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A imprensa modernizada: o lugar dos jornais nos debates políticos

2.1. Jornais argentinos

2.1.1. La Prensa e a pretensão de exceder às elites sociais

O diário La Prensa foi fundado, em 1869, pelo político e diplomata José Clemente Paz, que quatro anos antes havia iniciado sua atuação jornalística ao criar o periódico El

Inválido Argentino, órgão da Sociedade Protetora dos Inválidos, que acolhia os mutilados

da Guerra do Paraguai.

Em sua primeira edição, La Prensa foi apresentado como um jornal “noticioso, político e comercial”, procurando diferenciar-se da imprensa partidária que predominava no período. Não abdicava de exercer um papel político, mas o pretendia acima das

disputas facciosas, afirmando a independência de seu posicionamento: “o ataque racional ao homem público e não à personalidade individual formarão nosso credo.”30

Na prática, o discurso não-partidarista correspondia muito mais a uma pretensão do que a uma realidade. Apenas cinco anos após a sua fundação, o diário apareceu com o título “La Prensa em campanha”, apoiando a tentativa de golpe contra o presidente Avellaneda, da qual José Paz participou “sem deixar por um momento a direção do diário”.31

A tensão entre o discurso da opinião “independente” e a prática política não era uma especificidade do La Prensa mas, como observamos, caracterizava a imprensa do período. Mas a própria sinalização do jornal, ao afirmar estar “em campanha”, já denota uma tentativa de diferenciar a atuação partidária de sua prática cotidiana, como se aquele fosse um período excepcional. Mesmo com limites, essa postura, que poderíamos qualificar com uma “vontade de independência” já aponta para um caminho que se começava a trilhar, no sentido de um distanciamento das disputas partidárias, o que nas décadas seguintes somente se acentuaria.

A trajetória de La Prensa traduz de forma exemplar o caminho traçado pela imprensa latino-americana no sentido de uma maior independência das disputas partidárias. Logo após sua criação, o diário foi considerado por muitos como “um jornalzinho sem importância nem mérito”,32 que não iria muito longe, mas a estratégia de distribuir gratuitamente os primeiros exemplares garantiu ao jornal uma clientela expressiva e, consequentemente, os anunciantes, verdadeiros sustentáculos do grande diário no qual se converteu. Ao fim do século XIX, suas tiragens já atingiam 77.000 exemplares e, na primeira década do XX, chegavam a 100.000. No período estudado, a tiragem de La Prensa era de cerca de 160.000 exemplares diários.

Apesar de se configurar num diário da chamada “imprensa séria”, mais identificada com as elites sociais, com o predomínio de temas políticos, La Prensa conseguiu atrair leitores de outras camadas sociais, ao demonstrar desde o início o que poderíamos

30 La Prensa, 18/10/1869, 1ª pág.

31 ULANOVSKY, Carlos. Paren las rotativas. Diarios, revistas y periodistas (1920-1969). Buenos Aires: Emecé, 2005, p.

21-22.

chamar de uma certa “inclinação popular”. A distribuição gratuita de seus primeiros exemplares evoluiu para a prestação de serviços gratuitos aos leitores. No início do século XX, para além de um jornal diário com preço acessível, La Prensa oferecia a seu público serviços médicos e jurídicos, acesso a uma biblioteca com cerca de 25.000 volumes e aulas de música.33

Em pouco tempo o diário se tornou o maior e mais moderno da América Latina e, na década de 1910, já contava com uma estrutura colossal. Seu edifício possuía uma sala onde funcionavam modernas rotativas; sala de expedição; depósitos de papel, com estoque para uma semana; oficina de fotografia; telégrafo sem fio; uma sala de traduções, outra de reportagens e uma de arquivo.34 Nessa época dirigido por Ezequiel Paz, filho do fundador, o diário contava em sua redação com personalidades ilustres como o político e diplomata Estanislao Zeballos, que era o responsável pelos editoriais sobre os temas do exterior, além de colaboradores de renome, nacionais e internacionais, incluindo o brasileiro José Veríssimo.

Em seu aniversário de 1911, La Prensa reiterou os ideais de sua fundação, como um “programa invariavelmente seguido e respeitado durante quarenta e dois anos de vida pública”, e reafirmou sua vontade de “ultrapassar os episódios efêmeros dos partidos”. A função política, entendida como uma “missão cívica”, que se traduzia num “órgão de opinião” era, assim, identificada como sua principal meta, apesar de o jornal se apresentar, também, como um diário que servia “informativamente a todos os homens livres, qualquer que seja a sua nacionalidade, que vivem no território da Nação.” A “tendência popular” se liga, então, à vontade de falar aos imigrantes, que tinham entrado

33 A estrutura realmente impressionante de La Prensa, que ia muito além de um jornal, chamava enormemente a atenção

e foi alvo de diversos elogios. Oliveira Lima, que visitou a Argentina entre meados de 1918 e inícios de 1919, ficou absolutamente maravilhado com os serviços oferecidos, além da própria modernidade do diário, e afirmou: “Não conheço no mundo empresa jornalística que se lhe possa avantajar.” Das atividades culturais desenvolvidas por La Prensa, o que mais chamou a atenção do intelectual brasileiro foi o Instituto Popular de Conferências – dirigido na época por Estanilao Zeballos –, onde, segundo o brasileiro, se reuniam “os homens iminentes da Argentina e um ou outro do estrangeiro adrede convidado para dissertar sobre um problema da atualidade.” (OLIVEIRA LIMA, Manoel. Na Argentina (impressões 1918-19). São Paulo e Rio: Weiszflog Irmãos, 1920, p. 123). Na ocasião do Primeiro Congresso Pan-americano de Jornalistas, em 1926, o presidente dos Estados Unidos, John Coolidge, elogiou a estrutura de La Prensa, afirmando: “É quase uma universidade”. (Coolidge, John. Discurso de abertura do Primeiro Congresso Pan-americano de Jornalistas, Washington, 1926, apud NAPP, Op. cit., p. 23.). Para maiores detalhes a respeito da estrutura da empresa La Prensa e os serviços que oferecia, consultar SAÍTTA, 1998, p. 30-31.

(e continuavam entrando) aos milhares no território argentino desde a fundação do diário.35

No contexto estudado, seu posicionamento no âmbito das disputas nacionais se traduzia no apoio à ala reformista do PAN, encabeçada por Roque Saénz Peña, cuja eleição à presidência, em 1910, La Prensa apoiou entusiasticamente e, durante toda a primeira metade daquela década, pressionou para que as reformas políticas democratizantes fossem efetivadas. O jornal apostava numa “regeneração cívica” da nação, através do sufrágio livre e efetivo, princípio consagrado na Constituição de 1853 mas constantemente desrespeitado pelos “governos eleitores”.