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Lei natural: do “Segundo Tratado” aos “Ensaios sobre a lei de natureza”

De acordo com Thomas, embora Locke não tenha reservado, no “Segundo Tratado”, uma parte para a exposição sistemática da lei natural, não há dúvida de que ele possui uma concepção coerente desse termo, que pode ser reconstruída a partir de suas frequentes, embora dispersas, referências à lei natural no “Segundo Tratado”, bem como de seus escritos de juventude, especialmente os “Ensaios sobre a lei de natureza” 84

.

De fato, os “Ensaios”, que segundo Goldie podem ser lidos como um “palimpsesto do desenvolvimento intelectual de Locke”, são reflexões preparatórias ou paralelas que constituem, nas palavras de Goldie, a pré-história do “Segundo Tratado”. Tais textos, que fazem parte dos escritos não publicados

83

Cf. HALDENNIUS, op. cit., p. 262.

40 em vida por Locke e que ficaram conhecidos como a “Coleção Lovelace”, por receberem o nome de seu adquirente, permaneceram, juntamente com um grande volume de documentos, praticamente desconhecidos até serem transferidos do escritório de Locke para a biblioteca de Oxford em 194285.

Embora sejam considerados como parte dos escritos de juventude de Locke, os “Ensaios sobre a lei de natureza” são de fundamental importância para o entendimento de alguns dos conceitos desenvolvidos de forma sumária ou dispersa por Locke em seus escritos políticos de maturidade, em especial no “Segundo Tratado”.

É esse o caso da noção de lei de natureza, cujo conteúdo é sucintamente descrito no “Segundo Tratado” como um comando para a defesa da “paz e a conservação de toda a humanidade”86

. A precisa compreensão da concepção da lei de natureza deve ser obtida, assim, da análise da exposição empreendida por Locke nos “Ensaios”.

Previamente à análise da argumentação desenvolvida por Locke nos “Ensaios sobre a lei de natureza”, há que se salientar, conforme destacado por Goldie, que o termo “Ensaios” utilizado para designar a exposição sobre a lei da natureza é equivocado, pois os nove textos escritos por Locke são na verdade dissertações que seguem o tradicional formato escolástico, que expõe os argumentos favoráveis juntamente com as objeções contrárias a determinadas questões em debate87.

85 Cf. Mark GOLDIE, Introdução. In: John LOCKE, Ensaios políticos. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. XI-XIII.

86

Cf. LOCKE, Dois tratados sobre o governo, § 7, p. 385.

41 Na tentativa de investigar a existência da lei de natureza, Locke inicia por constatar que todo aquele que já tiver refletido sobre “Deus Todo-poderoso, ou o invariável consenso de toda a humanidade a todo tempo e em todos os lugares, ou mesmo sobre si mesmo ou sua consciência, não acreditará facilmente” que só homem tenha vindo ao mundo totalmente isento de qualquer lei aplicável a si, diferentemente de todo o restante da ordem criada, que possui “leis válidas e fixas de operação apropriadas à sua natureza”88

.

Segundo Locke, a lei natural é designada de diversas maneiras, podendo ser equiparada ao “bem ou virtude moral” perseguidos pelos “filósofos de outrora (e entre eles especialmente os estoicos)”, à “reta razão”, entendida como “certos princípios definidos de ação dos quais emergem todas as virtudes e tudo quanto é necessário para a moldagem apropriada da moralidade” e à noção mais ampla de “lei de natureza”, que inclui a ideia de uma “lei que cada um pode detectar meramente pela luz plantada em nós pela natureza”, aquela “regra de viver de acordo com a natureza que os estoicos tanto enfatizam”89

. Entre essas diferentes designações, Locke afirma que a menos apropriada é a de “reta razão” ou “ditado da razão”, já que não é a razão que estabelece a lei da natureza, mas antes “a busca e descobre como lei instituída como um poder superior e implantada em nossos corações”. Considerar os ditames da razão como a própria lei de natureza representaria uma violação da

88

Cf. LOCKE, Ensaios políticos, op cit., p.101.

42 “dignidade do legislador supremo”, pois a razão não é “mais autora dessa lei do que sua intérprete”90

.

Desse modo, a lei natural é, para Locke, o decreto divino que pode ser percebido por todos os homens pela luz da natureza e interpretado pela razão, e que possui todos os requisitos de uma lei propriamente dita, pois “estabelece o que se deve e o que não se deve fazer”91

, obrigando a todos.

Para Locke, a existência da lei da natureza pode ser provada por cinco diferentes argumentos, que são descritos nos “Ensaios sobre a lei de natureza”.

O primeiro deles é derivado da “Ética a Nicômaco”92 , de Aristóteles, em que se reconhece, de acordo com Locke, que “a função própria do homem é agir de acordo com a razão, de tal modo que o homem deve, necessariamente, fazer o que a razão prescreve”93

. Por esse argumento, a existência de princípios morais universais pode ser constatada pela uniformidade das definições de virtudes, que são invariáveis entre todos os homens a despeito das eventuais discordâncias sobre alguns princípios. Para Locke, a grande semelhança entre as leis positivas dos diferentes povos demonstra a existência de um “conceito ou obrigação antecedente a tais leis”, pois se não houvesse uma obrigação moral comum a orientar a edição das leis, não haveria tanto acordo

90 Cf. op. cit., p. 102.

91 Cf. op. cit., p. 102.

92

Cf. ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco. São Paulo: Atlas, 2009, p.25-28.

43 entre as leis dos mais diferentes povos, e a “virtude seria uma coisa entre os índios e outra entre os romanos”94

.

O segundo argumento que atesta a existência da lei natural advém, segundo Locke, da constatação de que os homens julgam suas condutas e a si mesmos de acordo com sua própria consciência, o que não seria possível se não existisse uma lei a que reconhecidamente devessem prestar obediência, pois “na ausência de lei não é possível proferir julgamento algum”95

.

O terceiro argumento destacado por Locke decorre da percepção de que todas as coisas do mundo possuem, por sua própria constituição, “um modo de existência próprio à sua natureza”96

, um conjunto de atribuições e tarefas inerentes à sua particular posição na ordem da criação. Neste argumento, Locke remete à noção convencional de “grande cadeia do ser”, segundo a qual o cosmos é fruto da obra de Deus, que criou cada parte do universo com propósitos especificamente determinados para a finalidade do todo. Por esse motivo, não seria razoável afirmar que “somente o homem seja independente de leis, enquanto tudo o mais se encontra subordinado”97

, sendo incompatível com a sabedoria do Criador que ao animal dotado do maior grau de perfeição e situado na posição mais elevada na cadeia da ordem criada não tenha sido atribuída nenhuma obra, ou que lhe tenha sido concedida uma lei “precisamente para que ele possa não se submeter a lei alguma”98

. Ao destacar 94 Cf. op. cit., p. 104. 95 Cf. op. cit., p. 107. 96 Cf. op. cit., p. 107. 97 Cf. op. cit., p. 107.

44 este argumento, Locke demonstra, segundo aponta Goldie99, estar “seguindo Hooker de perto”, pois sua exposição se assemelha muito à argumentação realizada por esse autor no “Of the laws of Ecclesiastical Polity”100

.

O quarto argumento exposto por Locke deriva da existência da sociedade política e das leis civis positivas, já que estas não são obrigatórias por si mesmas, “senão em virtude da lei de natureza, que ordena a obediência aos superiores e a conservação da paz pública”. Além disso, o cumprimento dos pactos, que constitui a base da sociedade política, não decorre da simples submissão à lei civil, pois não é de se esperar que alguém cumpra uma convenção contra a sua vontade “salvo se a obrigação de manter a palavra houver derivado da natureza, e não da vontade humana”101

.

O quinto e último argumento evocado por Locke para demonstrar a existência da lei de natureza decorre do exercício de supressão da lei natural, do qual resulta a constatação de que “se não existisse lei natural, não existiriam nem virtude nem vício, nem a recompensa pelo bem nem a punição pelo mal: onde não existe lei, não existe falta, nenhuma culpa”102

. Para Locke, a eliminação da lei da natureza acarretaria a supressão de toda e qualquer referência para a conduta humana e o homem “não estaria obrigado a nada, a não ser àquilo que a utilidade ou o prazer pudessem recomendar”103

. Como, no entanto, a “natureza do bem e do mal é, com efeito, eterna e certa”, a honra e a baixeza de nossas virtudes e vícios devem-se exclusivamente aos parâmetros

99 Cf. op. cit., p. 107.

100 Cf. Richard HOOKER. Of the laws of ecclesiastical polity. Cambridge: Cambridge University Press, 1997.

101 Cf. op. cit., p. 109.

102

Cf. op. cit., p. 109.

45 fixados por essa lei, que não é fixada “nem pelas ordenações públicas dos homens nem por nenhuma opinião privada”104

.

Após a apresentação dos argumentos que demonstram a existência da lei de natureza, Locke passa a analisar a forma como podemos conhecê-la, iniciando com a afirmação de que “o modo de alcançarmos o conhecimento dessa lei é pela luz da natureza, por oposição a outros modos de conhecimento”105

. Por “luz da natureza”, Locke faz alusão àquela “espécie de verdade”106

cujo conhecimento pode ser atingido pela experiência sensorial do homem.

Para sustentar essa afirmação, Locke procura investigar, dentre os tipos de conhecimento por ele identificados, qual deles pode se prestar ao conhecimento da lei natural. Tais tipos de conhecimento, a inscrição, a tradição e a experiência sensorial podem também ser designados, segundo Goldie, como conhecimento inato, conhecimento recebido ou herdado e dados dos sentidos107, respectivamente.

Com relação ao conhecimento inato, Locke sustenta, em primeiro lugar, que a lei natural não está inscrita no coração ou na mente dos homens, uma vez que a afirmação segundo a qual “a alma dos homens, quando nascem, são pouco mais que tábulas rasas, aptas a receber todas as espécies de

104 Cf. op. cit., p. 109. 105 Cf. op. cit., p. 110. 106 Cf. op. cit., p. 110. 107 Cf. op. cit., p. 110.

46 impressões” não foi provada, embora “muitos tenham laborado para essa finalidade”108

.

A despeito da categórica recusa em conceber a lei natural a partir da noção de ideias inatas, que é efetuada por Locke nos “Ensaios” de maneira compatível com a exposição contida no Livro I do “Ensaio sobre o entendimento humano”109, Locke afirma, no “Segundo Tratado” que o direito de matar um assassino é amplamente reconhecido como decorrente da lei natural pois “tão claramente estava isso inscrito no coração dos homens110”. Embora essa oposição possa ser potencialmente explicada como decorrência do estilo argumentativo de superposição de ideias utilizado por Locke nos “Tratados” 111

, as possíveis maneiras de compatibilizar essas noções escapam, por suas inevitáveis repercussões na teoria do conhecimento, aos estreitos limites deste trabalho. Em segundo lugar, a lei natural demonstra não estar simplesmente inscrita nos corações dos homens pela constatação das inúmeras e contraditórias regras de natureza avocadas distintamente por cada pessoa. Para Locke, se os seres humanos tivessem a alma abastecida por essa lei, eles concordariam sobre ela “sem demora e hesitação”, e mostrariam unanimemente presteza em obedecê-la.

Além disso, se a lei natural estivesse inscrita no coração dos homens, os jovens, os analfabetos, as raças primitivas, os tolos e os insanos

108 Com esse argumento, conforme salienta GOLDIE, Locke faz uma alusão implícita a DESCARTES. A referência explícita foi apagada por Locke do manuscrito dos “Ensaios”, que continham em seu primeiro esboço uma menção expressa a DESCARTES como alguém que “laborou para demonstrar a teoria das ideias inatas”. Cf. LOCKE, Ensaios Políticos, op. Cit, p. 119. Para uma compreensão da teoria das ideias inatas de DESCARTES, Cf. DESCARTES, Discurso do método. São Paulo: Nova Cultural, 1996.

109 Cf. John LOCKE, Ensaio sobre o entendimento humano. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2010.

110

Cf. op. cit., p. 390.

47 conheceriam essa lei tanto quanto os outros, ao passo que, de forma oposta, é no conhecimento ou no desconhecimento dessa lei que “reside a diferença entre o sábio e o estúpido”112

.

Por fim, Locke sustenta que a lei natural não está inscrita na mente ou nos corações dos homens pois, se assim fosse, teríamos que supor que além dos princípios práticos estariam também inscritos em nossos corações os princípios especulativos, o que é difícil de se provar, uma vez que os primeiros e mais conhecidos princípios das ciências não estão inscritos como um axioma em nossa mente, não sendo possível que alguém os pressuponha antes de ter sido ensinado por outra pessoa ou o tenha provado por si mesmo por indução113.

No que se refere à tradição, Locke considera, em primeiro lugar, que se a lei da natureza pudesse ser conhecida dessa maneira, seria impossível determinar corretamente o seu conteúdo, “dada a imensa variedade entre tradições conflituosas”, tornando difícil, também, a distinção entre a lei e a opinião. Ora, se a lei de natureza é idêntica em todos os lugares e as tradições variam, “segue-se ou que não existe nenhuma lei de natureza, ou que ela não possa ser conhecida por meio da tradição”114

.

Em segundo lugar, Locke afirma que se a lei natural pudesse ser conhecida pela tradição, “tratar-se-ia mais de questão de confiança que de conhecimento”, pois dependeria antes da autoridade daquele que transmite o conteúdo dessa lei do que propriamente da evidência.

112 Cf. op. cit., p. 123.

113

Cf. op. cit., p. 123.

48 Por fim, o terceiro argumento utilizado por Locke para sustentar a impossibilidade de conhecimento da lei natural pela tradição é o fato de que uma tradição remonta sempre a uma origem, um autor original que teria descoberto o conteúdo da lei da natureza por uma das outras duas formas de conhecimento, que estariam, portanto, “igualmente abertos ao restante da humanidade”, não havendo a necessidade da tradição “na medida em que cada um possui dentro de si os mesmo princípios básicos de conhecimento”115

.

Com relação ao último modo de conhecimento investigado por Locke, a percepção sensorial é, enfim, reconhecida como a base do conhecimento da lei natural. Para Locke, nesse sentido, a fundação de todo conhecimento da lei da natureza é derivada das coisas que percebemos por meio de nossos sentidos, que são a matéria utilizada pela razão para a interpretação da lei natural. Assim, é por meio da razão que “a humanidade chega ao conhecimento da lei natural”, mas “as fundações sobre as quais repousa, em toda a sua integridade, esse conhecimento que a razão constrói e alça tão alto quanto o céu, são os objetos da experiência sensorial”116

.

Para Locke, portanto, a lei de natureza é conhecida por meio dos sentidos, que representam o material utilizado pela razão para a interpretação dos comandos morais, pois “toda concepção mental, não menos que corpórea, surge de algum material preexistente, e a razão também procede da mesma

115 GOLDIE ressalta que o destaque conferido por Locke à refutação da tradição como forma de

conhecimento da lei natural, que levou Locke a projetar todo um ensaio – ao final não escrito – para essa finalidade deve-se à ressonância desse debate para a controvérsia anticatólica, uma vez que a Igreja apregoava que o conhecimento da verdade cristã devia se dar pela tradição de seus ensinamentos. Cf. op. cit., p. 113.

49 maneira nas ciências moral e prática, exigindo que lhe concedam esse material”117

.

Para elucidar o processo de conhecimento da lei natural por meio dos sentidos, Locke lança mão de diversas metáforas, todas extremamente expressivas. Assim, por exemplo, para Locke, a descoberta dos ditames de Deus para os homens deve ser empreendida por nossos sentidos a partir da experiência de Suas obras, assim como “a argila está sujeita à vontade do oleiro”118

, não podendo a lei natural ser conhecida como se fosse uma lei escrita em tábulas e “exposta em nossos corações e que, tão logo chegue perto dela alguma luz interior (como um archote se aproximando de um quadro de anúncios pendurado no escuro), é finalmente lida, percebida e notada pelos raios daquela luz”119

. Após a demonstração de que a lei natural pode ser conhecida pela razão, que atua sobre os dados da experiência sensorial, Locke passa a considerar o que torna essa lei universalmente obrigatória, iniciando por afastar, desde logo, a ideia de que a preservação individual e o auto cuidado não podem ser as fontes dessa obrigatoriedade, pois do contrário “a virtude se mostraria não tanto um dever como uma conveniência do homem, de modo que algo somente será bom se for útil120”.

A obrigatoriedade da lei natural se deve, antes, à sabedoria divina do legislador e ao poder que o criador possui sobre a ordem criada, posto

117 Cf. op. cit., p.126. 118 Cf. op. cit., p. 129. 119 Cf. op. cit., p. 110. 120 Cf. op. cit., p. 143.

50 que estamos obrigados a nos mostrar obedientes à autoridade de Deus, que nos criou e de quem depende a nossa existência.

Para além desse argumento que, segundo Taylor121, aproxima Locke da tradição do voluntarismo teológico, Locke sustenta que a obrigatoriedade da lei natural decorre também da “apreensão racional do que é certo”122

, uma vez que assumimos um compromisso para com a punição, e não podemos escapar, sob a luz da razão, de reconhecer nossas próprias faltas e violações, não pelo medo da punição, mas pelo julgamento moral.

Para explicitar a diferença entre a obediência a uma lei natural pela consciência de seu valor moral e a obediência pelo simples medo da punição, Locke lança mão do exemplo daquele que, na qualidade de cativo, fosse obrigado a servir a um pirata, que se diferencia do súdito obrigado a obedecer uma lei civil. No primeiro caso, uma eventual desobediência não afrontaria a sua consciência, ao passo que uma desobediência à lei civil não se daria sem a condenação de sua consciência, pois haveria a violação de um direito de outrem123.

Da análise da noção de lei natural exposta por Locke nos “Ensaios” resulta, segundo Thomas124

, que a lei da natureza refere-se, para Locke, não a leis científicas que governam os processos físicos, mas a leis normativas da conduta humana. As leis da natureza em Locke são leis de acordo com as quais a conduta humana deve se dar, e não leis de acordo com as quais as pessoas sempre agem.

121 Cf. Charles TAYLOR, As fontes do self – A construção da identidade moderna. São Paulo: Loyola, 2005, p. 223.

122 Cf. op. cit., p. 146.

123

Cf. op. cit., p.146.

51 Para compreender a noção de lei natural para Locke é conveniente, conforme sugere Thomas125, separá-la em dois aspectos: o aspecto “formal”e o aspecto “material”.

O primeiro deles inclui as características que indicam o que é necessário para algo ser considerado uma lei da natureza, mas sem indicar quais comandos específicos decorrem dessa lei. O segundo aspecto refere-se à estrutura particular e ao conteúdo que Locke conferiu à lei natural. Nesse aspecto, o conceito de lei natural de Locke se diferencia dos conceitos propostos por outros teóricos de seu tempo que trataram da lei da natureza.

A visão de Locke sobre os aspectos formais da lei da natureza é convencional para seu tempo. Em primeiro lugar, uma lei da natureza é uma lei que prescreve uma conduta independente em relação às convenções da humanidade, isto é, independente da lei positiva das sociedades políticas e das convenções ou costumes sociais.

Para Thomas, duas ideias estão presentes no termo “independente”: a primeira é que a fundação ou a justificação da lei natural não depende daquilo que as convenções normativas da humanidade estabeleçam de maneira ocasional. Ela é justificada por algo que reside fora ou acima das meras convenções da humanidade. A segunda é que a lei positiva ou a convenção social podem ou não corresponder de fato àquilo que é preconizado pela lei da natureza126.

125

Cf. op. cit., p. 15.

52 Em segundo lugar, a lei da natureza é a lei da razão. Agir de acordo com a lei da natureza é agir de acordo com a razão. Dessa forma, pode-se saber o que a lei natural prescreve pelo recurso a nossa própria razão, que analisa e interpreta a experiência sensorial, revelando o sentido da ordem criada.

Em terceiro lugar, a lei da natureza é a lei que Deus impôs a toda a humanidade e segundo a qual todos devem se comportar. Nesse sentido específico, pode-se conhecer os comandos da lei natural pela consulta da vontade de Deus tal qual revelada pelas escrituras. Locke presume que o resultado de

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