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UM BREVE CONTRAPONTO: UMA PROPOSTA DE REABILITAÇÃO DA

Em Londres, entre 3 e 9 de abril de 1913, ocorreu o 3º Congresso Internacional de História, que contou com a presença de alguns pesquisadores franceses, dentre eles, Paul Masson-Oursel (1882 – 1956). Esse agrégé de Filosofia243, que conquistou o 7º lugar nesse concurso, realizou uma fala no evento. Intitulada

Synthèse Historique et Philosophie de l’Histoire (Síntese Histórica e Filosofia da

História), propôs uma espécie de reabilitação da Filosofia da História. Essa corrente teórica estava sofrendo críticas, desde o início do século, dentre as quais podemos destacar as do próprio criador da RSH. Henri Berr (1946 [1911]) defendia que a Filosofia da História falseava a História como ciência. De acordo com o próprio Masson-Oursel, suas influências eram diversas. Na área da Filosofia, destacou Henri Bergson; em Psicologia, Paul Janet; e em Sociologia, Émile Durkheim e Marcel Mauss (LACOMBE, O., 1956).

Em sua fala, reproduzida integralmente na edição de número 78 da RSH, Masson-Oursel (1913) criticou a necessidade de os historiadores utilizarem um método rigoroso, inculcado por um espírito positivo. De acordo com ele,

o espírito positivo nos inculcou essa convicção, que para fazer não mais o romance, mas a ciência exata da humanidade, é preciso primeiro confessar nossa ignorância em tudo em que nossa ingenuidade acreditava compreender, depois, nos dedicar a uma imensa empreitada coletiva, paciente, escrupulosa, metódica, de informação sempre imparcial, pouco a pouco menos incompleta. A verdade histórica estará no limite desse processo sem fim, mas ao longo do qual ele é possível de progredir, com o sentimento que a despeito dos problemas novos constantemente _______________

levantados, nós constantemente sabemos mais244 (MASSON-OURSEL, 1913: 283).

O objetivo desse filósofo seria, então, pesquisar se haveria um meio de tornar a Filosofia da História positiva, mas mantendo sua parte filosófica. Masson-Oursel (1913) rejeitou o simplismo com que outros filósofos da História tratavam essa disciplina e a forma com que eles explicavam todos os fatos humanos a partir de um pequeno número de princípios. Por conta da amplitude da História, acreditava ele, seu estudo deveria ter alguma forma de especialização, no qual focasse em uma região. A partir disso, comentou que a ideia de causa, na forma com que ela era tratada pelos historiadores, como Seignobos, seria obscura, na qual a inteligibilidade da História recairia em descrever as coincidências ou encadeamentos das séries históricas (MASSON-OURSEL, 1913). Tal debate, acerca da causalidade em História, estava em voga nesse momento, sendo recorrente não só na RSH, mas em outras instâncias. Esse filósofo também defendeu a possibilidade de encontrar leis históricas, mas, novamente, não da maneira indicada por alguns historiadores. Segundo ele, ao dar certa generalidade às leis históricas, ilustrada pelo estudo comparado de civilizações diversas, nos daríamos conta dos fatos históricos, mas sairíamos do escopo da História. O mesmo ocorreria com os eventos explicados a partir de leis sociológicas válidas para toda a humanidade, apesar de ser bem fundamentada, seria estranha à História (MASSON-OURSEL, 1913). Tal visão estaria próxima daquela que os sociólogos durkheimianos tinham da História e de sua relação com a Sociologia. Esses acreditavam que a História estaria demasiada apegada a sociedades e épocas determinadas, nas condições particulares dessas, focando naquilo que as distinguiria (FAUCONNET & MAUSS, 2005 [1901]).

Masson-Oursel (1913), então, continuou seu exame acerca da História, a qual havia desistido de ser uma Filosofia, mas que nem por isso tinha se tornado uma ciência. Para ele, só seria uma ciência os estudos que comportassem leis próprias. Apesar da História estudar a autenticidade dos fatos, isso não lhe permitiria propor _______________

244 No original: “[…] l’esprit positif nous a inculque cette conviction, que pour faire non plus le roman, mais la science exacte de l’humanité, il faut d’abord confesser notre ignorance en tout ce que notre naïveté croyait comprendre, puis nous vouer à une immense entreprise collective, patiente, scrupuleuse, méthodique, d’information toujours plus impartiale, peu à peu moins incomplète. La vérité historique serait à la limite de ce processus sans fin, mais le long duquel il est possible de progresser, avec le sentiment qu’en dépit des problèmes nouveaux sans cesse soulevés, on connaît sans cesse davantage.”. (Tradução nossa).

leis, ela somente tentaria compreender os meandros que possibilitariam essas leis, as características contingentes dela. Por conta disso, ela não teria uma função de ciência, o que não significava que essa disciplina deveria ser depreciada, já que seria a partir dela que podemos conhecer a humanidade (MASSON-OURSEL, 1913). Com isso, esse filósofo francês acreditava que a História não precisava ser justificada, que ela mostraria sua validade a partir de suas conquistas. Masson- Oursel (1913) queria estabelecer que a síntese histórica não seria feita pela História, além de criticar duas visões recorrentes acerca dela. A primeira, a qual denominou de “cientificista”, seria defendida por eruditos positivos que objetivariam alcançar a síntese científica, mas que estariam sempre pautando seus conhecimentos a partir das ciências naturais. A segunda, indicado como “historismo”, seria menos defensável que a outra, pois seria um dogmatismo ingênuo que realizaria sistematizações apressadas. Ambas visões estariam equivocadas porque a História, diferentemente da ciência, não poderia indicar leis que estariam presentes nos dados históricos (MASSON-OURSEL, 1913).

Por conta dessas características da História, Masson-Oursel (1913) indicou que, em certas condições, haveria um lugar para a Filosofia da História. Ela não deveria ser uma generalização pseudo-histórica, para não cair no mesmo erro que o historismo, assim como o evolucionismo teria sido uma generalização pseudocientífica. Para tanto, a síntese histórica deveria ser realizada em um plano outro que a História, como a Filosofia ou a Sociologia. Segundo o filósofo francês,

quando nós afirmamos, assim, que a filosofia da história deve ser uma metafísica, nós não queremos nem humilhá-la, nem exaltá-la: ela não poderia ser outra coisa, pois ela não é nem uma história – pois ela é sintética –, nem uma ciência – pois ela é mais relativa à atividade do espírito que ao registro das leis fenomenais245 (MASSON-OURSEL, 1913: 289)

Para tanto, a Filosofia da História poderia se basear em um método positivo, através de um estudo sistematicamente comparativo, resultando em uma teoria comparada das civilizações, a qual seria a verdadeira síntese da História e que teria um igual valor tanto para o historiador quanto para o filósofo (MASSON-OURSEL, 1913). De acordo com Olivier Lacombe (1956), essa seria uma das contribuições _______________

245 No original: “Quand nous affirmons ainsi que la philosophie de l’histoire doit être une métaphysique, nous ne songeons ni à l’humilier, ni à l’exalter : elle ne saurait être autre chose, puisqu’elle n’est ni une histoire – car elle est synthétique – ni une science – car elle est plus relative à l’activité de l’esprit qu’à l’enregistrement des lois phénoménales.”. (Tradução nossa).

mais importantes de Masson-Oursel, o estudo da metafísica através de um método positivo, servindo-se da comparação como instrumento. Além disso, de acordo com Lacombe (1956), a comparação pareceria capaz, para o filósofo francês, de mostrar o que era essencial e universalmente válido para o espírito humano. Segundo Masson-Oursel (1913), a comparação não poderia estar restrita a um evento único no espaço ou no tempo,

mas é uma obra que abarca o campo inteiro da história; é do maior interesse confrontar a ideia que um povo teve dele mesmo e de sua tarefa, isto é, sua filosofia da história, com os eventos que provocaram, guardaram, incarnaram ou cruelmente negaram essa ideia, isto é, com a história desse povo246 (MASSON-OURSEL, 1913: 290).

Contudo, essa Filosofia da História não poderia incorrer no erro de seus proponentes anteriores, como sendo eterna ou impessoal, ela deveria ser relativa para cada época e para cada povo, pois exprimiria suas crenças íntimas. Por conta disso, não seria uma improvisação ocasional feita por algum poeta lírico da História, mas sim uma aspiração coletiva, uma inspiração emanada da coletividade. Ela responderia, por fim, às necessidades espirituais, tão necessárias pelas sociedades europeias que, para Masson-Oursel (1913), passavam por uma crise moral e social.

A proposta de um método comparativo como forma positiva da Filosofia da História, pode ser visto como uma influência, ainda que parcial, dos sociólogos durkheimianos. Esses acreditavam que os historiadores teriam medo e desconfiança de toda comparação e generalização, por isso focariam nos fatos únicos e contingentes. Para Paul Fauconnet e Marcel Mauss (2005 [1901]), a história comparada das religiões seria um exemplo positivo para que a História deixasse sua visão limitada dos acontecimentos sociais. Para o criador da RSH (1946 [1911]), a comparação realizada pelos sociólogos durkheimianos, das quais deduziriam leis, seria distinta da síntese histórica. Além disso, retomando as discussões acerca da Filosofia da História, Henri Berr criticou o ponto de vista defendido por Masson- Oursel. Em um breve comentário publicado antes do texto desse filósofo, Berr afirmou que

a filosofia da história é, para nós, algo de obsoleto ao qual é preciso substituir pela síntese científica: o Sr. Masson-Oursel estima que a síntese _______________

246 No original: “Mais c’est une œuvre qui embrasse le champ entier de l’histoire ; il est du plus grand intérêt de confronter l’idée qu’un peuple a eue de lui-même et de sa tâche, c’est-à-dire sa philosophie de l’histoire, avec les événements qui ont provoqué, entretenu, incarné ou cruellement démenti cette idée, c’est-à-dire avec l’histoire de ce peuple.”. (Tradução nossa).

em história só pode ser feita pela filosofia. O que nós retemos de suas indicações é o interesse pela história dessas grandes criações religiosas, filosóficas, literárias, onde se exprime a psicologia dos povos e das épocas e que contém, ao mesmo tempo, os princípios de ação, interpretações do passado. Mas, nós cremos que há outra coisa a desejar hoje, do ponto de vista da ciência, que as produções desse gênero247 (BERR apud MASSON- OURSEL, 1913: 282).

Tal crítica da Filosofia da História já estava presente em sua obra publicada alguns anos antes desse texto, em 1911. Para ele, essa seria contestável, enquanto a síntese científica, sua proposta, seria legítima. Em seu livro, Berr (1946 [1911]) colocou que um de seus objetivos era o de opor a síntese histórica à Filosofia da História, proposta contrária que encontramos no texto de Paul Masson-Oursel (1913). Berr concordava com o filósofo francês no ponto acerca das generalizações. Mas, para ele, a História deveria tentar propor leis a partir dessa ferramenta metodológica. Por conta disso, alguns elementos da Filosofia da História poderiam ser aproveitados, mas de forma a contribuir para a realização da síntese científica. Assim, a tentativa de Masson-Oursel, como um filósofo, de tentar reabilitar a Filosofia da História, com algumas modificações, não seria estranha ao momento em que essa discussão apareceu. É possível enxergar tal proposta como uma defesa de uma disciplina já consolidada no sistema de ensino e pesquisa francês, contra o crescimento e o fortalecimento de uma visão da História como ciência.

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A partir das fontes analisadas, a saber, os artigos publicados na Revue de

synthèse historique, podemos perceber algumas questões que estavam em voga no

início do século XX. Cada pesquisador propôs suas próprias abordagens para diferentes temas que estavam sendo discutidos nesse momento, como a relação entre História e Sociologia, a proposta de um método comparativo e o conceito de causa em História, para citarmos alguns. Além disso, essas discussões não estavam restritas a somente um país ou a uma disciplina, já que houve contribuições de _______________

247 No original: “La philosophie de l’histoire, pour nous, est quelque chose de périmé à quoi il faut substituer la synthèse scientifique : M. Masson-Oursel estime que la synthèse en histoire ne peut être faite que par la philosophie. Ce que nous retenons de ses indications, c’est l’intérêt pour l’historien de ces grandes créations religieuses, philosophiques, littéraires, où s’exprime la psychologie des peuples et des époques et qui renferment, en même temps que des principes d’action, des interprétations du passé. Mais nous croyons qu’il y a autre chose à souhaiter aujourd’hui, du point de vue de la science que des productions de ce genre.”. (Tradução nossa).

professores franceses e alemães e o debate engendrou tomadas de posições de filósofos, historiadores e sociólogos.

A relação entre indivíduo e sociedade foi um tema bastante prolífico para discussões. Henrich Rickert (1901) deu uma preferência, no estudo histórico, aos indivíduos e aos eventos singulares, porém acreditava que haveria questões universais, como ele denominou, que influenciariam esses estudos (RICKERT, 1901; RINGER, 2004). Por sua vez, o historiador francês Paul Lacombe (1901b) discordou dessas propostas do historiador alemão. Para ele, a História seria composta por similitudes abstraídas da realidade e de sucessões mais ou menos constantes. Ou seja, diferentemente de Rickert, Lacombe apontava um caráter mais generalista para o estudo histórico. Apesar dessas diferenças, ambos rejeitavam o que denominaram de história historizante e tradicional. E, ademais, acreditavam que a História deveria ter seus métodos próprios e não tentar aplicar os métodos das ciências da natureza em seus estudos, apesar de poder se inspirar em uma ou outra questão. Para além da História estudar os indivíduos ou aspectos mais gerais, ambos também entendiam que, em alguma medida, essa pesquisa deveria levar em conta as causas. Esse debate pode ser visto como um dos pontos centrais nas discussões acerca da História nesse começo do século XX.

Além dos artigos de A.-D. Xénopol (1904a; 1904b; 1913) e do livro de Henri Berr (1946 [1911]), outros autores também discutiram sobre esse conceito e sobre como ele deveria aparecer nos estudos da História. Um dos aspectos da polêmica engendrada pelos pesquisadores François Simiand e Charles Seignobos girou em torno daquele conceito. Para Simiand (1903), a causa de um fenômeno seria um fenômeno anterior e a ligação causal deveria ser examinada a partir de dois fenômenos de mesma ordem, pois implicariam em uma relação estável, ou seja, em uma lei. Xénopol (1904b) discordou dessa proposta, principalmente por acreditar que a História seria uma ciência dos fatos de sucessão, ou seja, não teria leis, mas séries históricas. Por sua vez, Henri Berr (1946 [1911]) também colocou o estudo da causalidade como central em sua obra, indicando três elementos que fariam parte da causa, a saber, a contingência, a necessidade e a lógica. Por conta da amplitude desse conceito em História, tais pesquisadores propuseram, em diferentes medidas, uma aproximação dessa ciência com uma outra, mais recente, a Sociologia.

O historiador Xénopol (1900) rejeitou tal relação, chegando inclusive a utilizar a alcunha de sociólogo de modo depreciativo contra Paul Lacombe. Esse foi o

mesmo posicionamento de Rickert, que criticou os pesquisadores que se aproximavam da Sociologia para dar uma prioridade ao aspecto social e geral na História. Já François Simiand (1903), próximo de Durkheim, inverteu as posições e colocou a Sociologia como uma ciência mais abrangente, enquanto a História seria uma disciplina que poderia auxiliar a outra com o seu método histórico. Henri Berr (1946 [1911]), com sua proposta de síntese histórica, colocou a Sociologia como uma disciplina auxiliar da História, principalmente na parte do estudo da

necessidade na causalidade histórica. Porém, longe de colocar as Ciências Sociais

como uma disciplina inferior, propôs uma espécie de federação das ciências (GATTINARA, 1996). Charles Seignobos (1901), em seu livro, reduziu o papel da Sociologia para o mero estudo da questão econômica e indicou a História como tendo um papel mais abrangente nas Ciências Humanas. Visão diferente de Paul Mantoux (1903), que tinha a Sociologia como uma ciência, que deveria se inspirar na linguística, e a História como uma auxiliar daquela, através do seu método de pesquisa de fontes.

Em relação ao método, também houve momentos de convergência entre dois autores diferentes. Karl Lamprecht (1900) e Paul Masson-Oursel (1913), cada um à sua maneira, propuseram que se realizassem comparações no estudo da História. Lamprecht acreditava que ao realizarmos uma comparação poderíamos notar momentos idênticos em séries de fatos independentes, ainda que em contextos históricos diferentes. Por sua vez, Paul Masson-Oursel (1913), filósofo francês, propôs um tipo de filosofia comparada, que poderia ser aplicada à História, já que essa não seria uma ciência, mas uma Filosofia da História. Por fim, de acordo com Henri Berr (1902), o historiador francês Charles Seignobos também teve seu mérito nessa questão de história comparada.

Assim, podemos notar como diversas questões eram objetos de preocupação desses pesquisadores no início do século XX, apesar de cada um propor diferentes resoluções para elas. Vemos como eles também se preocupavam em marcar posições em defesa de variadas disciplinas, como François Simiand e Paul Mantoux com a Sociologia, ou Lamprecht, Seignobos, Xénopol e Berr com a História e Masson-Oursel com a Filosofia. Tais discussões não se restringiam a barreiras geográficas e/ou linguísticas, já que os textos eram traduzidos e discutidos em países diferentes. Também não se limitavam a suas áreas de origem, já que a RSH serviu como um abrigo para que diferentes disciplinas pudessem discutir teorias e