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Síntese do capítulo

2. A participação em atividades de lazer e a ocupação do tempo livre dos jovens: contribuições da educação não formal e

2.5. Lazer, ócio e tempo livre: caracterização e conceitos

Para termos clareza do tema investigado no presente estudo, apresentamos a caracterização e alguns conceitos relativos ao assunto. Na literatura consultada, encontram-se os termos lazer, ócio e tempo livre que, frequentemente, aparecem como sinônimos, inclusive, muitas vezes, especialistas os utilizam como equivalentes. No entanto, sabe-se que tais termos possuem diferentes sentidos. O sociólogo francês Dumazedier (1999: 34) define lazer como:

Um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se, ou ainda, para desenvolver sua informação ou formação desinteressada, sua participação social voluntária ou sua livre capacidade criadora, após livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais.

Para Aquino e Martins (2007) o termo lazer é atualmente utilizado de forma crescente, podendo ser empregado em sua concepção real ou ser associado a palavras como entretenimento, turismo, divertimento e recreação, porém o sentido do lazer é tão polêmico quanto a origem e o sentido do termo ócio.

De acordo com Dumazedier (1979), o lazer é exercido à margem das obrigações sociais em um tempo que varia segundo a forma de intensidade de engajamento do mesmo em suas atividades laborais. O lazer encontra-se submetido a um lugar de destaque, com funções de descanso, desenvolvimento da personalidade e diversão. Por outro lado, o ócio, representa algo mais do que essas categorias, ele está no âmbito do liberatório, do gratuito, do hedonismo e do pessoal, sendo estes fatores não condicionados inteiramente pelo social e sim pelo modo de viver de cada um, relacionado com o prazer da experiência.

O sociólogo Renato Requixa (1997) define lazer como uma ocupação não obrigatória, de livre escolha do indivíduo que a vivencia e cujos valores propiciam condições de recuperação e de desenvolvimento pessoal e social. Para Marcellino (1983), a democracia política e econômica é condição básica,

ainda que não suficiente, para uma verdadeira cultura popular e para a eliminação das barreiras sociais que inibem a criação e práticas culturais. Ele define o lazer como uma atividade desinteressada, sem fins lucrativos, relaxante, sociabilizante e liberatória. Por seu lado, Camargo (1989: 22) conceitua o lazer como:

Um conjunto de atividades que devem reunir certas características: devem ser gratuitas, prazerosas, voluntárias e liberatórias, centradas em interesses culturais, físicos, manuais, intelectuais, artísticos e associativos, realizadas num tempo livre, subtraído ou conquistado, historicamente, da jornada de trabalho profissional e doméstica e que interferem no desenvolvimento pessoal e social dos indivíduos.

Alguns consideram que o lazer existia em todos os períodos, em todas as civilizações. Esta é a tese de Sebastian de Grazia da qual Dumazedier discorda pois, para ele, o tempo fora do trabalho, é, evidentemente, tão antigo quanto o próprio trabalho, porém o lazer possui traços específicos, característicos da civilização nascida da revolução industrial. Alguns autores entendem o lazer como possibilidade privilegiada da expressão humana, um produto de uma revolução social ao mesmo tempo técnica e ético-estética, consequência de uma luta pela redução da jornada de trabalho e de uma crescente busca do prazer. Sua vivência está relacionada diretamente às oportunidades de acesso aos bens culturais, os quais são determinados, via de regra, por fatores sócio-político-econômico e influenciados por fatores ambientais (Bramante, 1998; Camargo, 1998; Marcellino, 2003).

Bruhns (1997) infere que o lazer tem algumas funções, as quais ela denomina de funções educativas, de ensino, integrativas, recreativas, compensadoras e culturais, que se caracterizam pelo interesse das normas culturais, de ideais filosóficos ou políticos, das normas de convivência social, de solidificar os grupos, principalmente os familiares, de amizade-companhia, de interesses comuns e que compreendem a atividade relacionada com o descanso psicológico e físico, levando a pessoa a uma atitude de viver tudo aquilo que, em outras situações, não pôde ser realizado.

Para Dumazedier (1979), a definição sociológica de lazer deveria apresentar ao menos as quatro propriedades seguintes: lógica, ela deve permitir situar seu objeto no gênero mais próximo em que este se insira e distingui-lo dos outros objetos do mesmo gênero pela diferença específica menos ambígua possível. Deve ser válida em relação aos problemas maiores da sociedade. Deve esforçar-se para ser operatória com respeito aos comportamentos sociais correspondentes. Deve igualmente ter em conta a divisão do trabalho sociológico entre os diferentes ramos especializados: trabalho, política, etc., definindo seu objeto de maneira mais clara possível em relação ao dos outros. Partindo desta premissa este autor apresenta quatro definições correntes do lazer na sociologia de hoje. Primeiro, o lazer não é uma categoria definida de comportamento social pois todo comportamento em cada categoria pode ser um lazer, mesmo o trabalho profissional. A segunda definição, explícita ou implícita, situa o lazer somente com respeito ao trabalho profissional em oposição a este último, como se nada mais existisse contiguamente, como se o lazer resumisse inteiramente o não trabalho (Dumazedier, 1979. A terceira definição do lazer, que exclui do lazer as obrigações doméstico – familiar e tem a vantagem de fazer parecer que a dinâmica principal da criação e da limitação do tempo de lazer para o homem e para a mulher, é dupla; simultaneamente na redução do trabalho profissional e na do trabalho familial (Dumazedier, 1979.Como quarta definição, Dumazedier (1979) acredita ser a um só tempo mais válido e mais operatório destinar o vocábulo lazer ao único conteúdo do tempo orientado para a realização da pessoa com fim último.

Para designar a parcela do tempo liberado deste duplo trabalho profissional e familial, incluindo as obrigações sócio-espirituais e sócio- políticas, adota-se, como Slazai (1972) e seus colegas, a expressão tempo livre. Fazendo convergir as diversas expressões, podemos considerar a ausência de qualquer atividade concreta, ou seja, certa liberdade de não fazer coisa alguma. Surge de forma clara uma tentativa de definir certo tempo (fora das ocupações diárias). Assim, o conceito de “tempo livre” parece aquele que melhor corresponde à necessidade de especificar a parte do dia em que não estamos ocupados com atividades definidas (Camargo, 1989).

Ao dizer tempo livre, implicitamente reconhece-se a existência de outro tempo que não possui essa qualidade. Portanto, não é um termo independente, nasce de uma noção oposta que corresponde a um tempo “não livre”. Então, tempo “não livre” seria igual a tempo obrigado ou tempo de obrigações. Os conceitos de lazer, ócio e tempo livre têm sido tratados indistintamente. Mas, para Zamora, Toledo, Santi, & Martínez (1995), mais importante do que a denominação é o fato de o indivíduo poder gozar de um tempo só para si, a partir do qual elege livremente, e segundo sua vontade, entre o descanso, o entretenimento, o desenvolvimento ou o serviço voluntário.

Elias e Dunning (1992), em sua obra “A busca pela excitação”, dizem ser possível compreender as relações e as diferenças das várias atividades de tempo livre. Para estes autores, tempo livre é todo tempo liberto das ocupações de trabalho. Eles classificam o tempo livre em cinco esferas representadas por atividades de trabalho privado e administração familiar, repouso, provimento das necessidades fisiológicas, sociabilidade e atividades de lazer.

Desde uma perspectiva psicossocial, o tempo pode se estruturar em tempo psicobiológico destinado basicamente às necessidades fisiológicas e psíquicas, tempo socio-econômico que se relaciona ao trabalho, tempo sociocultural em que nos dedicamos à vida em sociedade, tempo do ócio voltado para as atividades que podem ser aproveitadas pessoal ou coletivamente, tempo das necessidades e ainda tempo conquistado (Bramante, 1998; Mascarenhas, 2000; Munné & Codina, 2002).

A compreensão multivariada da funcionalidade de lazer resultante da riqueza das formas da sua realização, da riqueza motivacional ou da pobreza das possibilidades conduz ao conceito das funções. É impossível descrever todas as funções possíveis do tempo livre. No entanto, na pesquisa teórica, algumas das funções se repetem e por isso podem ser consideradas comuns e básicas (Bruhns, 1997).

A excitação que as pessoas procuram nas atividades de lazer, em geral, é uma excitação agradável, um tipo que possui características comuns com situações críticas sérias, as quais as pessoas encontram em suas vidas, mas com qualidades peculiares, que serão discutidas durante o decorrer deste trabalho. Partindo dessas considerações, Elias e Dunning (1992), evidenciam algumas características peculiares que permitem ao lazer satisfazer as

necessidades a ele impostas. Para estes autores, a sociabilidade é um elemento básico presente praticamente em grande parte das atividades de lazer, estando associada com o despertar do prazer emocional, proporcionando ao participante um estímulo agradável experimentado pelo fato de estar acompanhado de outras pessoas sem qualquer obrigação ou compromisso para com elas, salvo, para aquelas que se tenha de forma voluntária. Sendo assim, o lazer oportuniza uma maior e mais profunda interação entre as pessoas e como consequência uma amigável emotividade, a qual se distingue da praticada, e de certo modo, considerada normal, na esfera profissional e também nas atividades de não lazer. Para os autores, a função do lazer é fazer oposição às rotinas da vida social, entre as quais são encontradas as ocupações profissionais. Nesse ponto, uma das funções do lazer se torna evidente: o papel central que as reações emocionais representam, por desempenhar funções de quebra da rotina, gerando assim uma excitação agradável.

Dias et al. (2008) referem que nos últimos anos tem vindo a crescer o interesse pela relação entre os estados afectivos e emocionais, entre os quais o bem-estar subjectivo e a felicidade durante a prática da actividade física. Referem ainda que as pessoas experienciam bem-estar subjectivo quando estão envolvidas em actividades interessantes e se sentem satisfeitas com as respectivas vidas.

Desde Aristóteles e, até hoje, filósofos e teóricos, ao tentarem precisar a natureza do ócio, relacionaram este a percepção de felicidade. Na sua compreensão, o ócio, do ponto de vista individual, tem relação com a vivência de situações e experiências prazerosas e satisfatórias. Do ponto de vista objetivo se confunde com o tempo dedicado a algo, com os recursos investidos ou, simplesmente, com as atividades. Do ponto de vista subjetivo, é especialmente importante considerar a satisfação que cada um percebe na experiência vivida como necessária e enriquecedora da natureza humana. (Cuenca, 2003). O primeiro capítulo da declaração da World Leisure and Recreation Association (WLRA, 2001), afirma o papel positivo que o ócio desempenha na vida humana proporcionando a satisfação, o desfrute e uma maior felicidade. Cuenca (2000), fala em sensação gratificante e Csikszentmihalyi (1997) refere a estado de encantamento. Tinsley e Tinsley

(1986) tratam a experiência de ócio como uma experiência subjectiva em qualquer intensidade. Para estes autores o estado de ócio é similar às experiências místicas, experiências pico e às experiências de fluxo de consciência. Ambos defendem a existência de quatro condições para que se possa experimentar o ócio: percepção de liberdade, motivação intrínseca, actividade facilitada e compromisso. Para outros autores, por exemplo Csikszentmihalyi (1997), o estado de ócio se assemelha ao fluxo da experiência óptima.

Munné e Codina (2002) descrevem um ócio compensador que revela a contradição latente de um ócio que advém de um comportamento necessário. Assim, os 3 “D’s” (desenvolvimento, diversão e descanso) concebidos por Dumazedier (1973) referem-se a atividades compensatórias, razão porque não expressam liberdade, pois o tempo do ócio passa a ser livre quando expressa a liberdade. Este tempo livre está relacionado com a saúde psicológica, o desenvolvimento total da pessoa ao longo da vida, com as vivências culturais e os hábitos adquiridos, cuja problemática é levantada pela Unesco e a Organização Mundial de Saúde.

Diante do acima exposto, concordamos com Marcellino (2000), quando diz que não existe um consenso sobre os conceitos mencionados. Por vezes se considera e os coloca como um estilo de vida, privilegiando o aspecto tempo, ou seja, o tempo livre que não é ocupado pelo trabalho e pelas obrigações familiares, sociais e religiosas. Concordamos ainda que a utilização dos termos referenciados dependa da educação, dos padrões culturais, das oportunidades que a comunidade oferece, assim como, das condições sócio- econômicas.