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A imprensa modernizada: o lugar dos jornais nos debates políticos

2.2. Jornais brasileiros

2.2.3. Minas Gerais , um diário oficial

O Minas Gerais foi criado em 1892, como “órgão oficial dos Poderes do estado”. Ainda na antiga capital mineira, foi dirigido pelo médico de formação Jorge Pinto, “jovem político republicano, que militava nos meios jornalísticos de Ouro Preto à época”. Segundo o Suplemento comemorativo do centenário do diário, “o que mais impressionou aos que projetaram a linha [editorial] do Minas foi a forma como o diretor conseguiu produzir um jornal leve, interessante e noticioso, sem dar guarida aos fatos de natureza escandalosa ou violenta”, o que se converteu na verdadeira “doutrina do órgão oficial”, consciente de sua “função educativa”.55

Desde o início, portanto, os produtores do diário oficial lhe conferiram uma função mais ampla do que a simples publicação de informes administrativos do poder público estadual. Como se depreende do discurso comemorativo do centenário, a “função pedagógica” que moveu a criação do jornal passava pela minimização dos conflitos, por meio da exclusão de fatos “escandalosos ou violentos”. Dessa maneira, operava-se a veiculação de referências e valores que remetessem à ordem e à estabilidade social,

típico de um diário oficial, que tem como função legitimar a posição de grupos que estão no poder.

Essa característica diferencia amplamente o Minas Gerais dos outros diários estudados, sendo que os temas políticos, e entre eles os assuntos sobre o exterior, geralmente eram comentados pelos editores e assumiam um caráter de versão oficial. A função “noticiosa”, também enfatizada desde a criação do jornal, era reforçada devido à carência de jornais privados que suprissem tal demanda no estado. Sua tiragem era de 16.000 exemplares diários, dos quais uma parte era destinada aos órgãos públicos do estado.

O redator-chefe do jornal era o próprio secretário de Imprensa do estado, cargo ocupado durante o período estudado pelos juristas Gabriel Santos, até março de 1912, e León Rossouliére, a partir de então. A equipe de redação era formada, também, por proeminentes intelectuais mineiros, como Abílio Machado e Columbano Duarte, ambos ligados ao Partido Republicano Mineiro. Entre os colaboradores, destacavam-se Azeredo Netto e o padre Francisco Ozamis.

O diário oficial mineiro destinava uma parte bastante expressiva de suas páginas ao noticiário. Mais do metade do jornal era dedicada a notícias locais, nacionais e internacionais, além de artigos diversos, crônicas e anúncios comerciais. A importância do periódico enquanto imprensa de notícias fica bastante clara numa nota do redator que, situada na seção Diversas do noticiário, chama a atenção do leitor para que leia um despacho do secretário de Finanças, na parte oficial.56

O público-alvo do jornal pode ser identificado nas classes mais altas, o que justifica, por exemplo, a introdução de uma coluna dedicada a crônicas de escritores franceses, Chronique, publicada em francês, a partir de 1913. Evidentemente, a identificação de um público-alvo não esgota as possibilidades de leitura. Nesse sentido, vale notar que o jornal oficial mineiro era distribuído às bibliotecas públicas do estado, o que facilitava o acesso de uma parcela mais ampla da sociedade.

Em 1913, ao assumir a direção do jornal, Rossouliére introduziu uma série de inovações que ficaram conhecidas como "Projeto Nova Imprensa". O novo diretor procurava, “através de colaboração e noticiários sempre variados e interessantes”, fazer do jornal “um elemento eficaz de orientação do público, em proveitosa cooperação permanente com todas as forças propulsoras da obra grandiosa de nosso progresso”.57

A fala do diretor do periódico mineiro aponta para alguns aspectos político- ideológicos defendidos pelos representantes do jornal. Assim como grande parte da elite brasileira do início da República, os homens à frente do Minas Gerais guiavam-se no plano político por pressupostos positivistas, priorizando a ordem como elemento fundamental e imprescindível para se alcançar o progresso; defendiam ou aceitavam o autoritarismo político, se isso lhes parecesse necessário para a manutenção da “paz social”. Acreditavam que o progresso do Brasil dependia da entrada maciça de capitais estrangeiros, o que poderia ser facilitado passando-se ao exterior uma imagem estável e ordeira do país. O progresso ansiado era o capitalista e a cultura burguesa européia tomada como modelo cultural.

Como órgão oficial do estado e no papel de aliado político do governo federal, o periódico mineiro ocupava-se bastante das figuras do governador (chamado na época de presidente do estado) e do presidente da República. Dedicava um espaço significativo a comentários elogiosos sobre suas atuações políticas, além de suas viagens e participações em eventos.

Em relação aos aspectos formais, cada um dos diários brasileiros apresentava particularidades. A Gazeta, que possuía em torno de 10 a 15 páginas, diferentemente dos outros diários analisados, trazia, na primeira página, o resumo das principais notícias enfatizadas pelo jornal no dia. As duas ou três páginas seguintes, assim como ocorria no argentino La Razón, mesclavam anúncios comerciais, notícias e reportagens em geral; eram seguidas de uma página contendo os telegramas nacionais e internacionais, com o

título “Boletim Telegráfico”. Várias páginas seguiam contendo diversas colunas como “Notas Sociais”, “Loteria”, “Utilidade Pública”, “Vida Comercial”, sempre mescladas a anúncios comerciais. Uma página específica concentrava o movimento dos portos brasileiros, a cotação do café, o câmbio, notícias da Bolsa e dos bancos. Em seguida, mais duas ou três páginas contendo apenas anúncios comerciais fechavam a edição.

O Estado de São Paulo, cuja edição diária continha cerca de 15 a 20 páginas,

trazia a seção “Telegramas do Exterior” na primeira página, demonstrando a importância conferida pelo jornal à função informativa. Geralmente a página inicial era composta, ainda, pela a cotação do café no mercado internacional e o movimento do porto de Santos, o que remete claramente ao público que se pretendia atingir. Na segunda página, vinha a coluna “Os Municípios”, com telegramas do interior do estado, e uma seção dedicada a notícias da imprensa da capital federal, “Jornais do Rio”, com a reprodução de trechos selecionados dos jornais cariocas. Na seqüência, várias páginas eram dedicadas a artigos de colaboradores e, a partir de 1912, também de seus correspondentes na Europa. Os artigos, quase sempre longos, vinham em destaque, em colunas específicas como “Cartas de Londres”, de Zeno; “Coisas Estrangeiras”, de Oliveira Lima, de Paris; “Divagações”, de Sílvio de Almeida. Ainda uma “Seção Judiciária” trazia informes sobre os processos em andamento e era seguida de notícias variadas. Por último, de 4 a 7 páginas de publicidade.

O Minas Gerais, enquanto um jornal oficial, tinha o formato bastante diferente dos demais diários analisados, pois tinha as primeiras 4 ou 5 páginas dedicadas a informes administrativos, como editais e notícias sobre processos judiciais, entre outros. Sua parte noticiosa, o entanto, não diferia muito dos jornais privados da época. A primeira seção era intitulada “Noticiário” e trazia as notícias nacionais e internacionais consideradas mais relevantes; vinham em títulos maiores e, em geral, comentadas pelos editores. Seguiam- na artigos de colaboradores do jornal sobre temas variados, crônicas e excertos de livros ou artigos recentemente publicados na Europa ou nos Estados Unidos. A partir de meados de 1913, além da coluna Chronique, surgiu a seção “Imprensa do Rio”, na qual publicava-se uma seleção de artigos e comentários dos jornais da capital federal.

Manteve-se a seção “Diversas”, com notícias e informações variadas de acontecimentos do Brasil e do exterior, na forma de pequenas notas. Devido à pequena quantidade de notícias locais, essa seção incluía até mesmo a movimentação de visitantes e as aquisições da biblioteca municipal, enquanto outra, “Hóspedes e Viajantes”, destacava a passagem de personagens ilustres pela capital mineira. Na coluna “O Café”, o jornal informava o preço do produto no mercado internacional e, dependendo da conjuntura econômica, fazia comentários sobre sua exportação. A última seção da parte noticiosa era sempre dedicada aos telegramas, dividida em “Telegramas do Exterior” e “do Interior”, essa última contendo telegramas recebidos de outros estados e do interior de Minas Gerais. As últimas 3 ou 4 páginas eram ocupadas por anúncios comerciais.