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2 CONTRIBUIÇÕES DA ASCD PARA O ESTUDO DAS IDENTIDADES

2.6 Lentes para as identidades coletivas

As identidades coletivas possuem diversos traços, alguns são definidos estruturalmente, isto é, por uma lógica pré-definida com o nascer e o ser da pessoa. Outros são definidos ao longo da vida, ou seja, traços cognitivos, emocionais e sociais. Embora todos os traços sejam importantes para constituição identitária, os últimos traços são necessários para que se possa falar em identidades coletivas, já que eles possibilitam reconhecer e identificar uma grupo social estabelecido. Além disso, possibilitam ao ator identificar-se com outros grupos, do qual possua traços semelhantes ou iguais (TEJERINA, 2010, p. 129). Para análise, três macrotraços principais serão utilizados: traço de identidade docente; identidade por pertença; e identidade por capital cultural-acadêmico.

A identidade docente21 possui peculiaridades que se refletem nas marcas identitárias dos atores sociais. Quando um ator opta por ser um docente universitário, com tal escolha - já que a carreira acadêmica é estruturada na tríade docência, pesquisa e extensão - ele está, inevitavelmente, revestindo-se da identidade de professor, baseada principalmente no ensino de determinada disciplina. No exercício das atividades de professor, outras identidades são efetivadas, uma delas é a identidade de pesquisador. Ela está pautada na produtividade dos diversos capitais acadêmicos, no ato produtivo da pesquisa. Por fim, a outra identidade é efetivada porque a docência superior reserva para alguns atores o vínculo com atividades burocráticas da esfera pública – identidade de administrador22.

Outro traço característico das identidades é o sentimento de pertença em relação a um grupo: o sentimento de “pertença” e/ou o sentimento de “não-pertença”. O conceito de pertença, proveniente da psicologia social, é utilizado para explicar a formação e o sustento de identidades pessoais comuns em relação a outros membros. O conceito se apresenta difuso e volátil, pela sua inúmera possibilidade de entendimento e de associações, mapeadas em diversos estudos (GÜELL, 2011, p. 149-150). Contudo, a funcionalidade do conceito, em determinadas aplicações específicas, possibilita entender diversas relações entre os atores sociais.

A pertença de um grupo é o sentimento de se reconhecer semelhante a outros indivíduos dentro de uma ordem social. O ator social se sente caracterizado por traços, comuns a outras

21 Entende-se, para esta pesquisa, o termo docente como campo semântico que envolve outros valores

lexicais. Trata-se de um valor de significado maior que associa as ações, tarefas e atividades subjacentes.

22 Entende-se como identidade de administrador qualquer atividade física ou simbólica vinculada a

atividades burocráticas de administração - atividades ligadas à instância administrativa (KLEIMAN; MARTINS, 2007).

pessoas, formando seu grupo. "Em outras palavras, quando a identificação a um grupo aumenta, temos a passagem do polo interpessoal para o intergrupal, e inversamente" (DESCHAMPS; MOLINER, 2009, p. 65).

O grupo ao qual pertence um ator social vai, de alguma forma, servir, também, de quadro de referência na construção de “si-mesmo”. Como característica das identidades, toda pertença é negociável, podendo ser reconsiderada a todo instante. O sentimento de pertença em relação ao grupo possui dois polos característicos: pertença positiva ou negativa. A pertença positiva tem a ver com a valorização que o participante sente em relação ao seu grupo. Ou seja, por pertencer a um grupo que notoriamente possui valores sociais, o ator tem orgulho de seu vínculo. Em contrapartida, se ele não valoriza seu grupo, sente receio, constrangimento, em pertencer a ele, possui uma pertença negativa. Podendo ser ainda uma referência ou não para outros atores ou grupos: referência positiva ou negativa, respectivamente.

Já a não-pertença é o paradoxo do sentimento de pertença: o ator não faz parte do grupo valorizado socialmente. Ele não tem os traços comuns em relação a uma coletividade de destaque social. Sendo assim, ele é pertencente a um grupo desvalorizado socialmente. É preciso destacar que esse ator, que não pertence ao grupo valorizado, pode conter o desejo de pertencer ou não ao grupo valorizado. A não-pertença é o reconhecimento de diferenças a outros dentro de uma ordem social. Trata-se de “não-pertença” por sempre haver uma dependência do grupo valorizado. É a ausência, mesmo que transitória, das características, traços comuns, em relação a um grupo de pertença valorizado.

A recuperação do sentimento de pertença e das identidades apoiadas no modelo industrial identitário (BAJOIT, 2006) reforça o postulado de que não há um fenômeno social ultrapassado. Isto é, os fenômenos coletivos não são nada novos ou muito velhos. São "formas de ação que envolvem vários níveis de estrutura social". São elementos sincrônicos e diacrônicos que se combinam por meio das ações dos atores sociais (MERLUCCI, 1995, p. 54- 55).

Dessa forma, a fim de compreender o movimento contemporâneo quanto ao sentimento de pertença, pode-se ter quatro tipos de identidades coletivas, que serão, em determinado momento, utilizadas para análise dos dados, com base na pertença e não-pertença ao grupo23:

23 Guy Bajoit (2006; 2008) utiliza as nomenclaturas Identidade Orgulhosa e Envergonhada para os grupos

de pertença e Identidade Invejosa e Negativa para os grupos de não-pertença. Contudo, já que a tradução para os termos e conceitos foi realizada por uma edição em Portugal, preferiu-se utilizar adaptações para os termos das identidades de não-pertença. Tal atitude é simplesmente por verificar que os termos em nossa cultura possui valor negativo que nem sempre ocorre em relação às identidades nessa pesquisa. Assim para identidade Invejosa, utilizar-se-á identidade almejada, enquanto que para Identidade Negativa, utilizar-se-á depreciativa.

identidade orgulhosa, identidade envergonhada, identidade almejada (desejosa) e identidade depreciativa.

Cada um reconhece em certas pessoas traços, dos quais reconhece a valorização social positiva (ser jovem, ser rico, ser belo, estar de boa saúde, ser branco...), que ele possui também e não tem, portanto receio de os mostrar (grupo de pertença positiva), ou então não os possui mas queria possuir (grupo de referência positiva), e identifica-se com eles, isto é, valoriza positivamente esses traços socialmente desvalorizados, que não possui e não procura possuir (grupo de referência negativa), e diferencia-se deles, procurando então evitá- los ou fugir deles (BAJOIT, 2006, p.151).

Para identidade orgulhosa, como se verifica na citação, o participante do grupo precisa possuir os traços sociais comuns para a determinada identidade coletiva. Além disso, precisa possuir os traços valorizados a ela. Esses traços valorativos permitem que a identidade se torne mais sólida e durável, já que os atores possuem o orgulho de participar dela. Ela, ainda, exercerá influência (por ser um grupo de referência positiva) sobre os que não possuem os traços comuns ao grupo. É por meio da demonstração do pertencimento ao grupo que o orgulho identitário se manifesta.

Já para identidade envergonhada, o participante do grupo, apesar de possuir traços sociais comuns para uma determinada coletividade (pertença positiva), não sente orgulho de participar dele. O ator possui traços que são desvalorizados socialmente (por ser um grupo de referência negativa). Assim sendo, há um desejo de quebra do estigma do seu grupo. Podendo ainda o ator querer permanecer no grupo, tentando torná-lo valorado, consequentemente, orgulhoso.

Continuando as exposições, se os participantes não possuem os traços de uma coletividade (pertença negativa/não-pertença), e não pertencem ao grupo que é valorizado, cujo nutrem o desejo de fazer parte, pois este grupo possui uma referência positiva, temos uma identidade almejada. O seu grupo atual de pertença não é dotado de valorização, possivelmente dotado de vergonha, por isso deseja fazer parte de outro grupo valorizado, que compõe a identidade orgulhosa.

Por fim, a identidade depreciante (negativa) (PEDROSA, 2012d) é a identidade que o grupo não possui os traços comuns de uma identidade (pertença negativa) e não valoriza os traços de outrem (referência negativa)24.

Algumas dessas identidades serão retomadas, apontadas e discutidas discursivamente nas análises sobre a constituição das identidades coletivas, posteriormente a serem detalhadas no texto do quarto capítulo.

Como última ferramenta de análise, dentre as lentes utilizadas, ter-se-á o capital acadêmico. Conceito proveniente da ciência social, o capital foi bastante discutido, principalmente na teoria marxista e, por conseguinte, pelos seus seguidores. O capital em Marx, grosso modo, é parte da força produtiva, evidentemente manifestado pelo acúmulo de bens, baseado na exploração da mão de obra e a apropriação do tempo alheio. Com as mudanças sociais e o advento das características da pós-modernidade, o capital tomou novas formas para além do caráter imperialista/mercadológico e rumou para ser associado ao trabalho abstrato, em uma perspectiva imaterial, cognitivo, quanto ao modo de produção e aos bens acumulados (CAMARGO, 2011; CAMARGO, 2011; LAZZARATO; NEGRI, 2001; LAZZARATO, 2003).

O capital imaterial/cognitivo é a disposição por informações e conhecimentos. É a produção baseada no subjetivismo e nas relações humanas. Trata-se de uma nova forma de acumulação de riquezas e de uma nova forma de produção, com base no conhecimento e no saber.

Como a produção de serviços não resulta em bem material e durável, definimos o trabalho envolvido nessa produção como trabalho imaterial - ou seja, trabalho que produz um bem imaterial, como serviço, produto cultural, conhecimento ou comunicação (NEGRI; HARDT, 2003, p. 311 apud CAMARGO, 2009, p. 51)

O capital pode ser divido em diversos capitais, baseados na esfera de atuação do mesmo. Assim, tem-se, normalmente, a divisão entre o polo social e o polo cultural. O capital cultural é o tipo de capital menos explicado e estudado até o momento (CAMARGO, 2009, p. 52). É justamente no polo cultural que se encontra o capital acadêmico.

Por ser um capital cultural, o capital acadêmico leva essa nomenclatura por se tratar dos bens que compõem o campo universitário. O capital acadêmico está baseado no acúmulo de bens produzidos na academia: trajetória acadêmica, poder acadêmico, prestígio científico, notoriedade acadêmica e poder político.