à Henri Hubert, também recusou o convite feito por Henri Berr. Durkheim escreveu que

_______________

9 No original: “J’ai vu aujourd’hui un nommé Henri Berr, professeur au Lycée Henri IV, ami de Sylvain Lévi. Il fond chez Cerf une Revue de Synthèse historique. […]. Il est venu me demander ma collaboration pour l’histoire des religion (en partie naturellement). Je ne lui ai pas dit non. […]. Il est tout à fait en sympathie avec nous […]. D’autre part il me semble utile que nous nous lofions là- dedans, utile pour l’Année, utile pour notre groupe. Nous n’avons pas tant de moyens de répandre nos idées. […]. Je crois qu’une pareille revue peut être une concurrence pour l’Année si nous n’en sommes pas et un excellent appui si nous en sommes". (Tradução nossa).

10No original: “En ce qui concerne H. Berr, si j’ai un conseil à te donner, bien net, c’est de ne pas marcher. En premier lieu, ses idées ont l’air d’être plus que vagues. La synthèse historique ne veut rien dire. En seconde lieu, ton raisonnement me semble mauvais quand tu dis : ‘Si on y est, ce n’est pas une concurrence à l’Année, si on n’y est pas c’en est une’. C’est le contraire, quant à moi, qui se produirait, ‘si l’on y entre, c’est une concurrence à l’Année’, parce que l’important est précisément que nous soyions les seuls à faire ce que nous faisons à l’Année et qu’étant les seuls nous ne le fassions qu’à l’Année. […]. Au surplus pour ce qui est d’agir en dehors de l’Année, laisse-moi te dire que nous avons à notre disposition, à nous deux : l’Anthropologie, la Revue d’Histoire des Religion, la Revue Philosophique, la Revue Historique, Archéologique, les Notes Critiques, et des tas de revues étrangères où nous pourrions publier si nous avions le temps. Il vaut mieux pénétrer dans des organisations toutes faites, fort respectables presque toujours influentes déjà, où nous pouvons parler à coup sûr avec la certitude d’être entendus. Il vaut mieux ne pas collaborer à ces Revues éphémères dont nous ne souhaitons pas la mort mais dont nous n’avons jamais souhaité la vie. […]. Durkheim refuse d’ailleurs, je crois, sa collaboration. Maintenant, pratiquement, pour ne pas fermer de porte, je crois que tu peux ne dire ni oui ni non, promettre pour des dates éloignées et qui ne t’engagent pas”. (Tradução nossa).

eu recebi uma carta de Berr; mas eu me recuso a colaborar, mesmo nominalmente. Primeiro, eu não tenho tempo e achei a ideia bem confusa e eu lhe direi. […]. Toda síntese histórica é sociológica, enquanto Berr deve declarar que a sociologia é uma parte de seu domínio, retomando assim a ideia de uma sociologia formal que eu combato11. (DURKHEIM, Émile. [carta] s/d [para] HUBERT, Henri).

Contudo, apesar destas recusas, em outra carta, dessa vez datada de 21 de julho de 1900, Émile Durkheim escreveu para Célestin Bouglé (1870 – 1940) “a insistência de Berr foi tanta ao ponto de eu decidir que devemos nos juntar a ele; está entendido que seremos nós os colaboradores regulares da Revista [de síntese histórica], no que concerne a sociologia”12 (DURKHEIM, Émile, [carta] 21 de julho de 1900 [para] BOUGLÉ, Célestin). Acerca desta mudança de posição por parte de Durkheim, Henri Berr afirmou em seu editorial no lançamento da primeira edição da

Revue de synthèse historique, em 1900, que “haverá nessa Revista, então, uma

parte de sociologia positiva; e essa parte deverá vir, pois eles quiseram se encarregar, dos colaboradores da Année Sociologique”13 (BERR, 1900: 4). Justamente por conta dessa proximidade da RSH com os sociólogos durkheimianos que tratamos especificamente deles, nesta seção.

É possível dizer que houve uma “moda” sociológica entre o final do século XIX e o início do século XX. Em uma pesquisa bibliométrica, na qual se mediu a quantidade de publicações em que os termos “sociologia” e “ciências sociais” apareciam no título, Sébastien Mosbah-Natanson (2011) notou um aumento desta temática entre os anos 1876 e 1915. Uma grande parte destes textos se encontrava em periódicos como l’Année sociologique, editado pelo grupo durkheimiano, e a

Revue international de sociologie, organizado por René Worms. Ademais destes,

diversos outros autores também publicaram artigos e livros. Isso decorreu de dois fatores: o primeiro é o de que o rótulo “sociologia” era utilizado visando uma institucionalização da disciplina, além de um reconhecimento intelectual, caso da _______________

11 No original: “J’ai reçu une lettre de Berr ; mais je refuse de collaborer, même nominalement. Je n’ai pas le temps d’abord et puis je trouve l’idée bien confuse et je le lui dirai. […]. Toute synthèse historique est sociologique, alors que Berr doit déclarer que la sociologie est une partie de son domaine, reprenant ainsi l’idée d’une sociologie formelle que je combats.”. (Tradução nossa).

12 No original: “ Les instances de Berr ont été tellement pressantes que je me suis décidé à nous joindre à lui; il est entendu que c'est nous qui serons les collaborateurs réguliers de la Revue, pour ce qui regarde la sociologie.”. (Tradução nossa).

13 No original: “Il y aura donc dans cette Revue une part de sociologie positive; et cette part devrait revenir, puisqu’ils ont bien voulu s’en charger, à des collaborateurs de l’Année Sociologique”. (Tradução nossa).

equipe durkheimiana. Um outro fator, contudo, foi o uso plural deste termo, sendo utilizado a partir de lógicas políticas, literárias e culturais, caso de escritores que faziam referência ao termo “sociologia” ou “ciências sociais” de forma a se inserirem dentro desse contexto de debate, porém sem pretensões de adentrarem em discussões científicas. Mas, para propagar ideias sociais e políticas, como formas de organizações da sociedade (MOSBAH-NATANSON, 2011).

Nesse sentido, notamos como a discussão sociológica estava em voga nesse contexto, sendo que um dos grupos mais coesos e que foi mais bem-sucedido nas propostas de institucionalização da Sociologia no sistema de ensino e pesquisa francês ao longo da Terceira República, foi o grupo durkheimiano. Assim, é importante que se entendam as origens do que também ficou conhecido como Escola Sociológica Francesa. Pois, “como toda inovação epistemológica grande, a sociologia durkheimiana deve sua fortuna pública, bem ou mal, à conjunção singular de quadros sociais de recepção mais ou menos favoráveis e de um esforço mais ou menos consciente de autopromoção”14 (KARADY, 1979: 49).

Émile Durkheim, em meados de 1895, enviou uma carta a Célestin Bouglé relatando as dificuldades nas negociações com a editora Alcan para a criação de uma nova revista. Este ficou responsável por continuar com as conversas com a editora acerca do novo empreendimento. O papel de Bouglé iniciou quando ele era o diretor da rubrica l’Année sociologique (doravante, AS) dentro da Revue de

métaphysique et de morale. Essa seção sociológica, após a passagem de Bouglé e

de Paul Lapie (1869 – 1927), ficou nas mãos de François Simiand (1873 – 1935), até 1898 (BESNARD, 1979).

Em fins de 1896 e início de 1897, quando a empreitada recebeu o aval da editora Alcan, iniciou-se então o processo de recrutamento de novos colaboradores, a repartição de tarefas e a elaboração do modelo que a revista iria adotar. Dos que participaram do primeiro volume da AS, contou-se um total de 12 nomes que estariam mais envolvidos com o projeto. Estes eram agrégés e 6 ainda eram normalianos, havendo estudado na École normale supérieure. Destes, 8 eram

agrégés de filosofia, Émile Durkheim, Gaston Richard (1860 – 1945), Paul Lapie,

Célestin Bouglé, Dominique Parodi (1870 – 1955), Marcel Mauss, François Simiand _______________

14 No original: “Comme toute innovation épistémologique majeure, la sociologie durkheimienne doit sa fortune publique bonne ou mauvaise à la conjonction singulière de cadres sociaux de réception plus ou moins favorables et d'un effort plus ou moins conscient d'auto-promotion.”. (Tradução nossa).

e Paul Fauconnet (1874 – 1938); 2 eram agrégés de história e geografia, Henri Hubert e Albert Milhaud (1871 – 1955); 1 de gramática, Henri Muffang (1864 - ?); e 1 em direito, Emmanuel Lévy. Houve um segundo momento da revista, caracterizado pelos últimos volumes da AS, entre o 7 e o 13 (1904 – 1913), quando a revista entrou em um hiato por conta de problemas financeiros e da 1º Guerra Mundial. A característica dominante de recrutamento, contudo, permaneceu sendo o de jovens

agrégés e/ou normalianos. Dentre estes, encontramos nomes como de Maurice

Halbwachs (1877 – 1945), Robert Hertz (1881 – 1915), Georges Davy (1883 – 1976), agrégés de filosofia, Albert Demangeon (1872 – 1940), agrégé de história e geografia, Louis Gernet (1882 – 1962), agrégé de gramática, entre outros.

A unidade do grupo durkheimiana era relativa, havendo estratificações entre os membros. Por conta da própria forma com que o recrutamento ocorreu, formou-se o que Philippe Besnard (1979) identificou como subgrupos. Um primeiro era formado por Henri Hubert, Marcel Mauss e Émile Durkheim, espécie de subgrupo principal, por conta do peso de suas publicações, já que o trio contava com metade dos artigos publicados e 44% das resenhas com mais de 25 linhas publicadas na AS. Um segundo subgrupo era encabeçado por François Simiand, Maurice Halbwachs e os irmãos Bourgin, Henri e Georges. Por fim, um terceiro subgrupo orbitava ao redor de Célestin Bouglé, Paul Lapie e Dominique Parodi. Essas estratificações internas, conquanto, não geraram nenhuma ruptura entre os durkheimianos, havendo também uma espécie de “estado-maior”, responsável por gerenciar as crises que apareciam (BESNARD, 1979).

A principal forma com que a equipe durkheimiana buscou se legitimar cientificamente foi através de l’Année sociologique. A dupla função ocupada pelo periódico foi a de demonstrar, no campo científico francês, que a Sociologia científica existia, sendo a sociologia durkheimiana. Mais especificamente, eles apresentaram suas propostas teórico-metodológicas de maneira que as outras disciplinas clássicas, como a História e a Geografia, pudessem utilizá-las e entender que essa era uma inovação legítima no campo intelectual (KARADY, 1979). Além disso, os sociólogos, por conta dessa dupla especialidade, formação em uma disciplina e reconversão, posteriormente, para a Sociologia, também circularam em revistas de outras áreas, como a Revue de métaphysique et morale e a própria

também estava passando por mudanças, como a proposição de novos objetos de estudo e os debates teórico-metodológicos.