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CAPÍTULO 3: PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA COTIDIANAS DAS EMPREGADAS DOMÉSTICAS

G: Ah as histórias nossa senhora em mente mesmo eu tenho um livro que eu li sobre os Dez Mandamentos sabe? aqueles assim: não roubar não cobiçar a

3.4.3. Leitura e escrita religiosas

Um tópico específico para as práticas de leitura e de escrita religiosas merece destaque, tendo em vista que essas práticas mostraram-se presentes em todos os casos analisados. Ou seja, para praticar a religião, as empregadas acabam por se envolver em experiências de leitura diversificadas (da Bíblia, de folhetos e de músicas) e também, embora menos freqüentes, de escrita (cópia de trechos da Bíblia e cópia de músicas evangélicas).

A leitura da Bíblia é realizada pelas três empregadas evangélicas188 investigadas: Graça,

Suely e Cleonice. A segunda, conforme já dito, mantém uma Bíblia no seu local de trabalho e costuma ler algum trecho depois do almoço. Nazira, a única católica do grupo, é a empregada que vive menos intensamente a experiência religiosa e, logo, a que menos vivencia práticas de leitura religiosas. Ela diz ir à missa aproximadamente uma vez ao mês. Nessa ocasião, ela pratica a leitura do folheto da missa para acompanhar a celebração religiosa.

As formas de participação de Graça, Suely e Nazira na igreja são diferentes e, por isso, também são diferentes os tipos de práticas de leitura e de escrita vividos. Das empregadas evangélicas pesquisadas, Graça é a que freqüenta a igreja com maior irregularidade. Ela foi

187 Na biblioteca, Cleonice já recorreu à revista Veja e ao jornal Estado de Minas para fazer as tarefas escolares.

Reportagens encontradas na hemeroteca da biblioteca são também constantes recursos que ela utiliza em suas pesquisas escolares.

188 As empregadas participam de três igrejas evangélicas diferentes, todas neopentecostais. Graça é a única que já

batizada na Igreja do Evangelho Quadrangular e atualmente freqüenta a Igreja Universal do Reino de Deus. Problemas pessoais a motivaram buscar essa última igreja. No momento das entrevistas, ela havia participado de poucos cultos nessa instituição religiosa e sua participação se deu por meio da escuta das palavras do pastor. Eventualmente, diz anotar algumas dessas palavras na sua agenda. Às vezes, quando chega em casa, consulta na sua Bíblia o salmo referido no culto. Ela diz:

G: Ah...eu gosto de tudo...porque/...quando eu era mais novinha eu não prestava atenção em nada da pregação...nem no louvor...nem nada...hoje eu gosto de ouvir tudo com atenção...eu não gosto nem de menino ficar perto de mim...eu gosto de prestar atenção em tudo que o pastor fala...cada detalhe...eu gosto de chegar em casa e falar...igual ontem...eu fui na igreja...cheguei lá em casa e falei... no Mariana [nora]...o pastor falou isso, isso e isso...algumas coisas que eu guardo na mente eu falo pra ela...eu guardo e passo pra eles... (...) (Entrevista 2, 22/06/2007).

Suely, por sua vez, tem uma participação mais intensa na religião. Ela vai à igreja evangélica Mundial uma ou duas vezes por semana. Assim como Graça, sua participação se dá pela presença nos cultos. Ela participa ouvindo e não se envolve em outras atividades desenvolvidas pela igreja, como a evangelização. Entretanto, o fato de seu marido ser pastor em duas igrejas evangélicas diferentes proporciona o acesso a muitos livros, CDs e DVDs religiosos. Junto ao seu marido, assiste a DVDs (cujo conteúdo são pregações), escuta músicas evangélicas e conversa sobre o conteúdo dos livros lidos (principalmente por ele). Na entrevista que fiz a sua casa, seu marido reclamou dizendo que achava que ela deveria ler com mais freqüência os livros religiosos.

Cleonice também participa da igreja com regularidade. Ela freqüenta a Igreja da Assembléia de Deus aos domingos189. Na parte da manhã, é regente do grupo da mocidade e à noite, participa do culto. A participação da regência exige envolvimento com práticas de leitura e de escrita, visto que sua principal tarefa é buscar hinos evangélicos para serem apresentados na igreja. Depois de encontrar hinos novos (cujo acesso muitas vezes se dá pela internet da casa dos

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Cleonice se converteu à igreja Assembléia de Deus em 1991 e já assumiu vários cargos nessa instituição. Foi zeladora voluntária, foi professora de crianças na escola dominical, para isso ela utilizava um material escrito da igreja preparado exclusivamente para os primeiros ensinamentos da Bíblia, além de já ter trabalhado na assistência social da igreja, buscando alimentos para serem distribuídos à população carente.Quando morava em Viçosa, Cleonice freqüentava a igreja mais de uma vez por semana. Em Belo Horizonte, a entrada na escola fez com que seu tempo livre fosse encurtado.

patrões), ela os copia à mão, pede para alguém digitar (muitas vezes é a patroa quem faz isso) e, então, distribui para o grupo com a finalidade de ensaiar. Enquanto os fiéis não sabem os hinos de cor, eles acompanham a letra impressa. Outra forma de participação que também está ancorada na escrita é a pregação, que, segundo Cleonice, consiste na leitura e conseqüente estudo de uma palavra da Bíblia. Embora não tenha participado da pregação na igreja que freqüenta atualmente, quando residia em Viçosa, já foi a responsável por essa tarefa.

A influência de práticas religiosas pentecostais no processo de inserção de seus membros na cultura escrita, mais especificamente da igreja Assembléia de Deus no período de 1950 a 1970 em Pernambuco, foi tema da pesquisa de Silva e Galvão (2007) e seus resultados evidenciam a característica de liderança na igreja dos sujeitos pesquisados como fator bastante importante para a aproximação do mundo escrito religioso. Isso é explicado pelas pesquisadoras porque a posição de liderança “exigia deles uma busca constante por mais conhecimentos para fundamentar, complementar e aprofundar o que ensinavam” (SILVA e GALVÃO, 2007, p.381).

O mesmo pode ser dito para o caso das domésticas evangélicas, já que Cleonice, a única que participa da igreja em outras atividades além do culto; e Suely, a empregada que tem como companheiro um líder religioso, são as que mais se envolvem em práticas de leitura e de escrita de cunho religioso. Em outras palavras, são nos momentos de participação na regência e na escola dominical (essa última, uma experiência anterior) que Cleonice pode experimentar situações mais diversificadas de leitura e de escrita religiosos. Suely, embora não tenha participação nesse tipo de atividade, tem uma convivência intensa com o marido que é pastor. Ela acompanha a sua trajetória e se constitui como uma pessoa importante na troca e discussão de idéias, que, muitas vezes, está ancorada em leituras religiosas190.

Ainda sobre as práticas religiosas evangélicas, é pertinente comentar sobre a experiência nos cultos. Conforme aponta Silva e Galvão (2007), a utilização da oralidade como forma de participação nessas celebrações é muito forte nessa instituição. As descrições acima sobre as práticas de escuta durante os cultos das empregadas evangélicas investigadas exemplificam a presença da oralidade. Entretanto, é peculiar o fato de que após a escuta das palavras do pastor, a

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Sua participação nas leituras pode ser mostrada, por exemplo, quando ela comenta sobre o dicionário comprado pelo marido que se constitui como material de apoio à leitura. A prática do marido para saber o significado das palavras desconhecidas é também incorporada por Suely. P: Esse dicionário é da sua filha? [apontando o dicionário Aurélio Escolar] / V: Não...dele [referindo-se ao marido]...porque às vezes a gente quer uma palavra...aí vem aqui, né...porque às vezes tem na Bíblia muita palavra que a gente quer ver o significado... (Entrevista 3 – 14/01/2008, grifos meus).

leitura da Bíblia seja instigada. O que o pastor comenta durante a celebração, o salmo que ele se refere, é posteriormente lido na bíblia pelas domésticas pesquisadas. No caso de Graça, além de ler, ela ocasionalmente copia algum trecho da Bíblia na sua agenda. Ou seja, mesmo baseados predominantemente na oralidade, os cultos provocam motivação para a leitura religiosa.

Enfim, os dados coletados mostram que, assim como percebeu Aun (1993), “Quando a experiência religiosa é importante, faz parte do cotidiano, o acesso às leituras religiosas se faz” (AUN, 1993, p.79).