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O ser humano fabrica e consome bebidas alcoólicas há, pelo menos, seis mil anos. ―Há provas do consumo da cerveja que remontam aos babilônios: uma tabuleta de barro mostra como se preparava a bebida seis mil anos antes de Cristo.‖ (RANDAZZO, 1996, p.391). A Civilização Romana tinha em Baco o deus do vinho que já estava relacionado com a ebriedade e o exagero. Nesta pesquisa, não se pretende levantar a discussão da legalidade do consumo de bebidas alcoólicas ou fazer um apanhado de todos os problemas sociais relacionados a ela. Mas, pesquisar a legislação existente que acaba por limitar ou proibir

certos componentes, interferindo na elaboração do discurso publicitário das propagandas televisivas de cerveja.

A bebida alcoólica como causa de acidentes e mortes no trânsito ganha cada vez maior importância nos meios de comunicação, principalmente na televisão e na agenda do Governo Federal que investe em diversas ações, principalmente, em propaganda educativa. Os estudos de Modelli; Pratesi; Tauil (2008) demonstram que no ano 2000, os acidentes de trânsito foram responsáveis por 29.640 vítimas fatais no País (sendo 25% do total de causas externas que incluem todos os tipos de acidentes e homicídios). A mortalidade por acidente de trânsito no Brasil tem aumentado com o passar dos anos, passando de 16,1 para cada 100.000 habitantes em 1994 a 18,9 para a mesma proporção em 2004. Nestes acidentes, o álcool aparece como maior responsável, visto que, a probabilidade de um indivíduo, sob efeito do álcool, ser vítima de acidente fatal é 7 vezes maior do que a de uma pessoa sóbria, podendo chegar a 25 vezes dependendo da alcoolemia. Além disso, o perfil das vítimas, em sua maioria, é a mesma em todo território nacional: adultos jovens do sexo masculino moradores de grandes cidades que estavam dirigindo, principalmente, à noite.

Foi só a partir da década de 80 que foram realizados os primeiros estudos nesta área no país comprovando que os acidentes de trânsito é um problema de grande relevância nacional, particularmente pela alta mortalidade e pela predominância em populações jovens e economicamente ativas que perdem anos de vida produtiva, causando um elevado custo direto e indireto para a sociedade.

Quando se aborda a relação entre bebidas alcoólicas e acidentes de trânsito, notamos dois pólos com interesses opostos: de um lado as indústrias de bebidas e do outro o Governo Federal, e os respectivos agentes de ambas as partes como publicitários, ONGs, vendedores etc. As indústrias de bebidas alcoólicas são uma das mais fortes do mercado nacional, promovendo grandiosas verbas publicitárias aplicadas na mídia de massa, sobretudo na televisão. No ano de 2006, o investimento em mídia da indústria de bebidas alcoólicas foi de R$ 907 milhões. Apenas a AmBev26, a maior anunciante do segmento, investiu quase metade desse montante. Esses números refletem não apenas uma estratégia agressiva de comunicação, mas o aumento do volume de vendas destes produtos, principalmente a cerveja (Assessoria..., 2010), que é a bebida alcoólica mais consumida no Brasil representando 61% das doses consumidas. O Brasil é o terceiro maior produtor de cerveja do mundo, com 10,5 bilhões de

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litros/ano e primeiro lugar na produção de destilados, cerca de 1,5 bilhões de litro/ano. (SENAD, 2010).

Aliado ao grande investimento do setor na mídia está o conteúdo das mensagens divulgadas por esses anunciantes. Geralmente, o seu consumo está associado a situações de glamour, alegria e festa, como demonstra a pesquisa de Salbego (2008). Até 2006 as indústrias poderiam utilizar, inclusive, elementos do universo infantil como apelo de venda em suas propagandas, que promovem forte impacto sobre crianças e adolescentes pela simpatia que provocam criando, assim, um ambiente favorável e estimulante para o consumo, tornando essa ou aquela bebida mais simpática.

O Governo busca outras ações para conter este problema social. Pela proposta do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) que regulamenta o Projeto de Lei 12.006/2009, dispõe que qualquer publicidade (seja ela de TV, rádio, mídia impressa, internet ou de outro canal) de veículos automotores ou relacionado à indústria automobilística, deverá ser acompanhada de frases de alerta para um comportamento seguro no trânsito, nos mesmos moldes que já acontece com os anunciantes de bebidas alcoólicas e cigarros. (JORNAL DOS TRANSPORTES, 2010, p.7). Isso demonstra que esta disputa entre indústria e Governo ainda promoverá outras discussões. O que está acontecendo com a bebida alcoólica atualmente, ocorreu com a propaganda de cigarros, até que ela foi proibida em todas as mídias.

Comumente a publicidade representa um mundo de sonhos onde tudo é perfeito, onde os produtos são capazes de resolver qualquer problema e onde as pessoas são felizes. Ou seja, criam narrativas, discursos que possibilitam uma representação ideal e uma plena identificação com o consumidor. ―A publicidade, enquanto um sistema de idéias, permanentemente posto para circular no interior da ordem social, é um caminho para o entendimento de modelos de relações, comportamento e da expressão ideológica dessa sociedade‖ (ROCHA, 1995, p.29).

A importância dos meios de comunicação, e aqui entendemos em grande parte a propaganda, é conhecida pela forte influência que exercem no comportamento da população, principalmente em crianças e jovens. O que ganha um apreço ainda mais significativo ao saber que em ―um estudo sobre a influência da mídia no julgamento de risco pessoal e da sociedade demonstrou que as pessoas, especialmente os jovens, tendem a subestimar sua própria vulnerabilidade e superestimar a vulnerabilidade do risco dos outros‖. (VOIGHT et. al. 1998 apud SAUER, 2001, p.38).

Assim como o Governo Federal busca ações para regulamentar a propaganda de comerciais de cerveja, o Conselho de Auto-Regulamentação Publicitário (CONAR) através de

seu código de conduta (o Anexo B traz a parte do código que trata da cerveja), também procura impor limites e sanções para essas propagandas. Em seu Anexo P, juntamente com a resolução nº02/08 que analisa exclusivamente as bebidas alcoólicas ―de mesa‖, na qual está a cerveja, o código do CONAR demonstra as práticas que julga anti-éticas.

As propagandas de cerveja não podem ter crianças e adolescentes como público-alvo, logo todas as estratégias discursivas devem ser direcionadas à adultos (além disso, a mídia escolhida deverá ser predominantemente adulta). Esta norma teve grande discussão há alguns anos quando diversas marcas de cerveja utilizavam bonecos e animais animados por computador. Devido a grande proximidade deste tipo de iconocidade (a animação) e objeto (animais), o CONAR concluiu que era impróprio, tornando-se proibido e declarando que o anunciante

não empregará linguagem, expressões, recursos gráficos e audiovisuais reconhecidamente pertencentes ao universo infanto-juvenil, tais como animais ―humanizados‖, bonecos ou animações que possam despertar a curiosidade ou a atenção de menores nem contribuir para que eles adotem valores morais ou hábitos incompatíveis com a menoridade (CONAR, 2010).

Os atores que realizam a propaganda de cerveja devem ter mais de 18 anos e aparentar mais de 25 anos. Ou seja, não basta ser maior de idade, mas deve aparentar, ter a representação de adulto. Além disso, a propaganda não deve ter apelo a sensualidade ou ser tratada como objeto sexual, ou promover a cerveja em uma situação que torne seu uso positivo. Uma questão interessante é que não se pode incentivar o uso do produto, o que é contraditório, pois a propaganda de cerveja enquanto discurso persuasivo, tem o intuito de promoção de seu produto e marca através do estímulo de consumo deste.

A propaganda de cerveja não pode associar o produto ao desempenho de atividade profissional, condução de veículo ou situações perigosas ou ilegais, nem qualquer tipo de esporte. Todo anúncio deve trazer uma cláusula de advertência. O CONAR possibilita diversas frases a escolha do anunciante, assim como determina como ela deve aparecer de acordo com a peça publicitária em relação a fonte e tamanho. Ressaltando que as frases abaixo não excluem outras, que atendam à finalidade e sejam capazes de refletir a responsabilidade social da publicidade27.

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As frases que o CONAR (2010) recomenda são: ―Beba com moderação‖; ―A venda e o consumo de bebida alcoólica são proibidos para menores‖; ―Este produto é destinado a adultos‖; ―Evite o consumo excessivo de álcool‖; ―Não exagere no consumo‖; ―Quem bebe menos, se diverte mais‖; ―Se for dirigir não beba‖; ―Servir bebida alcoólica a menor de 18 é crime‖.

Utilizar-se-á o seguinte formato: cartela única, com fundo azul e letras brancas de forma a permitir perfeita legibilidade e visibilidade, permanecendo imóvel no vídeo ou na tela. A cartela obedecerá ao gabarito RTV de filmagem, no tamanho padrão de 36,5 cm x 27 cm (trinta e seis e meio centímetros por vinte e sete centímetros); as letras serão da família tipográfica Univers, variação Médium, corpo 48, caixa alta. A locução constará apenas da leitura da frase escolhida (CONAR, 2010).

Nas palavras do código, ―em TV, inclusive por assinatura e em Cinema, deverá ser inserida em áudio e vídeo como encerramento da mensagem publicitária. A mesma regra aplicar-se-á às mensagens publicitárias veiculadas em teatros, casas de espetáculo e congêneres‖. Nas chamadas de programa e vinhetas, pela curta duração, patrocinado por cerveja esta norma não é necessária, assim como as cervejas sem álcool. A fração de tempo da advertência deve ter como correspondente a, pelo menos, um décimo da duração da mensagem publicitária.

Vale ressaltar que o CONAR considera o anunciante, a agência, as produtoras e os veículos de comunicação como autores da propaganda e, por isso, todos devem adotar restrições de produção e veiculação quando necessário.