• Nenhum resultado encontrado

11. Estar e Permanecer

11.1. Levanta, sacode a poeira e dá volta por cima

Além das ações e agendas citadas, o primeiro semestre do Cieja foi movimentado por outras pautas que ocuparam tempos e espaços da escola: a Festa Junina; o projeto “Nós e os outros” e a mudança de nome do Cieja Cambuci para Cieja Paulo Emilio Vanzolini, no comemorativo do Dia do Patrono. Vanzolini, nascido no bairro do Cambuci, foi um zóologo, professor da Universidade de São Paulo também conhecido por composições de sambas famosos que se tornaram representantes da cultura paulistana, como indica o Portal de Divulgação Científica e Tecnológica:

Paulo Emílio Vanzolini

O zoólogo Paulo Emílio Vanzolini criou a teoria dos refúgios, a partir de estudos conjuntos com o geomorfologista Aziz Ab'Saber e com o americano Ernest Williams. Refúgio foi o nome dado ao fenômeno detectado nas expedições de Vanzolini pela Amazônia, quando o clima chega ao extremo de liquidar com uma formação vegetal, reduzindo-a a pequenas porções. Assim formam-se espaços vazios no meio da mata fechada. O zoólogo redigiu a lei que criou a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e organizou o Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP). Sob seus cuidados, a coleção de répteis e anfíbios da instituição passou de 1200 para 230 mil exemplares, e a biblioteca,

montada com o dinheiro que ele ganhou com a música, é reconhecida como um dos mais completos acervos de herpetologia do mundo. Autor da música "Ronda", Vanzolini compôs outros sucessos como "A volta por cima". Nascido em São Paulo em 25 de abril de 1923, embora aposentado, Vanzolini continou a ir ao museu todos os dias, inclusive aos sábados. Lá, ele fazia suas pesquisas, consultava livros e desenvolvia os próprios programas de computador que usava. Faleceu em 2013. (IBICT. Portal de Divulgação Científica e Tecnologica. Paulo Emílio Vanzolini)

Desde o início de 2018 a escola preparava-se para a oficialização de seu novo nome. Além dos trâmites internos para essa formalização, simbolicamente, a escola realizaria uma homenagem ao seu patrono Paulo Vanzolini. Foram destinadas algumas reuniões de JEIF para pensar propostas para a data e de que modo os alunos poderiam participar e se envoler nos preparativos. É comum no Cieja que os trabalhos realizados pelos alunos ganhem espaço no corredor que dá acesso às salas de aula, que acabou por se tornar um espaço de exposições quase permanente na escola e uma das propostas apresentadas na JEIF seria organizar uma linha do tempo considerando a vida e a obra de Vanzolini. Os alunos foram sendo organizandos em grupo e as ações de cada turma eram desenvolvidas por um professor coordenador.

A riqueza e a pluralidade de experiências que marca a vida e a obra de Vanzolini foi produzindo no corredor do Cieja múltiplas reinterpretações cosntruídas pelos alunos e seus professores: informações sobre espécies da identificadas pelo cientista, a biodiversidade brasileira, a importância do Museu de Zoologia e as contribuições para a pesquisa e a universidade, a vida bohemia, suas composições, os sambas e suas histórias no bairro do Cambuci. A identidade múltipla do Cieja parecia se reconhecer na versatilidade de Vanzolini. Pude acompanhar algumas aulas na Informática, com o Prof. Diego, em os alunos foram pesquisando sobre algumas espécies e depois utilizaram recursos tecnológicos para reproduzir em slides suas descoberta. “Não poderia ter havido nome melhor”, disse D. Adélia, em uma entrevista concedida à pesquisadora:

O envolvimento com o tema, foi produzindo um movimento coletivo de discussão nas salas de aula, documentários, textos, discussões, propostas de estudo e de produtos a serem produzidos para a exposição nos corredores. Era possível perceber engajamento das disciplinas naquele desenvolvimento. Arte, linguagem, ciência, história... todos pareciam encontrar pontos de interlocução com suas áreas. Mesmo no trabalho desenvolvido na Sala de Recursos Multifuncionais foram construídas atividades conectadas ao dia do patrono. O Professor Diego encontrou o seu caminho com os alunos pela “Geometria do Samba”

discutindo as relações entre área e comprimento nos materiais e nas formas dos instrumentos musicais. Um dos cartazes indica “Qual é aproximadamente a superfície ocupada por um pandeiro de 12 cm?”, ao lado um quadro informa a origem da palavra pandeiro e seus significados e um outro quadro apresenta o cálculo da área proposta na pergunta, numa tentativa de associar os conteúdos escolares vistos em aula com a temática proposta.

As questões do tratamento interdisciplinar e da contextualização dos conteúdos têm sido amplamente discutiva nos currículos e certo silenciamento sobre o lugar das disciplinas nestas abordagens tem sido problematizado e não é fácil encontrar propostas que articulem bem as demandas pelos conteúdos nas áreas específicas e a presente nos debates curriculares e os conflitos que decorrem destas abordagens também. Problematizam-se as falsas contextualizações e nem sempre é possível para o professor de matemática construir um modelo significativo de trabalho com os temas gerais que articule as demandas dos conteúdos previstos nos currículos e sua articulação com os temas. Há os que defendem os projetos temáticos por seu potencial em expandir e desestruturar o modo cartesiano de organização dos saberes escolares e científicos a fim de produzir maior aproximação com temas e situações presentes na realidade dos sujeitos. Acredita-se que esse caminho permita desenvolver aprendizagens mais significativas para os alunos e alunos e desafia o professor a pensar sobre os critérios utilizados na seleção dos conteúdos da área. Recuperamos a partir desta experiência no Cieja as reflexões em torno das perguntas anteriormente formuladas a respeito do currículo de matemática: o que ensinar? como ensinar? por que ensinar? para quem ensinar?.

Ao alcançar o engajamento de todas as áreas em torno do Dia do Patrono, pela vida e obra de Paulo Emílio Vanzolini, naturalmente ocorrem certas sobreposições e repetições de abordagens nas salas de aula., o que foi, em algum momento percebido pelos alunos e problematizado na JEIF pela mediação da coordenadora Rosana. Foi mencionada a resistência de alguns alunos ao acharem que “estavam perdendo aula”, por não estarem acostumados com propostas metodológicas que envolviam, por exemplo, assistir a um documentário, ouvir músicas, fazer pesquisas na internet. Tudo isso, representa um modo de trabalho não esperado para alguns alunos e diante da repetição dos novos modelos inesperados, a crítica: “o que está acontecendo que todos os proessores estão falando a mesma coisa agora?”.

Na JEIF, a coordenadora Rosana problematiza: “Quando trabalhamos com projetos, o que a gente quer? O que a gente quer define o que nós somos.”. A discussão entre os professores vai apontando uma postura reflexiva, crítica e propositiva sobre os caminhos

adotados: “o valor do inacabado”, “ a importância de experimentar novos formatos”, “o uso das paredes e corredores da escola”, “os temas e as categorias de pensamento das áreas”. Uma professora se coloca sobre “o valor do inesperado” e relata “o dia da chuva, por exemplo e o tema da água, o interdisciplinar aconteceu sem ter sido planejado”. Alguém se manifesta: “precisa ser interdisciplinar, sem ser casativo para os alunos”. Um dos professores Alex relata sua experiência de trabalho na escola Campos Salles que construiu seu currículo na perspectiva dos temas geradores e não mais nas disciplinas e o impacto destes modelos da própria estrutura dessas escolas. Em São Paulo, algumas iniciativas tem optado pela quebra das paredes, construindo novas salas, novos espaços e novos tempos escolares. Todos se envolvem com o debate e o tempo encerra, naquele momento, a reunião.