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O Enem e os processos seletivos para o ensino superior

DOS PRIMEIROS PASSOS DA LÍNGUA ESPANHOLA NAS ESCOLAS BRASILEIRAS À INCLUSÃO DO IDIOMA NO ENEM: puxando o fio do novelo

1.4. A inclusão da língua espanhola no Enem

1.4.3. O Enem e os processos seletivos para o ensino superior

É importante ressaltar que em todas as edições o Enem não deixou de ser uma forma de seleção por meritocracia, afirmação confirmada pelo próprio ministro da Educação, Fernando Haddad: “Quando falamos que o Enem substitui o vestibular, estamos dizendo que uma prova nacional pode substituir a prova aplicada pela instituição. São formas alternativas de seleção, que resguardam o mérito acadêmico”32.

Julgamos importante destacar alguns resultados do Enem 2006 apresentados no artigo de Klein et. al. (2007). Nesse estudo os pesquisadores analisam a média dos resultados alcançados pelos alunos no Enem, considerando a média nacional, a do Rio de Janeiro e a dos cursos pré-vestibulares comunitários. Selecionamos apenas os dados relacionados à média nacional a fim de comentar alguns aspectos. De acordo com a pesquisa, as notas mais altas foram de alunos:

de cor branca;

com renda familiar acima de 5 salários mínimos;

que concluíram o ensino fundamental em 8 anos e o ensino médio em 3, ou seja, sem distorção idade-série;

que estudaram somente em escola particular no ensino fundamental e no ensino médio;

que estudaram somente no período diurno.

Os dados revelam que o perfil socioeconômico daqueles que obtiveram as melhores notas no Enem é equivalente aos selecionados pelos vestibulares mais concorridos. Dessa forma, inferimos que o principal fator de exclusão dos candidatos menos favorecidos economicamente não está no instrumento em si (ainda que estejamos de acordo que muitos deles precisam ser revistos), mas nos problemas relacionados à qualidade da educação básica.

Entendemos que o Enem e o vestibular seriado são tentativas para selecionar ainda mais os “melhores” candidatos, segundo a concepção de “melhores” de cada IES.

O vestibular seriado é uma alternativa que visa à adequação do processo seletivo. Os exames são realizados ao final de cada série do ensino médio. Adotam esse

32 Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=7326>.

tipo de processo seletivo algumas IES, tais como a Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Universidade Federal de Viçosa (UFV), Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), entre outras.

Segundo Oliveira33 (1987 apud BACCHETTO, 2004, p. 731), destacam-se algumas vantagens desse tipo de procedimento: permite ao aluno, ao professor e à escola identificar e corrigir possíveis deficiências de ensino e/ou aprendizagem durante o processo; dilui a tensão existente num único exame; elimina os cursinhos preparatórios; permite a avaliação de um maior número de atributos.

Entretanto, alguns aspectos negativos são apontados por Bacchetto (2004, p. 731 e 732) contra o vestibular seriado: o caráter dispendioso (o trabalho de elaboração de provas, correção e fiscalização é triplicado); conforme algumas IES, caso o aluno não atinja a nota mínima num dos dois primeiros exames, é excluído e é vetada sua inscrição em provas posteriores; não se verificou assistência das universidades às instituições escolares do ensino médio.

Se a ideia inicial era que o aluno tivesse uma visão das dificuldades, por meio das avaliações parciais, para que elas fossem sanadas no decorrer do período do ensino médio, esperava-se uma aproximação maior entre as IES e as escolas34. Porém, conforme as análises no exame da Universidade Federal da Paraíba (BACCHETTO, 2004, p. 732), o vestibular seriado não reverteu em garantias de interação efetiva entre escola, aluno e IES. O candidato apenas recebeu um boletim com seus resultados parciais.

Além disso, Kanashiro (2007, p. 25) aponta que em muitas regiões do país o conteúdo selecionado para o vestibular seriado representou uma “camisa de força” para o ensino médio. As escolas que se preocupavam em preparar os alunos para diferentes vestibulares, viram-se obrigadas a atender ao conteúdo pré-determinado pelas IES. Dessa forma, o concluinte da educação básica que tivesse a intenção de apresentar-se a exames de diferentes instituições que exigiam conhecimentos distintos tinha que preparar-se tendo em vista os conhecimentos exigidos pela instituição X, pela Y, e

33 OLIVEIRA, C. A. S. de A. A avaliação técnica ao longo do 2º grau e o acesso à universidade. In:

Seminários Vestibular Hoje, 1987, Brasília, DF. Coletânea de textos. Brasília, DF: MEC, Secretaria de Educação Superior, set. 1987. p. 41-51.

34 Bacchetto (2004, p. 731-732) sugere o oferecimento de cursos de formação de professores da rede

pública de ensino fundamental e médio pelas IES e a participação desses profissionais da Educação Básica no processo de definição de conteúdos para o vestibular. Obviamente, esses procedimentos não são específicos para o exame seriado. Na verdade, essas medidas de aproximação entre os dois extremos da ponte (o ensino médio e o ensino superior) podem ocorrer independente do tipo de processo seletivo.

assim por diante, dificilmente conseguindo atender a tanta heterogeneidade de programas.

Borges e Carnielli (2005) revelam que o Programa de Avaliação Seriada (daqui em diante PAS) da Universidade de Brasília não minimizou a estratificação social. Numa análise comparativa dos resultados do vestibular tradicional e do PAS relacionados aos ingressantes nos cursos de Direito, Engenharia Civil e Medicina, os pesquisadores verificaram que os aprovados, independentemente do processo seletivo, continuam sendo oriundos de famílias de maior poder aquisitivo, isto é, “dos estratos socioeconômicos mais altos que usufruíram de um ambiente sociocultural compatível com as exigências desses cursos superiores”. (BORGES e CARNIELLI, 2005, p. 136)

Dessa forma, esses novos processos – o vestibular seriado e o Enem – são tentativas de aperfeiçoamento dos instrumentos de avaliação, no sentido de constituírem-se em novas propostas, seja por considerar competências e habilidades e não privilegiar listas de conteúdos, seja aproximando o ensino médio do superior. Contudo, conforme as pesquisas citadas, não garantem a democratização do ensino superior.

Com o intuito de garantir o acesso da população ao ensino superior, o governo federal propôs alguns programas que visam, segundo informações do MEC35, a “eliminar desigualdades raciais, étnicas, religiosas, de gênero e outras – historicamente acumuladas, garantindo a igualdade de oportunidade e tratamento, bem como compensar perdas provocadas pela discriminação e marginalização”. Entre as ações desenvolvidas, constam as cotas para negros, índios e portadores de deficiência, além da reserva de vagas para estudantes egressos de escolas públicas, por meio do Prouni.

Essas ações geraram vários debates que colocaram em evidência posicionamentos díspares, alguns defendem e outros criticam duramente. Menezes Neto (1995), por exemplo, acredita que procedimentos desse tipo põem em risco os níveis acadêmicos de excelência. O que julgamos fundamental é a necessidade urgente na melhora da qualidade da educação básica pública. Concordamos que “a recuperação da qualidade de ensino não passa pela reforma do vestibular” (BRANDÃO, 198736 apud BACCHETTO, 2004, p. 732). Entendemos que as mudanças necessárias para alcançar a qualidade da educação básica pública exigem transformações em vários âmbitos: espaço

35 Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/sesu/index>. Acesso em: 21 nov. 2008.

36 BRANDÃO, Z. O processo de seletividade social e o vestibular. In: Seminários Vestibular Hoje,

1987, Brasília, DF: Coletânea de textos. Brasília, DF: MEC, Secretaria de Educação Superior, set. 1987, p. 165-175.

e condições adequadas para a formação do aprendiz, formação continuada e valorização docente e inclusive melhorias sociais no plano extraescolar:

Na educação a qualidade está ligada diretamente ao bem viver de todas as nossas comunidades, a partir da comunidade escolar. A qualidade na educação não pode ser boa se a qualidade do professor, do aluno, da comunidade é ruim. Não podemos separar a qualidade da educação da qualidade como um todo como se fosse possível ser de qualidade ao entrar na escola e pior a qualidade ao sair dela. (GADOTTI, 2010, p. 1)

Enquanto as medidas se concentrarem nas buscas de soluções paliativas (modificar o vestibular “tradicional”, considerar o resultado do Enem, implantar o vestibular seriado) e não se pensar na qualidade do ensino público, o ingresso nos cursos de maior prestígio social continuará sendo elitista e excludente.