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A imprensa modernizada: o lugar dos jornais nos debates políticos

2.1. Jornais argentinos

2.1.3. La Razón e os inícios de um jornalismo popular

Em 1905 surgia o diário vespertino La Razón que, em pouco tempo, se tornou o terceiro mais importante do país, ao lado dos dois grandes matutinos. O aparecimento do jornal marcou um novo momento na imprensa argentina, até então hegemonizada por La

Prensa e La Nación, diários que, não obstante a dinamização técnica e crescente

vinculação comercial, permaneciam bem próximos das disputas partidárias. La Razón, primeiro diário criado e dirigido por um jornalista profissional, Emilio Morales, deu início a um modelo jornalístico que se consolidaria nas décadas seguintes, com jornais “massivos e comerciais, que se apresentam publicamente como diários populares”, buscando representar os interesses de grupos sociais mais amplos. Como observa Saítta ao contrário do “peso da tradição”, identificada à política, que marcava os diários já

existentes, “os jornais populares encontram sua legitimidade no número de leitores e nas regras do mercado.”39

À diferença de uma certa “inclinação popular”, que observamos em La Prensa, como uma vontade de exceder os limites das elites sociais, La Razón, assim como os outros “diários populares” que o seguiram, fez das massas o seu público-alvo e buscou representar seus interesses. Evidentemente, as disputas facciosas entre os detentores do poder não se apresentavam como interesses prioritários desse público. Assim, a primeira preocupação do diretor Morales foi, significativamente, a de dotar o novo diário de um perfil não-partidário, apesar de pessoalmente ser simpatizante da União Cívica Radical.40

O fundador conseguiu imprimir ao diário o estilo que se manteria nas décadas seguintes, mas a principal figura de La Razón no período estudado foi José Cortejarena, que entrou para a redação em 1909 e tornou-se sócio de Morales até que, em 1912, assumiu a direção e transformou-se no único dono do jornal. O novo diretor já vinha construindo uma expressiva carreira jornalística que havia começado no diário El Tiempo, passando em seguida a El País e, depois, ao La Prensa, atuando como repórter. Cortejarena teve também uma passagem pela política, no Partido Conservador, tendo sido eleito deputado pela província de Buenos Aires, cargo ao qual renunciou em 1911, ano em que se somou à sociedade de La Razón.41 A partir de então, não retornou à carreira política e manteve na direção do diário a diretriz do fundador, conservando-o afastado das disputas partidárias. La Razón pretendia ser “apenas intérprete das aspirações públicas”.42

De fato, La Razón se eximia de vinculações partidárias e dedicava bem menos espaço que os dois maiores diários argentinos à discussão política. À diferença de La

Prensa e La Nación, o jornal de Cortejarena punha em destaque o caráter informativo. La

39 SAÍTTA, 2000, p. 438, 440.

40 PERALTA, Op. cit., p. 6.

41 Idem, p. 6.

Razón era vespertino e saía em três edições diárias,43 o que lhe permitia adiantar muitas das notícias publicadas no dia seguinte pelos matutinos.

Abundavam nas páginas de La Razón assuntos de interesse geral, reportagens sobre temas diversificados e cotidianos, com um uso intenso da fotografia, além de um enorme espaço dedicado aos anúncios comerciais, que apareciam espalhados ao longo das diversas páginas do jornal, mesclados aos demais temas. Esse formato marcava uma significativa mudança em relação à “imprensa séria”, sendo que, nos dois principais jornais argentinos, por exemplo, os anúncios ocupavam um lugar à parte, com páginas específicas, separando a publicidade dos “assuntos sérios”, eminentemente políticos.

O novo modelo jornalístico iniciado com La Razón expressava e, ao mesmo tempo, era fruto do amadurecimento do processo de complexificação social iniciado nas décadas finais do século XIX, com o surto modernizador acompanhado da entrada massiva de imigrantes. Como observa Dante Peralta, por volta da década de 1910, não era difícil para Cortejarena perceber a importância que adquiria “uma ‘opinião pública’ já não reduzida a uma elite mas ampliada a vastos setores”, assim como o “valor estratégico da informação e da orientação dessa opinião segundo princípios e interesses também ampliados, mais gerais do que os que sustentavam as agrupações políticas tradicionais através dos diários existentes até então.” Assim, em La Razón, “o princípio organizador da representação da atividade jornalística e de suas funções sociais já não é um partido mas a pátria.”44

O diário demonstrava uma grande preocupação com a desagregação social, que considerava decorrente da modernização, e muito particularmente da imigração, exacerbada, ainda, pelas disputas entre facções. Assim, contra as paixões políticas particularistas, propunha a articulação de uma unidade cívico-patriótica que integrasse o conjunto nacional acima dos diversos segmentos sociais. No contexto das discussões da década de 1910 sobre a reforma eleitoral, o diário não escondia suas inclinações reformistas. Essas, no entanto, não se expressavam através da defesa de um grupo

43 As edições diárias de La Razón eram denominadas de 3ª, 4ª e 5ª edição, saindo, respectivamente, às 14h, 18h e 20h.

Essa peculiar denominação, provavelmente, se refere ao fato do jornal ser vespertino, considerando hipoteticamente as primeiras edições como matutinas.

político mas se projetavam na crença de que a ampliação da participação política era uma das formas de integrar os distintos setores sociais – e, particularmente, os imigrantes – na comunidade nacional, tarefa que, considerava, passaria ainda pela ampliação da escola pública.

No que diz respeito aos aspectos formais os diários argentinos apresentavam algumas diferenças importantes no período estudado. La Prensa possuía em torno de 35 a 40 páginas, dedicava as primeiras sete ou oito para os anúncios comerciais, seguidas de duas ou três de noticiário e pequenas notas e, por vezes, uma crônica. Outras duas ou três páginas eram dedicadas aos telegramas nacionais e internacionais, organizados sob o título “Boletim Telegráfico” e, na seqüência, vinham mais duas ou três contendo notas diversas. A página seguinte era dedicada à notícias de outras cidades da província, que vinham organizadas sob o título “Província de Buenos Aires”, e as duas ou três seguintes eram dedicadas às outras províncias. Normalmente seguiam mais uma ou duas páginas com as colunas “Notícias Universitárias” e “Bibliografia”. Essa última indicava aos leitores livros literários ou científicos. As últimas páginas do diário, assim como as primeiras, eram inteiramente dedicadas à publicidade.

Em La Nación, que possuía cerca de 25 a 30 páginas, sendo que a primeira era composta por anúncios comerciais e colunas culturais, “Museus”, “Bibliotecas”. As quatro ou cinco páginas seguintes traziam “Notas comerciais” e a cotação internacional dos principais produtos de exportação argentinos. Seguiam mais três ou quatro páginas de noticiário e algumas reportagens, além da coluna “Exército e Marinha”. A página seguinte, durante o período estudado, esteve dedicada à reprodução de diversos documentos referentes à atuação política de Bartolomé Mitre, com o título “Arquivo do general Mitre”. Seguiam-se cerca de três páginas contendo outras pequenas notas, informações meteorológicas e as colunas “Tribunais” e “Municípios”. Várias páginas seguintes eram, então, dedicadas exclusivamente à publicidade e a última página da edição era inteiramente dedicada aos assuntos econômicos, que preencham as colunas “Comércio”, “Navegação” e “Exportações”.

O formato de La Razón se diferenciava bastante dos dois grandes matutinos do país. O jornal, que circulava em três edições diárias, trazia em torno de 10 a 15 páginas em cada uma, totalizando cerca de 30 a 45 páginas por dia. Na primeira aparecia “Telegramas do Exterior” e algumas pequenas notas, indicando claramente a priorização da função informativa. Outro aspecto que o diferenciava dos dois maiores jornais era o fato de não conter várias páginas seguidas dedicadas aos anúncios comerciais, que apareciam intercalados e mesmo mesclados aos demais temas e colunas do diário. Assim, a segunda página, normalmente, trazia publicidade, a terceira notícias e reportagens em geral, contendo várias fotografias. A página seguinte também era de publicidade e era seguida por outra que continha notícias diversas. Outra página seguia, contendo anúncios comerciais, “Avisos Oficiais”, notícias da capital, da província de Buenos Aires e das outras províncias. Uma página era dedicada à “Cultura”, trazendo informações principalmente sobre os teatros; a página seguinte trazia, novamente, anúncios comerciais e informava sobre o tempo, enquanto as últimas páginas traziam, além da coluna “Esportes”, mais anúncios comerciais.