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4 PROJETO ORLA: princípios norteadores, arcabouço legal e institucional

4.2 Legislação incidente sobre a zona costeira: antecedentes institucionais e legislação

O conceito de zona costeira surgiu, pela primeira vez, num texto internacional na Recomendação nº 92, do Plano de Ação pelo Meio Ambiente, na Conferência de Estolcomo, Suécia em 1972. Tempos depois, o Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas (ONU) definiu as zonas costeiras como um bien national de grand valeur (RUFINO, 2004). Desde então, as zonas costeiras passaram a ser reconhecidas em nível mundial, dada sua importância nos aspectos econômicos, ambientais e sociais. No tocante a esta consciência pelas nações, a gestão dos espaços litorâneos tem sido alvo de preocupação de organizações internacionais e regionais (RUFINO, 2004). Portanto, eis a relevância em conhecer a forma de gestão desse espaço em países que legislam sobre a zona costeira, de modo a socializar as inovações na forma de gestão, e inevitavelmente, comparar à legislação brasileira. Um legislador espanhol, ao editar a Ley de Costas em 1988, na Espanha, relatou que não se pode desconsiderar a experiência jurídica e administrativa do próprio país, nem de países análogos ao seu (RUFINO, 2004).

A União Europeia criou em 1996, o programa de demonstração da Comissão Europeia sobre a gestão integrada das zonas costeiras. Contudo, antes mesmo deste programa, o

Conselho da Europa, de 1973 já preconizava regulamentação sobre os espaços costeiros, por meio da Resolução nº 29/1973, que cita as seguintes prescrições: a) criação de limites para áreas edificadas; b) subordinação das licenças para construção; c) princípio do livre acesso às margens do mar, cuja concretização se daria por meio de equipamentos públicos adequados e pela incorporação ao domínio público dos terrenos necessários; d) regulamentação da exploração dos recursos naturais e adoção de um sistema de controle de qualidade das águas costeiras (RUFINO, 2004; BRASIL, 2010a). Cabe ressaltar o princípio do livre acesso à fachada marítima para uso público disposto no Conselho da Europa, que também está amparado pela legislação brasileira, no PNGC e na Constituição Federal Brasileira de 1988, quando considera as “praias bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar”. Rufino (2004) cita que alguns países já transpuseram esse princípio para disposições de caráter legislativo, como o princípio que determina a harmonia arquitetônica e paisagística dos equipamentos turísticos, outrora, muito comum na orla dos balneários.

O primeiro país que adotou lei específica para o litoral foi, provavelmente, a Espanha, com a Lei de Costas, de 1969 (RUFINO, 2004). Um dos objetivos da Lei de Costas é garantir o uso público do mar, da orla e de todo o domínio público marítimo-terrestre, sem exceções além daquelas derivadas de razões de interesse público devidamente justificadas5 (SCHERER, 2013). De acordo com a Lei de Costas Espanhola (JEFATURA DEL ESTADO/ESPANHA, 1988), há também um limite de 500 metros (restrições ao uso) desde o final das dunas, no caso de solos não urbanizados. Nesta área definem-se acessos, zona de proteção, de até 200 metros, estacionamentos, equipamentos turísticos, restrições à urbanização entre outros. A Lei de Costas determina áreas de restrição ao uso, independentemente do tipo de ecossistema presente. No Brasil, a restrição total ao uso existe somente se configurado o ecossistema de restinga (CONAMA, 2002), levando a possíveis discussões sobre a aplicação ou não da restrição (SCHERER, 2013).

A Noruega instituiu sua legislação em 1971 sobre planificação de praias e áreas de montanha (BECET, 1987 citado por RUFINO, 2004). A Suécia instituiu faixa de proteção da orla de 100 metros, proibindo toda construção, salvo em casos especiais, assim como a Dinamarca que estabeleceu para seu litoral a mesma proibição de construção na faixa de 100 metros. Neste mesmo contexto, a Itália, por meio da Lei de 8 de agosto de 1985 proíbe qualquer modificação do ambiente fora das zonas urbanizadas sobre a faixa de 300 metros medidos a partir do mar. Esta proibição somente pode ser discutida quando as autoridades

competentes adotam planos de urbanismo que levam em conta a necessidade de preservar os espaços naturais (KLEMM, 1990 citado por RUFINO, 2004).

A legislação norte-americana - Coastal Zone Management (Act-CZMA, de 1972) impõe a proteção da zona costeira segundo os interesses das gerações atuais e futuras, evidenciando claramente o princípio do desenvolvimento sustentável. Seus programas de proteção à costa consideram os valores ambientais, históricos, culturais e estéticos, além da necessidade de desenvolvimento econômico e da participação dos atores sociais no processo decisório de uso do espaço. “O sistema de licenciamento dos usos e atividades compreende, além da consulta recíproca das autoridades federais e estaduais, a garantia de realização de audiências públicas”. (RUFINO, 2004, p. 73). Este direcionamento é visto também no Brasil, por meio da metodologia do Projeto Orla, que somente legitima o Plano de Gestão Integrada da orla mediante a participação da população local, por meio de audiência pública.

No direito brasileiro, o arcabouço jurídico-administrativo, introduzido pela Lei nº 7.661/1988, configura-se como marco inicial de atuação normativa e administrativa para a gestão da zona costeira brasileira. Ademais, no contexto da Lei nº 7.661/1988, é estabelecido um sistema descentralizado de regulação das atividades humanas na zona costeira, por meio de um zoneamento e normas de caráter obrigatório, sancionado pelo poder de polícia (RUFINO, 2004). O autor considera ainda o pioneirismo da legislação brasileira em alguns pontos, haja vista que ele é decorrente da mesma tendência observada em muitos países, como exemplo a implantação de sistemas de controle das atividades antrópicas sobre o espaço costeiro, reconhecidamente frágil e valioso. Rufino (2004, p. 81) expõe, com muita sabedoria: A partir do momento em que a preservação e a gestão integrada passem a incorporar políticas públicas consistentes, será possível estabelecer os condicionamentos necessários a fim de que a utilização pública ou privada desses bens naturais se realize consoante os princípios preconizados no plano internacional para o gerenciamento das zonas costeiras.

Poder-se-ia resgatar e discutir a legislação comentada de outros países que tem na zona costeira um relevante patrimônio natural, contudo, o objetivo é o de proceder a breves comparações com a gestão costeira do Brasil, e não a discorrer arduamente sobre este assunto.

4.2.1 PLANO NACIONAL DE GERENCIAMENTO COSTEIRO (PNGC)

O Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNGC) foi constituído pela Lei nº 7.661, de 16 de maio de 1988, cujos detalhamentos e operacionalização constam na Resolução nº 01/1990 da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM), de 21

de novembro de 1990, aprovada após audiência do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). O PNGC entrou em fase de revisão devido ao atendimento das novas demandas surgidas, redirecionando suas atividades e estratégias de gestão, passando a ser chamado de PNGC II, após a segunda revisão em 1997. Levaram-se em consideração, neste processo, aspectos como a dinâmica do ecossistema, a multiplicidade de uso, a alta relevância ambiental marcada pela transição de ambientes terrestres e marinhos, a tendência permanente de concentração populacional em regiões localizadas na zona costeira. Em resumo, vislumbrou- se que a sustentabilidade das atividades humanas na zona costeira depende de um meio marinho saudável, o qual deve ser conservado e protegido conforme demonstra sua inserção na Constituição Brasileira como área de patrimônio nacional.

O PNGC expressa o compromisso do Governo Brasileiro com o desenvolvimento sustentável em sua zona costeira. Ele tem, como finalidade primordial, o estabelecimento de normas gerais visando à gestão ambiental da zona costeira do país, disseminando as bases para a formulação de políticas, planos e programas estaduais e municipais (BRASIL, 2006). No âmbito local, um importante instrumento de planejamento é o Plano Diretor, que de acordo com a lei é "o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana”. A atividade de gerenciamento costeiro considera o envolvimento institucional entre os diversos níveis e setores do governo, e deste com a sociedade. Considerando o disposto na Constituição Federal e na Lei nº 7.661/1988, algumas das responsabilidades concernentes à execução das ações previstas no PNGC são:

a) Nível Federal: O Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal (MMA), em função de sua área de competência e como órgão central do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), coordenará a implementação do PNGC. E ainda, O MMA estabelecerá estreita articulação com os órgãos e colegiados existentes em nível federal, estadual e municipal, cujas atribuições tenham vinculação com as atividades do Plano.

b) Nível Estadual: Os Estados, na esfera de suas competências e nas áreas de sua jurisdição, planejarão e executarão suas atividades de gerenciamento costeiro em articulação intergovernamental, com os municípios e com a sociedade.

c) Nível Municipal: Os Municípios, observadas as normas e os padrões federais e estaduais, planejarão e executarão suas atividades de gerenciamento costeiro em articulação intergovernamental e com a sociedade (BRASIL, 1988).

O caráter de planejamento e a dotação de instrumentos de gestão capazes de articularem-se entre si remetem ao gerenciamento costeiro, como ações de mitigação, atenuação e mudanças de perspectivas negativas, como aquelas decorrentes de uso antrópico. Tem-se, portanto, uma estreita relação entre os três níveis governamentais para bem gerir a zona costeira brasileira, primando pela ocupação dos espaços costeiros de forma ordenada, preservação dos recursos naturais, cooperação entre o poder executivo e a sociedade civil organizada, conhecimento dos anseios da população local e dos impactos incidentes na zona costeira, oriundo do aumento da concentração populacional em períodos sazonais, no caso de balneários. Além disso, ao conhecer as experiências de outros países e as de pessoas que vivem economicamente deste recurso natural, facilita a uma de decisão assertiva dos gestores institucionais, por exemplo, como a adoção da educação ambiental e a definição de projetos específicos para a orla. Neste propósito, destaca-se a criação do Projeto de Gestão Integrada da Orla Marítima, cujo objetivo está em compatibilizar as políticas ambiental e patrimonial do governo federal na gestão dos espaços litorâneos sob propriedade ou guarda da União, o qual tem como foco a gestão dos terrenos e acrescidos de marinha. Trata-se, portanto, de uma estratégia de descentralização de políticas públicas num espaço de relevante peculiaridade natural e jurídica, que se traduz na orla marítima brasileira (BRASIL, 2006).