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O LEGADO INDÍGENA NO LÉXICO DO BRASIL: DA LÍNGUA GERAL AOS DIAS ATUAIS

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS: O LÉXICO EM FOCO

2.4 O LEGADO INDÍGENA NO LÉXICO DO BRASIL: DA LÍNGUA GERAL AOS DIAS ATUAIS

Desde o início da colonização brasileira, o elemento indígena tem marcado presença na história social da nação, pelos seus hábitos, tradições e crenças transmitidos ao longo das gerações. Como produto social, a língua também reflete essa influência, uma vez que

[...] todos os componentes de uma língua – seu sistema de sons, seu sistema morfológico e sintático e seu vocabulário, assim como suas estratégias de construção do discurso – mudam no curso do tempo, em razão de reajustes internos desses sistemas e devido a mudanças na cultura e organização social do povo que a fala e a

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A primeira edição da obra Formação do Brasil contemporâneo, de Caio Prado Júnior, é de 1942. Para este trabalho consultamos a 19ª edição, publicada em 1986.

influências de outras línguas com que ela entra em contacto em determinadas circunstâncias (RODRIGUES. As línguas gerais sul

americanas, disponível em

http://vsites.unb.br/il/lali/publicacoes/publ_002.html).

O legado indígena permanece, assim, na cultura e na norma linguística brasileira, mesmo passados mais de quinhentos anos desde o descobrimento, especialmente em regiões em que o progresso econômico e industrial chegou mais lentamente, como no Norte e no Centro-Oeste do Brasil. Nessas duas regiões político-administrativas, inclusive, estão localizados os dois Estados que abrigam as maiores populações indígenas do Brasil: Amazonas e Mato Grosso do Sul (IBGE, 2012).

Também no Norte e no Centro-Oeste do Brasil ainda é possível encontrar grande número de falantes de línguas indígenas, registrando-se também a coexistência oficial de línguas indígenas com o português do Brasil, como em São Gabriel da Cachoeira/AM (Nheengatu, Tukano e Baniwa) e em Tacuru/MS (Guarani). Rodrigues (2002, p.33), nesse contexto, relata que no Norte e no Centro-Oeste ainda se registram diversas línguas do tronco Tupi em atividade, sendo,

[...] ao todo, 21 línguas vivas da família Tupi-Guarani, que identificamos em território brasileiro [...] faladas por cerca de 33.000 pessoas. Contam com maior número de falantes o Kaiwá, em Mato Grosso do Sul, e o Tenetehára (Guajajára e Tembé), no Maranhão e Pará, com cerca de 7.000 cada um. O Kaiwá e o Tenehára são as línguas tupi-guarani mais populosas do Brasil.

Já em relação ao Macro-Jê, Rodrigues (2002, p. 47) argumenta que

[...] o constituinte maior do tronco Macro-Jê é a família linguística Jê, que compreende línguas faladas sobretudo nas regiões de campos cerrados que se estendem ao sul do Maranhão e do Pará, em direção ao sul, pelos estados de Goiás e Mato Grosso, até os campos meridionais dos estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

A par das línguas derivadas desses dois troncos linguísticos, registram-se também em localidades dessas regiões outras famílias linguísticas, como a Karib e a Aruák, além de diversas outras línguas não associadas a qualquer família linguística. Frente ao exposto, vê-se o seguinte quadro em termos das línguas indígenas vivas no Brasil:

[...] línguas da família Tupí-Guaraní no Brasil, que é a mais distribuída sobre nosso território, com línguas no Amapá e norte do Pará e com outras no Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, com umas no litoral atlântico e outras em Rondônia, assim como nos principais afluentes meridionais do rio Amazonas, no Madeira, no Tapajós, no Xingu e também no Tocantins e Araguaia. Outras grandes famílias são a Jê, que tem línguas distribuídas desde o Maranhão até o Rio Grande do Sul, a Aruak no oeste e no leste da Amazônia, em Mato Grosso e em Mato Grosso do Sul, e a Karib ao norte do rio Amazonas, nos estados do Amazonas, Roraima, Pará e Amapá, mas com algumas línguas ao sul daquele rio, ao longo de seu afluente Xingu, nos estados do Pará e Mato Grosso (RODRIGUES, 2012a).

E essa presença influencia as escolhas lexicais dos brasileiros, nas diversas regiões, com a manutenção de indigenismos na designação de elementos da cultura nacional. Porém, além do fator histórico e de contatos étnicos, devem-se considerar ainda os elementos geográficos no desenhar da norma lexical brasileira, como as fronteiras secas com países da América do Sul com forte influência indígena, como Colômbia, Peru, Argentina, Bolívia e Paraguai, por exemplo, fator que também pode contribuir para a manutenção do substrato indígena na fala dos brasileiros. Esses países valorizam a importância indígena, traduzida, por exemplo, pelas línguas co-oficiais de origem indígena – como o quéchua no Peru e na Bolívia,

que comporta ainda o aimará, e o guarani no Paraguai. E, como as trocas culturais são intensas entre esses países e o Brasil, e a língua é também produto cultural, a comunicação entre seus habitantes comporta palavras “emprestadas” das línguas

Um exemplo que ilustra essa situação de contato é o comércio entre as cidades de Ponta Porã, em Mato Grosso do Sul, e Pedro Juan Caballero, no Paraguai, em que transitam as línguas espanhola, portuguesa e guarani, mesmo, por vezes, a língua guarani funcionando como uma proteção para seus falantes, excluindo aqueles que a desconhecem.

Em síntese, a presença de línguas indígenas no português brasileiro perpassa a era colonial e os séculos subsequentes, transitando ainda na atualidade em diversos pontos do Brasil, o que está sendo investigado no âmbito deste trabalho, que busca analisar até que ponto a proximidade/distância dessas áreas híbridas, linguisticamente, influencia a norma linguística dos habitantes de grandes centros urbanos, no caso, das 25 capitais brasileiras que integram a rede de pontos do Projeto ALiB, bem como verificar se os casos documentados fazem parte da norma padrão ou revelam peculiaridades regionais.

Sendo assim, selecionou-se um percurso metodológico para se chegar a esse objetivo, que será apresentado no capítulo subsequente, o Capítulo III, que versa sobre as obras pesquisadas e a forma com que foram analisadas as unidades léxicas coletadas a partir dos dados catalogados pelo Projeto ALiB, que também será contextualizado no capítulo a seguir. A ferramenta tecnológica que propiciou o tratamento das informações também está detalhada no Capítulo III, dentre outras informações de cunho metodológico.

CAPÍTULO III