• Nenhum resultado encontrado

d.2 A leitura e os estudos do Letramento

CAPÍTULO III – Análise dos dados

3.1 Quais as concepções de leitura presentes em documentos orientadores da formação de professores de E/LE?

3.1.2. d.2 A leitura e os estudos do Letramento

O tópico 3, do capítulo Conhecimentos de línguas estrangeiras, tem como centro de discussão o Letramento. A leitura, guiada pelo conceito de letramento, contemplará várias modalidades que são descritas nas OCEM como: ―a visual (mídia, cinema), a informática (digital), a multicultural e a crítica (presente em todas as modalidades)‖ (BRASIL, 2006, p. 98). Consequentemente, o leitor será compreendido ―como aquele que entende que aquilo que lê é uma representação textual, como aquele que, diante do que lê, assume uma posição ou relação epistemológica no que concerne a valores, ideologias, discursos, visão de mundo‖ (BRASIL, 2006, p. 98). A partir dessa nova concepção de leitura e leitor, o professor de línguas estrangeiras também terá que compreender não só esses novos conceitos, mas considerar em seu ensino, como e para quê as pessoas utilizam a leitura no dia-a-dia, ―que a leitura tem a ver com a distribuição de conhecimento e poder numa sociedade‖ (BRASIL, 2006, p. 98) e, que um determinado leitor será resultado de um determinado modo de desenvolvimento de leitura (BRASIL, 2006).

Assim, falar de letramento é falar da diversidade cultural de utilização da linguagem. Cada povo e/ou cada grupo social tem formas diferentes de utilizar a linguagem em suas diversas manifestações, entre elas, a escrita. Conforme as OCEM (2006, p. 100), o elo entre escrita e cultura fica mais claro ―quando se consideram os gêneros da escrita, que variam de uma cultura para outra e de uma língua para outra‖, como por exemplo, o gênero crônica parece ser muito mais usual em português que em inglês.

A partir dessa percepção de que a escrita é mediada e contextualizada por cada língua e cultura, começou-se a questionar o conceito anterior de que a escrita se caracteriza como uma mera tecnologia universal. Passou-se a entender que cada língua e cada cultura usam a escrita em diferentes contextos para fins diferentes. Nessa nova maneira de ver a escrita em contextos específicos, passou-se a perceber que a escrita não pode ser vista de forma abstrata, desvinculada do contexto de seus usos e de seus usuários. Com isso, surgiu o conceito da escrita como uma prática sociocultural, ou, melhor dizendo, uma série de práticas socioculturais variadas (BRASIL, 2006, p. 100).

96

Incluem-se nesse sentido as diferenças de utilização da escrita (e da língua) por diferentes grupos sociais. Pesquisas mostram que classes sociais menos privilegiadas utilizam menos a escrita no seu dia a dia, como também, desenvolvem habilidades de linguagem diferentes das habilidades desenvolvidas por pessoas das classes sociais mais privilegiadas economicamente. Cada grupo específico se constitui em uma comunidade de prática, por exemplo, ―pais e filhos de classes sociais mais favorecidas‖, ―grupos profissionais específicos‖, como também os grupos que se utilizam da linguagem adaptando-a, organizando-a e produzindo ―um conjunto específico de usos de linguagem, de valores e crenças que a distingue de outros grupos‖ seja por meio das salas de bate-papo, MSN Messenger, ou Orkut (BRASIL, 2006, p. 103) entre outros.

Fundamentando-se nessa nova concepção de linguagem, heterogênea, complexa e contextualizada, o ensino de língua estrangeira necessita ser revisto e atualizado. O trabalho com as quatro habilidades, ler, escrever, ouvir e falar, deve partir da concepção de língua como construção de sentidos e de que ela é utilizada de diferentes formas por diversos grupos sociais. Cabe ao (futuro) professor aproximar-se e familiarizar-se com essa rica produção linguística, objeto de seu trabalho, e construir um ensino significativo da língua, que valorize os diversos grupos sociais e culturais falantes da língua estrangeira e também da língua materna, em nosso caso, o português.

Refletir o contexto sociocultural dos estudantes à luz das teorias do letramento nos possibilita ver o resultado de tanto fracasso de ensino de outra maneira, e nos impulsiona a engajarmos no trabalho educativo com outra visão de mundo e com outras opções metodológicas. A condução das aulas deve partir de temas que façam sentido para nossos alunos e ter como foco o desenvolvimento deles a partir do que eles são, e não a partir do ideal de uma classe letrada a qual esses alunos não pertencem. O trabalho em sala de aula deve partir primeiro do conhecimento sobre quem são os alunos, a que grupo social eles pertencem, seus valores, do que falam, o que pensam, como se comunicam.

Um texto escrito em língua estrangeira poderá ser utilizado em sala de aula de diferentes formas, praticando tanto a língua oral como a escrita. Ao mesmo tempo em que se lê, se ouve, questiona-se, comenta-se. Porém, se o grupo de estudantes vive em um contexto social em que os pais leem para seus filhos em constante interação com os mesmos e fazem uso da comunicação mediada por computador: salas de bate-

97

papo, MSN Messenger, Orkut, Blogs, entre outros, eles constituem um grupo social determinado. Contudo, vale lembrar que nem todo o grupo de estudantes que formam uma sala de aula, principalmente no contexto de escolas públicas, é homogêneo. Em uma sala de aula pode haver diversas realidades e graus de letramento. Cabe ao professor descobrir essas realidades e saber integrá-las de forma que os alunos ajudem uns aos outros e todos adquiram, produzam e construam o conhecimento que necessitam para a continuidade e sucesso escolar.

No subtópico ―Letramento, multimodalidade, hipertexto e multiletramento‖, as OCEM visam aprofundar as novas concepções de linguagem mediada pelo computador. A multimodalidade e o hipertexto são aspectos da leitura mediada pelo computador. Uma página multimodal é aquela que contém ―vários meios de comunicação: visual, escrito, sonoro‖ (BRASIL, 2006, p. 105) e o hipertexto é a construção de um texto pela conexão dos vários links sequenciais ou não que estão presentes em uma página da internet, nos quais o leitor clica ou não em busca de outras páginas, temas, assuntos sobre os quais quer ler.

Esses aspectos indicam novos conceitos de leitura e leitor. A leitura torna-se seletiva e parcial, construída com base no ―interesse‖ e ―objetivo do leitor‖. A intenção do leitor é que o guiará em busca da completude da mensagem, tornando-se assim, o leitor um autor e/ou co-autor do texto lido. O conceito de multiletramento formulado pelos teóricos Cope e Kalantzis (2000)49 busca ―dar conta da extrema complexidade desses novos e complexos usos da linguagem por novas comunidades de prática‖ (BRASIL, 2006, p. 106).

O interesse não é a introdução de novos conceitos simplesmente, mas procurar que os profissionais da educação reflitam sobre essa nova realidade e mostrar que o ensino de línguas não se sustenta com um enfoque baseado em ―quatro habilidades‖ (descontextualizadas) e de cunho gramaticalista. Ao considerar a língua em sua heterogeneidade e complexidade cultural e social estamos nos libertando de uma visão e práticas que tendem a fixar a língua em regras rígidas, a conceber essa língua de forma homogênea e, consequentemente, de excluir das escolas e da oportunidade da inclusão social grande parte dos falantes dessa mesma língua.

49 COPE, B.; KALANTZIS, M. Multiliteracies: literacy learning and the design of social futures. London: Routledge, 2000.

98

3.1.2.d.3 Orientações pedagógicas: desenvolvimento da comunicação oral, da