1.1.7 Energia Específica de Deformação
1.1.7.3 Lacunas Atômicas
A formação de n lacunas em um cristal, inicialmente perfeito, resulta na seguinte variação de sua energia de Gibbs:
G =G−Go=n . HL−n . T . Sv−kB. T .
N . ln NN n n . ln
n N n
onde Go é a energia inicial do cristal sem defeitos, HL é a
entalpia de formação da lacuna, Sv representa a entropia
vibracional resultante da perturbação (relaxação) dos vizinhos mais próximos, conforme representada na Figura 2.2.20, e o último termo representa a variação da entropia configuracional, que é resultante dos diferentes modos possíveis de arranjo dos defeitos.
+
−
+
−
+
−
+
−
+
−
+
−
−
+
−
+
−
+
−
+
−
+
−
+
Figura 2.2.18 -Relaxação dos átomos no entorno da lacuna em um cristal iônico
O efeito de relaxação no entorno da lacuna, ilustrado acima, mostra que a remoção do cátion produz nos átomos vizinhos o mesmo efeito que o produzido por uma carga negativa, i.e., atração dos cátions e repulsão dos ânions. A relaxação resulta na polarização dos íons na vizinhança da lacuna, uma vez que o campo elétrico no entorno dela torna-se assimétrico. A energia armazenada é afetada pelo efeito da lacuna e o campo elétrico na vibração dos átomos.
Os termos da equação anterior estão mostrados na Figura 2.2.19 em função de n. A contribuição da entropia T.SC é
sempre negativa e, de fato, tem uma inclinação que varia exponencialmente de −
∞
a 0. O termo n(HL – T.Sv) cresce linearmente como número de lacunas n. Portanto, a introdução de lacunas reduz a energia do cristal até que, para uma dada temperatura T, uma concentração de equilíbrio seja alcançada. Esta concentração de equilíbrio corresponde a:
∂G
∂n=HL−T . SvkB. T . ln
n N n
=0Figura 2.2.19 -Energia do cristal e a concentração de defeitos
O rearranjo da equação permite obter a fração do total de posições de lacunas, XL :
XL= n N n=e Sv/kB . e−HL/kB. T =e−GL/kB.T onde GL=HL−T .Sv .
Esta equação mostra que as lacunas são estáveis no cristal para qualquer temperatura acima do zero absoluto e que sua fração molar varia exponencialmente com a temperatura. A freqüência vibracional dos átomos vizinhos é reduzida pela presença da lacuna, o que corresponde a uma variação positiva da entropia vibracional Sv. Fisicamente, o termo de entalpia HL refere-se à
remoção de um átomo do interior do cristal e sua deposição em uma posição de rede na superfície. Os cálculos similares para outros defeitos pontuais mostram que eles serão termodinamicamente estáveis, para pequenos valores de n, se a entropia do cristal com defeito predominar sobre HL e Sv (SWALIN, 1972). A equação mostra
ainda que as contribuições das lacunas e dos defeitos, em geral,
para a energia interna ou calor específico, têm a forma exponencial.
Defeitos de Frenkel e de Schottky
O defeito de Frenkel é formado quando um átomo é transferido de uma posição da rede para uma posição intersticial, normalmente, não ocupada por um átomo. Na medida em que este tipo de desordem aumenta na estrutura cristalina, crescem também a energia estrutural e a entropia (aleatoriedade da estrutura). Em temperaturas maiores, a estabilidade termodinâmica, correspondendo a um mínimo da energia, é obtida por maior entropia ou desordem do sistema, como ilustrado anteriormente pela Figura 2.2.19.
A remoção de n átomos do interior do cristal, para posições intersticiais da rede, permite a formação de n lacunas na rede cristalina. Cada par interstício-lacuna tem associado uma entalpia de formação, HF, uma entropia, SF, resultante da deformação da rede
e de variação da freqüência vibracional, ambas introduzidas pelo defeito de Frenkel nos átomos vizinhos mais próximos, e a entropia configuracional, SC, que resulta dos diferentes modos possíveis de
G=Gon . HF−T .
SCn . SF
Se existem N posições normais de rede e um número igual de posições intersticiais, os ni átomos intersticiais podem ser
arranjados de N !/
[
N −ni
!. ni!]
modos. De forma similar, nL posiçõesde lacunas podem ser arranjadas de N !/
[
N −nL
!. nL!]
modos. A entropia de configuração no arranjo aleatório destes defeitos é:SC=kB. ln
N !
N−ni
! ni!
N !
N −nL
!nL!
Utilizando a aproximação de Stirling33 e desde que
ni = nL = n, a entropia é expressa como:
SC=2 . kB.
[
N . ln N − N−n . ln N −n −n . ln n ]
e a energia total é dada por:
G=Gon . HF−2 .kB. T .
N .ln
NN −n
−n . ln
N−nN
−n . T . SFNo equilíbrio a energia é mínima em relação ao número de defeitos, i.e. ∂G /∂ n=0 , que, aplicada à equação anterior e sendo N – n ≈ N, resulta em HF−T . SF=2 . kB.T . ln N /n , ou n N=e SF/2. kB . e−HF/2 . kB.T =do. e−HF/2. kB.T
Em geral, as observações experimentais fornecem os valores de do=eSF/2. kB na faixa de 10 a 100, mas valores pequenos, como 10-
4, ou grandes, como 10+4, são registrados na literatura (KINGERY et al. 1976). Ou seja, é grande a incerteza relacionada com as estimativas dos valores absolutos das concentrações de defeitos. Entretanto, é menos incerta a determinação experimental da variação relativa da concentração de defeitos com a temperatura (valor da entalpia HF).
Outro tipo especial de defeito de rede em cristais iônicos é a presença de lacunas catiônicas e aniônicas em equilíbrio térmico – defeito de Schottky. Da mesma forma que os defeitos de Frenkel,
33 Para N grande é válida a relação ln
energia é requerida na formação destas lacunas. Na medida em que a temperatura é aumentada, cresce também a entropia do sistema, que resulta na concentração finita de lacunas requerida para o mínimo da energia do sistema. Em um processo dedutivo similar ao da equação 2.2.8.3 a concentração de defeitos de Schottky é expressa por (KINGERY et al. 1976):
n N=e
SS/2. kB
. e−HS/2.kB.T
=do. e−HS/2 . kB.T
onde HS é a energia requerida na formação de um par de lacunas, com
a transposição de dois íons para a superfície do cristal. Na Tabela 2.7 são mostradas as energias de formação de defeitos de Frenkel e de Schottky para o UO2.
Tabela 2.7 - Energias de formação de defeitos no UO2
Defeito Reação Energia H (eV)
Frenkel OO ⇔ LO 2 +O i 2− 3,0 UU ⇔ LU4− + Ui4 ∼ 9,5 Schottky nulo ⇔ LU4− + 2 . LO2 ∼ 6,4
Fonte: (KINGERY et al., 1976)
Uma distinção importante entre os defeitos de Schottky e de Frenkel é que o primeiro requer uma perturbação da rede, tal como o contorno de grão ou a superfície livre, onde os átomos removidos do interior são reinseridos nas respectivas posições da rede.
Na análise de RONCHI e HYLAND (1994), para a capacidade térmica do UO2, foram obtidos que: (a) entre a temperatura ambiente e 1000 K, o aumento da capacidade térmica do UO2 é governado pelas vibrações harmônicas da rede, que pôde ser descrita pelo modelo de Debye; (b) entre 1000 e 1500 K, o aumento da capacidade térmica origina-se das vibrações inarmônicas da rede, como evidenciado por resultados de expansão térmica; (c) o aumento desta capacidade de 1500 a 2660 K resulta da formação de defeitos eletrônicos e de rede, com a contribuição principal dos defeitos de Frenkel e (d)
acima de 2670 K, os defeitos de Frenkel alcançam a saturação e os defeitos de Schottky tornam-se predominantes.
No modelo da equação 2.2.0.1 do MATPRO é admitida somente a contribuição dos defeitos de Frenkel, com uma entalpia de formação de 1,577x105 J/mol, equivalente à energia de 1,63 eV por defeito.