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CAPÍTULO 1: EDUCAÇÃO INCLUSIVA NO BRASIL: A QUESTÃO

1.2 Legislação brasileira em vigor

Apesar dos princípios da inclusão escolar, em defesa do acesso do aluno com deficiência na escola regular, terem sido deflagrados, mais especificamente, a partir da Declaração de Salamanca, em 1994, a Constituição Brasileira de 1988 já garantia à pessoa com deficiência o direito à educação, preferencialmente, na escola regular (BRASIL, 1988).

Ratificando os princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Constituição Brasileira, de 1988, elegeu como fundamentos da República a cidadania e a dignidade da pessoa humana (Art. 1º, inc. II e III), garantindo a todos o direito à igualdade (Art. 5º). Esse direito deve visar o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Além disso, elege, como um dos princípios para o ensino, a igualdade de condições de acesso e permanência na escola (Art. 206, inc. I), acrescentando que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino, da

pesquisa e de criação artística, segundo a capacidade de cada um (Art. 208, V). Enfatiza ainda, no Art. 208, inciso III, como dever do Estado, o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.

Este preceito foi incluído, igualmente, em várias Constituições estaduais, como é o caso da Constituição do Estado do Rio Grande do Norte, promulgada em 3 de outubro de 1989, que, no Artigo 138, prevê esse atendimento nos moldes que foram propostos na Carta Magna.

De igual modo, a Lei Orgânica do Município de Natal, promulgada em 3 de abril de 1990, ressalta, no Artigo 165, que “é assegurado aos deficientes, matrícula na rede municipal, na escola mais próxima de sua residência, em turmas comuns, ou, quando especiais, conforme critérios determinados para o tipo de deficiência” (NATAL, 1992, p. 26).

A Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, assegurando o pleno exercício dos direitos individuais e sociais destas pessoas. Em seu Art. 2º prescreve que cabe ao Poder Público e a seus órgãos assegurar o direito dos portadores de deficiência aos serviços de educação (BRASIL, 1989).

A Lei nº 8.069, de 16 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu Art. 54, item III, prevê atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino (BRASIL, 1990).

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB (Lei de nº 9.394/96), sancionada em 20/12/96, no Título III, que trata do Direito à Educação e do Dever de Educar, art. 4 , parágrafo III, também garante o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino (BRASIL, 1996).

O texto dessa lei, no capítulo V, que trata da Educação Especial, em seu Art. 58º, deixa claro que haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela da Educação Especial (Inciso I) e o atendimento em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular.

E, mais recentemente, de conformidade com a LDB/96, a Resolução CNE/CEB Nº 2, de 11 de setembro de 2001, que institui as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, estabelece em seu Art. 7 que “o atendimento aos alunos com necessidades educacionais especiais deve ser realizado em classes comuns do ensino regular, em qualquer etapa ou modalidade da Educação Básica” (BRASIL, 2001).

Nesse sentido, ao fazer opção pela construção de um sistema educacional inclusivo o Brasil se coloca numa perspectiva de ruptura com a ideologia da exclusão, dando um grande passo dentro da política educacional brasileira, que nos leva a perceber e a constatar, gradativamente, a transformação da educação especial, de modo que

o momento educacional brasileiro é de democratização da instituição escolar. Neste contexto, a Educação Inclusiva, que até a bem pouco tempo era considerado uma utopia, hoje vem consolidando-se como uma realidade “sem volta”. Ou seja, as escolas se vêem cada vez mais pressionadas a revisar seus projetos político-pedagógicos e paradigmas educacionais, de modo geral, no sentido de acolher e se responsabilizar por todo um contingente de alunos que, por algum motivo, se diferenciam do tipo idealizado do aluno “normal”, sobre tudo aquelas pessoas que apresentam algum tipo de deficiência ou distúrbio grave de aprendizagem ou comportamento, que tradicionalmente têm sido atendidas em um sistema paralelo e excludente da Educação Especial, nas suas diferentes modalidades (GLAT, 2003, p. 7).

Portanto, traz implícito o desafio de reestruturar as escolas, de modo que respondam às necessidades de todos os alunos, valorizando a diversidade, pois “parte do princípio de que todas as diferenças humanas são normais e de que a aprendizagem deve, portanto, ajustar-se às necessidades de cada criança” (BRASIL, 1994, p. 18).

No entanto, essa não parece ser uma realidade ainda concretizada no Brasil. A título de reflexão, Prieto (2003, p. 128-129) cita a reportagem do Jornal Folha de São Paulo (2001), em que é tecida a seguinte consideração:

Nunca foi tão grande a disposição das escolas de integrar em sala de aula os alunos portadores de deficiência ou necessitados de cuidados especiais. Os dados recém-tabulados da Sinopse do Censo Escolar 2000 mostram que cresceu 141%, em dois anos, o número dos estabelecimentos que colocam esses estudantes em classes regulares, juntos com os demais. Apesar da boa notícia, o censo mostra que ainda há muito a melhorar no que diz respeito à infra-estrutura para receber estes estudantes. A maioria (63%) das 81.695 crianças portadoras de necessidades especiais estuda em salas sem recursos específicos para cada tipo de deficiência (grifos nossos).

Prieto (2003) denuncia, a partir desse relato, que o acesso escolar desses alunos pode estar sendo garantido, mas não o atendimento educacional especializado que favoreça as condições adequadas para assegurar seu desenvolvimento e aprendizagem.

Ainda em relação a essa denúncia, tomando como base os aspectos grifados, gostaríamos de evidenciar o descompromisso existente, principalmente em relação ao aluno com deficiência física, e, em particular, no que diz respeito aos que fazem uso de cadeira de rodas e que necessitam de ambientes físicos acessíveis, de adaptações e recursos pedagógicos para que possam ter garantia de acesso ao currículo, como é o caso de boa parte dos alunos que apresentam paralisia cerebral.

No que tange à questão da acessibilidade8, podemos dizer que através da legislação o governo brasileiro vem se empenhando para garantir que os espaços sociais se tornem acessíveis às pessoas com deficiências, como nos mostra:

x a Lei nº 10.098/2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade, mediante a supressão de barreiras e de obstáculos nas vias e espaços públicos, no mobiliário urbano, na construção e reforma de edifícios e nos meios de transporte e de comunicação e (BRASIL, 2000);

x a Portaria nº 3.824/2003, que dispõe sobre os requisitos de acessibilidade a pessoas portadoras de deficiências, para instruir processos de autorização e de reconhecimento de cursos, e de credenciamento de instituições (BRASIL,2003).

Entretanto, a Lei nº 10.098/2000 parece que ainda não se fez entendida ou conhecida, uma vez que muitas de nossas escolas ainda não foram adaptadas arquitetonicamente. O mesmo acontece em relação à provisão dos materiais e recursos pedagógicos, assim como do mobiliário escolar específico de que necessitam esses alunos para favorecer o seu processo de ensino-aprendizagem, uma vez que a Lei nº 9.394 / 96, em seu Artigo 59, Inciso I, aponta que os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais, currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específica para atender às suas necessidades.

Essa realidade nos remete a algumas questões pertinentes, quando estamos falando da educação do aluno com paralisia cerebral, tais como: será que o aluno com paralisia cerebral está tendo o apoio pedagógico que, realmente, necessita para se considerar incluído no contexto da escola regular? É possível prover todas as escolas brasileiras, ao mesmo tempo, dos recursos, materiais pedagógicos, de mobiliário escolar e de equipamentos de que necessitam a maioria dos alunos com paralisia cerebral? Será que os órgãos responsáveis pela educação em nosso país têm condições, por si só, de estruturar todas as escolas e provê-las de todos os recursos de que necessita o aluno com paralisia cerebral?

8 “Possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de edificações, espaço mobiliário e equipamentos urbanos” (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TECNICAS, 1997, p. 2).

E se pensarmos com relação aos alunos com outros tipos de deficiências; será que todos eles, independentemente do tipo e gravidade de sua deficiência, estão tendo a qualidade do atendimento educacional que requerem?

Considerando tais questionamentos e admitindo que, no Brasil, há muito que se fazer, ainda, para se concretizar a educação inclusiva, principalmente no que se refere à educação do aluno com deficiência no contexto regular, faz sentido alguns autores buscarem chamar a atenção dos responsáveis pela gestão dos sistemas de ensino, no contexto brasileiro, para que tenham muito cuidado com as posições radicais em relação à inclusão, no sistema de ensino comum de alunos com deficiência. Este alerta diz respeito, principalmente, aos casos graves, para que a inclusão não se torne uma utopia (GLAT, 1998b), ou mesmo, uma irresponsabilidade, ao se fechar serviços especializados sem antes produzir uma reestruturação adequada do sistema educacional (MENDES, 2002).

Muitos autores, também, têm se preocupado em sugerir, diante de suas experiências e visão educacional, alguns aspectos que julgam essenciais para uma mudança do ensino, na perspectiva da escola inclusiva.

Mazzotta (1993) destaca alguns pontos em relação à escola regular como favoráveis à não-segregação dos alunos com necessidades educacionais especiais, a fim de contemplar a maior diversidade possível das condições dos alunos: criar condições ambientais adequadas; prestar orientação e apoio aos profissionais da educação; proporcionar um currículo diversificado que atenda às necessidades dos alunos; adequar os critérios de avaliação e promoção; prover os recursos materiais e pedagógicos necessários; combater atitudes discriminatórias, entre todos os segmentos da comunidade escolar, e valorizar o profissional da educação especial no contexto da escola regular.

Marchesi e Martin (1995) destacam que, para efetivar a inclusão, faz-se necessário uma maior competência profissional dos professores, projetos educacionais mais completos, capacidade de adaptar currículo às necessidades especificas dos alunos, assim como uma maior provisão de recursos de todo o tipo.

Pires, J. e Pires, G. (1998), por sua vez, destacam: a necessidade da qualificação de recursos humanos, tanto das equipes de apoio especializado quanto de docentes, sendo esta última contemplada em nível de graduação e em nível de pós-graduação, visando novos modelos de atendimento frente à diversidade; a criação e a experimentação de situações no processo ensino-aprendizagem que favoreçam diferentes esferas do desenvolvimento dos alunos - afetivo, cognitivo, social e perceptivo-motor -; estruturação curricular com métodos, técnicas e recursos educativos; treinamento da escola para lidar com a estruturação e

organização curricular; a instrumentalização das escolas para o uso de novos recursos educativos.

Mrech (1998), por sua vez, situa que a escola inclusiva requer: sistema de colaboração e cooperação nas relações sociais, formando uma rede de auto-ajuda na escola; mudança de papéis e responsabilidades dos professores e da equipe técnica da escola, tornando o professor mais próximo e conhecedor das dificuldades dos alunos; estabelecimento de uma infra- estrutura de serviços; parceria com os pais; ambientes educacionais flexíveis; estratégias educativas com base em pesquisas; estabelecimento de novas formas e critérios de avaliação do rendimento escolar; facilitação do acesso físico das pessoas com deficiência e continuidade no desenvolvimento profissional da equipe técnica.

Além desses aspectos, Glat (1998b) também chama atenção para a necessidade de avaliação de projetos, programas e estratégias educacionais, de forma sistemática e científica, para que se possa reformular o que não deu certo e reproduzir as experiências bem sucedidas.

Em síntese, podemos dizer que a inclusão escolar não significa inserir apenas fisicamente o aluno com deficiência na escola regular ou apenas mudá-lo de endereço da escola especial para a escola regular. É preciso entender que a inclusão escolar é um processo em construção e que só poderá se concretizar se for feita com cautela, responsabilidade, planejamento e com participação da sociedade, principalmente, de forma articulada com os órgãos responsáveis pela educação nesse país.

Apesar de considerar que todos esses aspectos são relevantes e que devem ser tratados em conjunto, ao se pensar a escola numa perspectiva inclusiva, daremos ênfase à discussão em torno da formação continuada de professores, haja vista ser este o nosso objeto de estudo.