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O ciclo 9 da cana-de-açúcar e a estruturação da economia colonial

Mapa II: Etnias indígenas do Brasil segundo Bethell (2004)

1.1.1.1 O ciclo 9 da cana-de-açúcar e a estruturação da economia colonial

Como referido no tópico anterior, nota-se uma identificação do índio com os processos de extração, caça e pesca na Colônia, pelo menos de acordo com o olhar europeu. Dessa forma, a atividade que foi tomando força ainda no final do século XVI, substituindo gradativamente a atividade meramente extrativista do pau-

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O historiador Boris Fausto (2008) discorda da divisão da economia colonial em ciclos econômicos no Brasil Colônia, haja vista que essa denominação iria contra a própria história, uma vez que ciclos representam um início, meio e fim de uma etapa para só depois se iniciar uma próxima, o que, de fato, não ocorre nos registros das atividades econômicas brasileiras no Período Colonial. Contudo, aqui a utilizamos por já estar cristalizada nos relatos históricos e também por assim vigorar em diversas das obras que serviram de base para este texto.

brasil, foi a lavoura da cana-de-açúcar, e que precisaria de uma mão de obra mais submissa e disciplinável, a escrava, para além da indígena.

E, considerando que a África tinha contingente humano substancial à época e o comércio escravista já era uma realidade na Europa, os escravos africanos foram importados para o Brasil. Havia também, por parte dos senhores de engenho, certas preferências em relação à origem desses negros, o que, segundo eles, identificaria uma maior ou menor adequação a certos tipos de trabalho. Segundo Antonil (199710, p. 89),

[...] Os que vêm para o Brasil são ardas, minas, congos, de São Tomé, de Angola, de Cabo Verde e alguns de Moçambique. [...] Os ardas e os minas são robustos. Os de Cabo Verde e de São Tomé são mais fracos. Os de Angola, criados em Luanda, são mais capazes de aprender ofícios mecânicos. [...] Entre os congos, há também alguns bastantemente industriosos e bons não somente para o serviço de cana, mas para as oficinas e para o meneio da casa.

Assim, com o tráfico negreiro autorizado a partir de um alvará de D. João III, em 1549 (LUCCHESI, BAXTER, RIBEIRO, 2009, p. 45), a importação de negros cresceu de tal forma que os africanos passaram a ser maioria na sociedade colonial. E esse comércio era cercado de vantagens: além de atender a um público ávido por mão de obra e que tinha condições de pagar um bom preço pelas „peças‟ – nome

pelo qual eram designados os negros produtos da escravidão –, rendia também lucros inimagináveis para seus vendedores, uma vez que, a princípio, a captura de africanos era relativamente fácil, isso pelo auxílio dos próprios africanos na captura de escravos, por meio de argumentos sedutores de melhores condições de vida e pelo imenso contingente de negros naquele continente.

No Brasil, eles ocupavam todos os postos na cultura de cana-de-açúcar. Desde a extração até a lida com o produto final e, como relatado por Antonil, alguns

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foram também designados para os lides do lar, nas chamadas Casas Grandes. A essa época, com o despontar da produção de açúcar não apenas no Brasil, mas também nas Antilhas, promovida por holandeses, posteriormente, esse produto passou de especiaria apenas consumida comedidamente pelas classes europeias mais abastadas a produto de consumo diário, tal qual o conhecemos na atualidade.

No que diz respeito às línguas africanas faladas por esses povos, há que se compreender que, sendo eles de origens tão distintas, também suas línguas eram variadas. Então, “levando-se em conta a região de origem dos escravos africanos,

pode-se estimar que foram atingidos pelo tráfico locutores de cerca de 200 a 300 línguas” (PETTER, 2001, p. 223). Assim, nem no Brasil havia um monolinguismo,

nem nas nações africanas de onde partiram seus habitantes para essas terras; o plurilinguismo era factual, com um grande número de línguas indígenas que coexistiam no país, assim como as diversas línguas dos povos africanos que aqui aportaram na condição de escravos.

Com isso, fazia-se necessário o uso de uma língua para a comunicação entre negros e entre negros e seus senhores, papel ocupado pela língua portuguesa, já com inserções indígenas, mas especialmente transmitida pelos índios chefes da produção açucareira e depois pelos negros ladinos, que a aprendiam, usavam-na no trato com seus senhores e também na comunicação com os demais moradores da senzala.

É necessário ainda que se considere que, apesar de ter como base o negro, também o índio, ainda que em menor proporção, trabalhava nos engenhos de cana, por vezes também como escravo, uma vez que o comércio de indígenas praticado especialmente pelos paulistas também se tornou lucrativo,

Além disso, também nesse período, e com vistas a coibir a fácil entrada de outras nações no vasto território brasileiro, a Coroa Portuguesa pôs em execução o regime das donatarias, que formariam as Capitanias hereditárias. O sistema consistia na doação de grandes porções de terras a grandes senhores, que seriam responsáveis pelo povoamento e pela administração da porção de terra a ele pertencente. Em outras palavras, “o donatário era um grã-senhor investido de poderes feudais pelo rei para governar sua gleba”, isto é, “com o poder político de

fundar vilas, conceder sesmarias, licenciar artesãos e comerciantes, e o poder econômico de explorar diretamente ou através de intermediários suas terras e até com o direito de impor a pena capital” (RIBEIRO, 1995, p. 87).

Porém, logo esse regime administrativo deu mostras de sua ineficiência: apenas algumas capitanias, como São Vicente e Pernambuco, por exemplo, alcançaram êxito em suas atividades econômicas e de gestão. Nesse cenário, a Coroa Portuguesa instituiu, então, o Governo Geral, para auxiliar a governança das donatarias e também com vistas a melhor defender o território.

E, tendo em vista as riquezas naturais da época, como a cana-de-açúcar, por exemplo, e sua concentração no Nordeste, o rei D. João III instituiu Tomé de Sousa como primeiro Governador-Geral e a sede do Governo na Bahia de Todos os Santos.

E, com sua base no trabalho escravo negro, a cana-de-açúcar foi o ciclo mais duradouro na economia colonial, iniciando-se ainda em meados do século XVI e permanecendo até o século XVIII. Essa atividade estava também ainda concentrada em áreas litorâneas, especialmente no Nordeste.

Assim,

[...] O engenho açucareiro, primeira forma de grande empresa agroindustrial exportadora, foi, a um tempo, o instrumento de

viabilização do empreendimento colonial português e a matriz do primeiro modo de ser dos brasileiros. Sem ele, [...] seria inimaginável a ocupação europeia de uma vasta área tropical, sem riquezas minerais para descobrir, habitada por indígenas que apenas lograram construir culturas agrícolas e que não constituíam uma força de trabalho facilmente disciplinável e explorável (RIBEIRO, 1995, p. 274).

E o mercado consumidor do açúcar brasileiro foi também o grande responsável por esse sucesso econômico colonial. Tendo se tornado produto de uso diário, à medida que todas as mesas utilizavam-se do açúcar em substituição ao mel e, dada a experiência anterior dos portugueses em seu cultivo, o Brasil dominou esse mercado por muito tempo.

Essa hegemonia foi ameaçada apenas a partir das invasões holandesas no Nordeste brasileiro entre 1624 a 1654, visando à posse dos lucros advindos desse comércio. As invasões foram combatidas e vencidas, mas a experiência dos holandeses com o açúcar os levou a cultivar a cana em outras terras, como as Antilhas, que concorreram diretamente com o açúcar brasileiro e forçaram a Colônia Portuguesa a procurar outras fontes de renda.