• Nenhum resultado encontrado

AVALIAÇÃO ALTERNATIVA A avaliação a partir da

2.1.3. Avaliação em língua estrangeira

2.2.1.2. Leitura: uma habilidade ou uma competência?

Atentando para a importância da leitura na sociedade contemporânea e também sobre a observação de mudanças na forma de conduzir o ensino, vários documentos oficiais do âmbito educacional passaram a difundir os conceitos de habilidade e de competência. Como nosso estudo trata de um exame nacional, organizado pelo governo federal, que procura avaliar competências e habilidades e também a compreensão escrita, julgamos procedente discutir a leitura enquanto habilidade e enquanto competência.

Tendo em vista tantas transformações – tecnológicas, sociais, culturais – a sociedade constatou que essas mudanças passaram a exigir reformas educacionais. Se antes o foco estava, sobretudo, na memorização de conteúdo e de regras, com o

aumento das informações e a disponibilidade delas em diferentes meios e suportes, a perspectiva anterior deu lugar ao ensino por competências e habilidades:

A era planetária necessita situar tudo no contexto e no complexo planetário. O conhecimento do mundo como mundo é necessidade ao mesmo tempo intelectual e vital. É o problema universal de todo cidadão do novo milênio: como ter acesso às informações sobre o mundo e como ter a possibilidade de articulá-las e organizá-las? Como perceber e conceber o Contexto, o Global (a relação todo/partes), o Multidimensional, o Complexo? Para articular e organizar os conhecimentos e assim reconhecer e conhecer os problemas do mundo, é necessária a reforma do pensamento. Entretanto, esta reforma é paradigmática e, não, programática: é a questão fundamental da educação, já que se refere à nossa aptidão para organizar o conhecimento. (MORIN, 2000, p. 35)

E com base no Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre

Educação para o Século XXI (1996), publicado no Brasil sob o título de Educação: um

tesouro a descobrir (DELORS, 1997), que destacava a importância de recuar a pobreza,

as guerras e a exclusão social, entre outros fatores, que os documentos oficiais brasileiros relacionados à educação propuseram mudanças alicerçadas nos quatro pilares fundamentais da educação: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver e aprender a ser:

Não há o que justifique memorizar conhecimentos que estão sendo superados ou cujo acesso é facilitado pela moderna tecnologia. O que se deseja é que os estudantes desenvolvam competências básicas que lhes permitam desenvolver a capacidade de continuar aprendendo. (BRASIL, 2000, p. 14)

A partir de então muito se falou sobre ensino por competências e habilidades. É importante ressaltar que estes termos foram amplamente usados nos diferentes âmbitos sociais (político, econômico, educacional etc.), épocas e lugares do mundo, nem sempre com total clareza acerca de suas definições ou em relação à abrangência de cada termo em determinados setores, razões pelas quais ainda há considerável confusão sobre o significado deles. Como nossa pesquisa se insere na esfera educacional, mais especificamente no ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras, abordaremos as noções de ambos, conformedetalhado por pesquisadores da nossa área de interesse, qual seja, a Educação.

Para Perrenoud (2000, p. 15) competência é “uma capacidade de mobilizar diversos recursos cognitivos para enfrentar um tipo de situações (sic). [...] não são elas mesmas saberes, savoir-faire ou atitudes, mas mobilizam, integram e orquestram tais recursos.”

O mesmo pesquisador define habilidade como uma

‘inteligência capitalizada’, ou seja, uma seqüência de modos operatórios, de analogias, de intuições, de induções, de deduções, de transposições dominadas, de funcionamentos heurísticos rotinizados que se tornaram esquemas mentais de alto nível ou tramas que ganham tempo, que ‘inserem’ a decisão. (PERRENOUD, 1999, p. 30)

O Inep62 define os dois termos da seguinte forma:

Competências são as modalidades estruturais da inteligência, ou melhor, ações e operações que utilizamos para estabelecer relações com e entre objetos, situações, fenômenos e pessoas que desejamos conhecer. As habilidades decorrem das competências adquiridas e referem-se ao plano imediato do ‘saber fazer’. Por meio das ações e operações, as habilidades aperfeiçoam-se e articulam-se, possibilitando nova reorganização das competências.

Desse modo, entendemos que para chegar à solução de um problema matemático, por exemplo, a leitura pode ser uma habilidade requerida, bem como a resolução de cálculos. Já o item expresso nos PCNEM (BRASIL, 2000, p. 8 e 14) - Analisar, interpretar e aplicar os recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, função, organização, estrutura das

manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção – esclarece que a

leitura é a própria competência e outras habilidades serão requeridas como fazer inferências, estabelecer relações entre as partes do texto etc. Assim, a leitura pode ser uma habilidade ou uma competência, dependendo do propósito que tenha o ato de ler. Como afirmamos, a abrangência dos termos dificulta a apreensão do significado preciso que pode ser atribuído a cada um deles, pois, como se constata no fragmento do documento nacional citado, não há somente uma forma de conceber a leitura. Entretanto, em outras obras de referência para professores de E/LE, como o Diccionario

62 Disponível em:

<http://historico.enem.inep.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=25&Itemid=55>. Acesso em: 29 set. 2010.

de Términos Clave de ELE63, habilidade figura como equivalente às destrezas linguísticas (ouvir, falar, ler e escrever): habilidades > destrezas linguísticas. Neste caso, a leitura é entendida como uma habilidade apenas.

Segundo Bachman (2000, p. 106), no início da década de 1960 um quadro de referência foi incorporado ao modelo de destrezas (ouvir, falar, ler e escrever) e componentes do conhecimento (gramática, vocabulário, fonologia/ortografia) para descrever a avaliação do domínio da língua. Entretanto, não ficou claro como referidas destrezas e componentes se relacionavam: as destrezas eram somente manifestações dos componentes do conhecimento? As discussões a respeito da natureza da comunicação e as reflexões sobre competência comunicativa proporcionaram

[...] uma descrição mais inclusiva do conhecimento requerido para utilizar uma língua da oferecida por modelos anteriores de destrezas e componentes, já que inclui, além do conhecimento de regras gramaticais, o conhecimento de como se usa a língua para chegar a metas comunicativas determinadas e o reconhecimento do uso da linguagem como um processo dinâmico64. (BACHMAN, 2000, p.

107)

Dessa forma, no Brasil, desde o início da década de 80, em virtude das discussões sobre a Abordagem Comunicativa para o ensino de línguas estrangeiras, levantaram-se debates a respeito da integração das habilidades (ouvir, falar, ler e escrever). Mas ainda assim o conhecimento em língua estrangeira é comumente investigado e avaliado nos testes de proficiência em torno das 4 destrezas que, muitas vezes, são tratadas isoladamente. Assim, há pesquisas sobre compreensão auditiva, produção oral, leitura e produção escrita. O Diploma de Español como Lengua

Extranjera (DELE), por exemplo, organiza as provas nos seguintes blocos:

compreensão leitora, expressão e interação escrita, compreensão auditiva, expressão e interação oral, nos níveis A1 e A2, enquanto nos níveis B1, B2, C1 e C265, somam-se às partes mencionadas a prova de gramática e vocabulário. Diferentemente, o Certificado

de Español Lengua y Uso (CELU) e o Certificado de Proficiência em Língua

63 Disponível em: <http://cvc.cervantes.es/ensenanza/biblioteca_ele/diccio_ele/indice.htm#h>. Acesso

em: 29 set. 2010.

64 No original: “[…] una descripción más inclusiva del conocimiento requerido para utilizar una lengua de

la ofrecida por modelos anteriores de destrezas y componentes, ya que incluye, además del conocimiento de reglas gramaticales, el conocimiento de cómo se usa la lengua para llegar a metas comunicativas determinadas y el reconocimiento del uso del lenguaje como un proceso dinámico.”

65 O QECR (CONSELHO DA EUROPA, 2001) reconhece 6 níveis de competência linguística,

organizados em 3 blocos. Cada bloco, A (iniciante), B (intermediário) e C (avançado); subdivide-se em dois níveis: A1 e A2, B1 e B2, C1 e C2.

Portuguesa para Estrangeiros (Celpe-Bras) – procuram mensurar as habilidades comunicativas do candidato de maneira integrada, ou seja, não há blocos de provas que visem a determinar especificamente o grau de domínio de cada habilidade:

[...] em uma interação face a face, geralmente estão envolvidos a produção oral e a compreensão oral. Em outras atividades podem estar em jogo três componentes, por exemplo, quando falamos ao telefone, também ouvimos e podemos precisar anotar um recado. No exame, essa interação de componentes é obtida por meio de tarefas. (BRASIL,

2006, p. 4)

Na discussão entre a integração das habilidades e o estudo e a avaliação delas separadamente, temos que considerar alguns aspectos. Se determinadas vezes lemos certos textos para apresentar um seminário (ler e falar), para fundamentar os argumentos presentes num texto científico (ler e escrever), é verdade que também podemos ler um texto por prazer, ou precisamos ler algo para localizar uma informação determinada, sem necessariamente integrarmos outras habilidades. Outro ponto que convém destacar é que cada uma dessas habilidades, geralmente integradas em situações reais de uso, possui traços específicos e a opção por estudá-las separadamente – ainda que se tenha em vista seu entrecruzamento em muitas situações – possibilita a identificação de certas dificuldades e pode facilitar o desenvolvimento de estratégias com vistas ao melhor desempenho do aprendiz.

No Enem todas as questões de língua estrangeira são de múltipla escolha, focando a compreensão escrita. A produção escrita se restringe à elaboração de um texto dissertativo argumentativo em língua portuguesa. Assim sendo, nesta pesquisa trataremos da leitura em particular, sem analisar, por exemplo, a integração com a oralidade ou a escrita, considerando, contudo, que essa habilidade pode estar relacionada às outras em diferentes situações de comunicação.

A concepção vigente de leitura relaciona-se à reconstrução de significados. Como veremos mais detalhadamente a seguir, durante o processo de leitura ativam-se o conhecimento linguístico, o textual e o de mundo para se chegar à compreensão do texto (KLEIMAN, 2004).