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A INFLUÊNCIA DAS ORIENTAÇÕES E DOS PROGRAMAS OFICIAIS DE ENSINO NAS PRÁTICAS DOS PROFESSORES

3. O tratamento das entrevistas

3.2. A Influência do PROFA

3.2.1. A reorganização das práticas pedagógicas

3.2.1.1. Leitura Compartilhada

No início da implantação do PROFA, chamava-se Leitura Compartilhada a leitura em voz alta que o professor faz para os alunos, utilizando diferentes gêneros textuais. Depois, percebeu- se que o que o PROFA chama Leitura Compartilhada é, de fato, o que foi descrito, com a diferença que para ser considerada compartilhada é necessário que aqueles que ouvem a leitura, também estejam de posse de uma cópia do texto. Sendo assim, as formadoras do PROFA passaram a referir-se a esta atividade como “Leitura feita pelo professor”. No entanto, a atividade ainda é conhecida por muitos professores da rede municipal como Leitura Compartilhada, inclusive pelos que a ela se referiram durante as entrevistas, portanto será aqui tratada desta forma.

Uma das orientações do PROFA aos professores em relação à leitura é que seja reservado na sala de aula um espaço diário para que o professor leia em voz alta para os alunos, textos de diferentes gêneros. O que fundamenta esse pensamento, segundo o programa, é que ao ouvir bons textos os alunos têm a oportunidade de aprender as relações entre o que se fala e o que se escreve; que a linguagem usada para escrever é diferente da linguagem falada e que os textos escritos tem formas diferentes e, portanto, pedem procedimentos de leitura diferentes. Ainda segundo o programa, essa prática ajuda os alunos a construírem, gradativamente, “a ideia de que o escrito diz coisas e que pode ser prazeroso e interessante conhecê-las, isto é, aprender a ler”. (M1U8T5, p.1)40

Dentre os professores entrevistados, três se referiram a essa atividade. A professora Tânia conta que passou a ler para os alunos depois que cursou o PROFA, pois antes esse hábito não fazia parte da sua rotina. Para ela, a atividade trouxe efeitos positivos para a turma. Como ela costuma fazer a leitura no início da aula, percebe que garante aos alunos um momento de pausa e concentração para começarem as atividades do dia. Ela conta que também solicita aos alunos que procurem textos e tragam para ler para os colegas e percebe que eles gostam, e que com isso garante maior participação da turma. Pergunto se ela percebeu diferença na produção textual dos alunos depois que aderiu à atividade. Ela considera que sim, acha que “agora” as produções dos

alunos são “mais criativas” do que antes, quando eram “direcionados” pelo formato do livro didático. “Hoje, às vezes em uma semana você abrange todos os gêneros de texto. Então, nossa! Deu muito mais liberdade pra eles e criatividade. Com certeza!”

As entrevistas foram realizadas em novembro de 2008. A professora Sônia havia ingressado na rede municipal em junho daquele ano no cargo de substituta, e apesar de formada em 1993, aquela era sua primeira experiência na profissão. Em setembro assumiu uma das primeiras séries da EM Prof. João Oliviano, devido a uma licença, e seguiria com os alunos até o final do ano. Ela conta que antes de assumir a classe várias outras professoras substitutas haviam passado por ali e que, talvez por isso, a turma estivesse “tão indisciplinada”, alguns alfabetizados, outros não, “a sala perdida e eu perdida junto com a sala”. Durante uma reunião com os pais, preocupados, perguntaram se os filhos estariam lendo e escrevendo até o final do ano. Ela, confiante, lhes garantiu que sim. “Meu tempo era curto, e eu tinha que correr”. Dessa forma, a Leitura Compartilhada passou a fazer parte das aulas da professora Sônia por conta dessa necessidade. Para ela havia uma lacuna em relação à leitura, pois os alunos não tinham do hábito de ler, e entendia que a frequência da atividade poderia ajudá-los a suprir essa deficiência. No entanto, ela não se refere à diversidade de gêneros textuais e revela: “Eu trazia já uma quantidade de livros, e a história eles escolhiam, cada dia uma”. As leituras também aconteciam no início da aula, e ela conta que quando as esquecia e começava a propor outras atividades, os alunos cobravam – “Pro, você não vai ler hoje?”- e, segundo ela, essa cobrança era o indicativo de que eles já estavam adquirindo o hábito da leitura.

Em um dos momentos de minha visita à classe da professora Alice aconteceu que ela precisava eleger junto aos alunos, uma história que seria encenada por eles para as comemorações de final de ano da escola. Após passar na lousa atividades de Matemática que eles deveriam copiar e resolver, ela começou a ler para eles um dos textos indicados, enquanto copiavam as atividades, a fim de que pudessem escolher um de sua preferência. Durante a leitura, a professora fazia pausas e dirigia algumas questões aos alunos para verificar se eles estavam prestando atenção ao texto. Nesses momentos, alguns paravam para atendê-la e outros continuavam copiando a tarefa. Durante a entrevista ela diz que acha que “as horas passam rápido demais, então a gente tem que usar os mínimos horários”. Alice não cursou o PROFA e para ela as Leituras Compartilhadas são feitas para satisfazer as cobranças.

Aqui eles querem que a gente faça Leitura Compartilhada. Eu acho importante? É legal, mas não sobra tempo pra isso muitas vezes, entendeu? Então eu tenho que achar onde que eu tenho que fazer isso. Então enquanto eles estão fazendo uma atividade, eu estou fazendo uma leitura, porque eu sei que eles estão ouvindo a história. Eles ouvem porque depois eu cobro. Então assim, às vezes você tem que estar encaixando, dentro de tudo o que você quer, ainda aquilo que eles pedem. (Alice)

3.2.1.2. Reescrita

De acordo com o PROFA, a Reescrita é uma atividade de produção textual com apoio, é a escrita de uma história cujo enredo já se conhece e cuja referência é um texto escrito. Orienta-se que o professor leia em voz alta uma história, a fim de que os alunos compreendam o enredo, a forma e a linguagem que se usa para escrever, percebendo que é diferente da que se usa para falar. Em seguida, o professor solicita aos alunos, individualmente, em duplas ou em pequenos grupos, que reescrevam a história, produzindo uma nova versão. Segundo o programa, ao reescrever uma história os alunos precisam coordenar uma série de tarefas: recuperar os acontecimentos da história, utilizar a linguagem que se escreve, organizar junto com os colegas o que querem escrever, controlar o que já foi escrito e o que falta escrever. Dessa forma, ao realizar essas tarefas os alunos estarão aprendendo sobre o processo de composição de um texto escrito. (M2U6T4, p.2)

Nas falas de alguns professores é possível perceber o que pensam sobre a Reescrita, como lidam com ela e que efeitos percebem na aprendizagem dos alunos.

A Reescrita já é parte da rotina de sala de aula da professora Márcia, que faz uma breve comparação com as redações e composições que trabalhava com os alunos na década de 1990. Para ela, “os alunos cresciam muito” nas suas produções textuais, mas “não tanto quanto hoje a gente vê as reescritas, que nós trabalhamos bastante os contos de fada, textos, jornais...” Ela atribui os resultados que obtinha com as produções dos alunos ao trabalho que ela chama de sistemático, provavelmente relacionado aos exercícios de treino e fixação, e completa – “Não tinha essa análise de textos, não tinha reflexão”.

dificuldades, mas que também tem alunos que “nas reescritas estão com o discurso perfeito e poucos erros ortográficos. Introduzi agora a pontuação no terceiro bimestre, a metade da sala já está pontuando textos”. E ainda, se refere à Reescrita em duplas como uma atividade que “rende”, porque facilita a aprendizagem dos alunos, mesmo sem a sua intervenção.

Sempre aquele aluno que já está alfabético vai ditando para aquele que ainda não está alfabético, pra orientar mesmo na hora da escrita, ver se há alguma coisa que não está escrito corretamente... Outra dupla auxilia... Porque pra gente todo dia estar fazendo intervenção com todos é complicado, né? Pelo menos tendo o amiguinho do lado ajudando, então já rende. (Regina)

A professora Vera, formada num contexto mais construtivista, não entra em detalhes sobre o seu trabalho com a Reescrita, mas se refere a ela como uma das atividades do PROFA que “acrescentou bastante”.

Ainda assim, não só de adeptos vive a Reescrita na rede municipal. Nos últimos anos, a equipe do Núcleo de Apoio ao Professor e ao Aluno (NAPA) passou a solicitar dos professores que apresentassem, ao final de cada bimestre, uma Reescrita feita pelos alunos individualmente, sem correção por parte do professor, que seria analisada pela equipe a fim de que se pudesse constatar o nível de evolução das produções textuais dos alunos. Essa solicitação se dirige também aos que não cursaram o PROFA, como no caso dos professores Hugo e Alice, que recebem as orientações acerca da atividade através da professora coordenadora da escola, e lhe entregam as reescritas bimestralmente.

Durante o intervalo, nas conversas de cafezinho da sala dos professores chamou-me a atenção uma frase dita pela professora Alice, aparentemente atarefada. Ela listou uma série de coisas que tinha que fazer antes de fechar o bimestre, e no final concluiu – “e ainda tem a reescrita pra coordenadora!” No meu entendimento, assim como a Leitura Compartilhada, a Reescrita parecia mais uma coisa que ela tinha que fazer, sem compreender o objetivo da tarefa. Durante a entrevista peço que fale sobre o assunto e percebo que, de fato, ela não parece convencida acerca da necessidade da atividade. Ela diz – “Eles insistem. „Tem que ser reescrita, tem que ser reescrita, tem que ser reescrita!‟ Mas, baseado em que tem que ser reescrita?” Além de não compreender o sentido da atividade, Alice conta que entre os alunos a Reescrita também

não tem Ibope – “Quando eu dou reescrita eu vejo a pouca receptividade dos meus alunos (...) se

Para ela, a Reescrita tolhe a liberdade de escrever dos alunos, por isso prefere incentivá-los à criação das próprias produções.

Tem certas coisas que eu não acredito, tá? Porque eu acho que a liberdade de escrever é muito melhor. (...) E quando você dá um texto diferenciado por criação própria deles, pra montar uma história, mudar a história, alguma coisa voltada assim, eles se interessam mais e sai cada coisa maravilhosa! (Alice)

O professor Hugo também faz parte da ala dos não adeptos e é categórico – “Eu não gosto de Reescrita. Eu não gosto porque acho que é muito mecânico”. Ele conta que faz a Reescrita com os alunos para acompanhar o sistema da escola, dentro de uma “ordem necessária”, a cada quinze dias. Diz, no entanto, que consegue um resultado muito melhor em termos de produção de texto com o “Invente uma História”, uma atividade em que os alunos são incentivados a criarem uma história.

O Invente uma História – a coordenadora me orientou a não fazer e então eu dei uma parada – mas o Invente uma História pra mim, eu tive muito retorno. Eles colocam coisas deles, coisas do dia-a- dia deles, então a gente consegue fazer uma leitura melhor desse mundo que eles estão vivendo. (Hugo)

Hugo diz perceber uma rejeição por parte dos alunos em relação à Reescrita. Sente que alguns produzem tranquilamente, sem problemas, mas que a atividade gera um constrangimento para aqueles que têm mais dificuldade. Na tentativa de ajudar a melhorar o desempenho desses alunos, o professor passou a propor reescritas de textos menores, e diz ter conseguido melhores efeitos. “Comecei a ter resposta. Quer dizer, num texto menor, onde cabe a capacidade dele de expressão, ele consegue gerar um resultado”. Ao concluir o pensamento, o professor faz uma reflexão acerca do objetivo da Reescrita – “Talvez esse não gerar resultados seja o grande objetivo, uma forma de descobrir a limitação do aluno”. E arremata – “Pode ser que seja isso, mas como eu estou há pouco tempo eu não sei se esse é o objetivo, eu não tenho esse entendimento”.