• Nenhum resultado encontrado

Foto 4 Assinaturas dos participantes de momento formativo realizado no canteiro

3.2 LETRAMENTO LABORAL: ESTUDOS EM EXPANSÃO

Pesquisar acerca do letramento no universo do trabalho implica compreender que a linguagem é constitutiva e orienta as atividades humanas em todas as esferas, inclusive no fazer laboral. De acordo com Paz (2008), abordar o letramento nesse âmbito consiste em explorar as diferentes formas com que os sujeitos lidam com as práticas que envolvem a leitura e a escrita, em nome do cumprimento das diligências que são exigidas para o desempenho de uma atividade laboral.

Discorrendo em torno das práticas letradas situadas na ambiência do trabalho, Paz (2008, p. 42) é veemente ao afirmar:

Ao focalizarmos o letramento no local de trabalho, estamos concebendo-o não apenas como um fenômeno situado, mas também como fenômeno múltiplo, visto que sua efetivação é motivada pelos inúmeros usos da leitura e da escrita, estabelecidos em atendimento às demandas de comunicação que ocorrem em um dado contexto laboral.

Seguindo essa perspectiva, no desenvolvimento das práticas leitoras e escritoras, os agentes de letramento são motivados por necessidades específicas que surgem em atendimento a lacunas comunicativas suscitadas em cada espaço de atuação profissional, visto que cada um desses contextos possui demandas bastante peculiares de escrita. Além disso, estas são, por vezes, planejadas em longo prazo e efetivadas via textos que já existem ou que podem emergir como resposta a alguma situação inesperada, a qual, por seu turno, requer a produção de um novo texto.

Para Oliveira (2010, p. 330),

Entender que o letramento é mediado por textos implica naturalmente ter consciência de que o uso de determinados textos depende do sistema de atividades no qual as pessoas estão inseridas, noutros termos, depende dos papéis que as pessoas exercem e do que elas necessitam fazer por meio desses textos em determinadas situações.

As práticas de linguagem em ambiências profissionais foram, durante muito tempo, minimizadas e enxergadas apenas como “suporte das comunicações finalizadas, orientadas para a apropriação das técnicas, para a compreensão das instruções e para a execução das tarefas [...]” (FAÏTA, 2002, p. 46). Contradizendo essa perspectiva, os ergonomistas contemporâneos (DANIELLOU; GARRIGOU, 1995; LACOSTE, 1998; LANGA, 1998),

com pesquisas voltadas para o estudo das atividades laborais, passaram a admitir a importância da linguagem no trabalho, bem como os aspectos que dizem respeito à subjetividade dos trabalhadores quando, na realização de suas tarefas, puderam atribuir sentidos às essas práticas.

A partir de então, a linguagem passou a ser compreendida como fenômeno que está além de um mero apoio para a realização de atividades de trabalho, constituindo-se, dessa forma, como um “elemento essencial na construção da ação e da significação, na afirmação das identidades profissionais, no planejamento, na coordenação, na negociação das atividades e das tomadas de decisão” (FAÏTA, 2002, p. 47). A linguagem no âmbito laboral assume, dessa forma, lugar de interação favorável à realização das atividades, para o registro e para a agência dos sujeitos envolvidos em propósitos peculiares de cada área do trabalho.

Para Sousa-e-Silva (2010), a interdisciplinaridade entre a Linguística e as Ciências do Trabalho teve início na França em meados da década de 1980, e chegou ao Brasil nos anos de 1990, por meio de grupos de pesquisa como o LAEL da PUC/SP. O grupo se consolidou a partir do acordo bilateral CAPES-COFECUB, envolvendo a PUC/SP, a PUC/Rio e a UFRJ, no Brasil, e as universidades de Aix-Marseille e a de Rouen, na França. Durante muitos anos, tal vertente de estudos ficou restrita ao grupo formado por essas instituições, as quais centraram foco, principalmente, nas diferentes enunciações como interações vinculadas à situação de trabalho (SANT’ANNA, 1999).

Para Nouroudine (2002), a relação entre linguagem e trabalho pode ser abordada sob três dimensões: linguagem no trabalho, linguagem como trabalho e linguagem sobre

trabalho.

A linguagem no trabalho está relacionada às falas dos sujeitos em situação de trabalho, ou seja, “uma das realidades constitutivas da situação de trabalho global na qual se desenrola a atividade” (NOUROUNDINE, 2002, p. 22). A linguagem sobre o trabalho encontra-se relacionada ao que os atores falam acerca das suas atividades laborais para avaliar, comentar, justificar etc. Já a linguagem como trabalho refere-se às práticas de linguagem utilizadas pelos sujeitos para o desenvolvimento das atividades laborais (NOUROUNDINE, 2002).

Em face do exposto, é possível depreender que em virtude dos usos da leitura e da escrita para a efetivação da linguagem no/sobre/como trabalho, os indivíduos necessitam cada vez mais buscar um padrão de formação que lhes possibilite apreender saberes sobre a escrita e sobre os gêneros que circulam no seu âmbito de atuação. Dominar esses saberes pode

garantir a esses sujeitos uma prática mais eficaz, comprometida e responsável quanto ao que eles realizam com a escrita nos grupos sociais nos quais circulam e agem.

Nesse sentido, são válidas as contribuições de Oliveira (2010, p. 331) ao ressaltar que

Especificamente no domínio do trabalho, ambiente altamente competitivo, a busca de estratégias efetivas para interagir, ganhar acesso à informação e dela fazer uso para solucionar problemas ligados ao funcionamento e produtividade da organização aponta para a necessidade de ‘novos letramentos’[...], o que exige o desenvolvimento de várias competências do ponto de vista profissional.

Conforme esse posicionamento da autora, vimos que em um universo competitivo marcado pelas disputas de espaços e de reconhecimentos, dominar o maior arcabouço de saberes, inclusive em relação ao domínio da escrita, pode resultar em um importante diferencial no currículo e no desenvolvimento das atividades profissionais.

Dentre as características que orientam as práticas de letramento, pode-se destacar que as produções sociais localizadas em uma rede de relações de outras práticas têm uma dimensão reflexiva. Assim sendo, essas práticas podem contribuir para o esclarecimento, a reflexão e a atuação consciente dos cidadãos em quaisquer instâncias da sociedade, ainda mais no domínio profissional, uma vez que a linguagem não reflete meramente uma realidade social já existente, mas também ajuda a criar essa realidade (BERGER; LUCKMANN, 2009). Paz (2008), por sua vez, argumenta que discutir o letramento na esfera do trabalho implica analisar a forma como os sujeitos lidam com a linguagem para efetivar as atividades na realização das atividades laborais, o que pensam sobre o que escrevem e como se implicam com essas escritas ao assumirem tarefas orientadas pela escrita, por exemplo.

Na compreensão de Paz (2008, p. 44), a linguagem imprime um aspecto

[...] circundante e não precisa, necessariamente, fazer parte da atividade desenvolvida ou manter alguma ligação com a tarefa realizada, o que significa dizer que, no âmbito do trabalho, podem ser implementadas práticas linguageiras focadas em tópicos de natureza diversa, inclusive em conteúdos não vinculados às atividades desenvolvidas no contexto do trabalho.

Sob esse enfoque, é possível considerar que as práticas de linguagem que emergem em situações de trabalho, mesmo as que não estão diretamente relacionadas ao cumprimento deste, devem ser consideradas como linguagem laboral ou profissional. Essas práticas, na

condição de agência, podem transcender espaços que vão muito além daqueles em que os eventos de Letramento se perfazem, alcançando pessoas que estão em outros lugares, mas que têm relação direta ou indireta com as intenções dos usos da leitura e da escrita.

Acerca da questão do papel da linguagem como mecanismo de transformação social, são válidas as contribuições de Archer (2000) sobre a noção de agência social, sobretudo ao afirmar que esta envolve gente real, conduzindo-se no mundo social por meio da ação coletiva. Nesse sentido, pode-se inferir que um agente social participante de certo grupo de trabalho assume a capacidade para “articular os interesses partilhados pelos membros da coletividade” (KLEIMAN, 2006).

Discorrendo acerca dessa questão, Bandura (2001, p. 15) preconiza que

[...] ser agente significa influenciar o próprio funcionamento e as circunstâncias de vida de modo intencional. Segundo essa visão, as pessoas

são auto-organizadas, proativas, autorreguladas e autorreflexivas,

contribuindo para as circunstâncias de suas vidas, não sendo apenas produtos dessas condições.

Pelo exposto, a forma como a linguagem é utilizada no espaço profissional orienta a execução do trabalho, articula os objetivos comuns, agrupa pessoas, registra o que foi executado, reclama providências pelo não feito, aproxima ou afasta interesses. Logo, nessas atividades de linguagem, estão implicadas as ideias de agência ou de ação social (COSTA, 2012).