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5 PESQUISA COLABORATIVA E FORMAÇÃO DOCENTE: a dinâmica

5.1 Pesquisa, conhecimento e identidade do pedagogo no ensino superior

5.1.2 Levantar necessidades para uma ação formativa

O desenvolvimento do trabalho começou após a reunião com os professores dos cursos que manifestaram seus interesses por temas para estudo. O diagnóstico das necessidades de formação e dos conhecimentos prévios relativos a esse conhecimento é fundamental e requisito ao trabalho de pesquisa-ação desenvolvido na perspectiva de investigação colaborativa. No dizer Ibiapina (2008, p. 43),

[...] é importante conhecer as necessidades formativas dos professores. Emitir uma necessidade é declarar uma intenção de ação e de mudança, ou seja, é de expressar um motivo. Analisar as necessidades de formação é, pois, retraduzir as motivações e os objetivos construídos pelo grupo de professores para construção permanente de seu desenvolvimento profissional. Como afirma Garcia (1999, p. 198): os processos de aprendizagem profissional se iniciam justamente com o ―diagnóstico de necessidades‖. Nesse sentido, segundo Garcia, tendo em mão o diagnóstico das necessidades, já é possível realizar a planificação, isto é, definir um plano de ação que possa atender as expectativas dos professores.

Para saber quais eram as necessidades dos professores, houve uma reunião em que foram apresentados temas para estudo nos encontros, a saber: estratégias e metodologias de aprendizagem, avaliação, motivação e interesse, planejamento, disciplina (autoridade versus liberdade), relação entre professor e aluno, interdisciplinaridade. Cada um foi discutido, assim como foram apresentadas a necessidade e justificativa de estudo pelas dificuldades e exigências do dia-a-dia na sala de aula. Evasão, desinteresse e falta de compromisso com estudos; heterogeneidade (sobretudo etária: alunos mais velhos e alunos adolescentes); falta de perspectivas dos alunos quanto ao mercado de trabalho; impaciência e incompreensão de alunos nas atividades teóricas, especialmente nas disciplinas de fundamentação; dificuldades de aprendizagem por defasagem em conteúdos básicos e relacionamento com colegas são

preocupações e dificuldades que professores e coordenadores enfrentam, tidas como desafios a serem debelados.

A definição da interdisciplinaridade como foco de estudo e reflexão pelos professores dos cursos de Gestão Ambiental e Alimentos se destacou nessa etapa. Foi dito que a interdisciplinaridade envolveria os temas levantados e, sobretudo, a participação discente. A fala de uma professora esclarece que, mesmo um só momento de ação formativa já é uma oportunidade importante de formação, que rearticula e recontextualiza experiências e conhecimentos: ―Estávamos precisando de um momento em que pudéssemos planejar, discutir juntos sobre o que fazemos em sala de aula. Com o apoio pedagógico, acredito que vamos aprender muito‖ (SUSANA). Com efeito, como diz Sacristán (1999, p. 48) ―Executar

ações, querer fazê-las e pensar sobre elas‖ é fundamental na discussão e elaboração da prática educativa, acima de tudo caso se considere que o processo formativo dos professores é dialeticamente uma autoformação, em que reelaboram seus saberes em experiências vivenciadas cotidianamente com outros em situações contextualizadas.

Dada a incompatibilidade de horários dos professores, o estudo proposto e definido pelos docentes dos cursos de Desenvolvimento Social e Ciências Sociais foi feito em parte. Houve reuniões para se discutir a prática pedagógica, mas a sistematização de estudo como foi proposta pelo grupo não ocorreu. O que pôde ser observado é que os docentes queriam um espaço e tempo de estudo, formar a cultura do trabalho em equipe, coletivo, mas a realidade diversa do trabalho (ministrar aulas nos ensino médio e técnico, na graduação — tecnologia, licenciatura e bacharelado — e na pós-graduação; desempenhar atividades de pesquisa e extensão, dentre outros) não permitia tempo para que pudessem se dedicar ao estudo, à reflexão e à construção do coletivo em prol do fortalecimento do desenvolvimento profissional e pessoal. Nesse momento, como pesquisadora e pedagoga, foi-me difícil acompanhar o processo de inviabilidade da proposta de construção de um trabalho que abriria caminho rumo à formação do coletivo para a realização de uma prática pedagógica voltada a uma educação democrática, de qualidade e que valorizasse a vida.

A pesquisa proporcionou, todavia, um aprendizado superior ao que se buscava, pois mostrou que as alternativas para se transformar a realidade são complexas, não seguem diretrizes; em contato com o real, mostram-se frágeis. As interferências são muitas e, juntas, muitas vezes minimizam o campo de ação. A tentativa de entender esse processo levou a uma reflexão sobre a ação docente na educação, sobretudo a superior, em que ficou claro que o fazer do professor supõe algo mais que ministrar aulas e preencher diário eletrônico: ele é ―obrigado‖ a pesquisar, escrever e publicar textos em revistas acadêmicas, desenvolver

projetos de extensão, elaborar e executar projetos para aquisição de recursos, projetos de laboratórios, participar de comissões de trabalho da instituição, exercer cargos da estrutura administrativa, elaborar documentos, apostilas e planos, relacionar equipamentos e materiais didáticos em detalhes para licitação, comparecer a reuniões, participar de conselhos e outras atividades. Essa atividade múltipla e multifacetada lhes deixa pouco tempo para se interagir com colegas em ambientes de troca. Como afirma Apple (1995), acerca do trabalho dos professores, a soma das características desse trabalho configura uma intensificação do trabalho docente a que acompanham dois processos em desenvolvimento historicamente: desqualificação do trabalhador e separação entre a concepção e a execução no trabalho. Para ele, tal intensificação tem características que destroem a sociabilidade, aumentam o isolamento e dificultam o lazer. Portanto, é preciso criar condições que permitam ajustar as necessidades dos professores às situações de formação continuada e às de trabalho.

Nessa realidade, a atividade de estudo para o desenvolvimento profissional e a construção da autonomia se torna outro fardo. Porém, é preciso questionar: que sentimento fica? Que atitude se pode tomar? O que se pode fazer? E também buscar respostas, sem deixar escapar as possibilidades de usar as astúcias no cotidiano (CERTEAU, 1994) para que se possa

ser um sujeito que pensa, age, decide e transforma a realidade; para que se possa organizar essas possibilidades num processo que indica a invenção permanente da escola, que tantos tentam negar, em especial quem quer controlar os que nela atuam com ações que vão recebendo nomes diferentes, dependendo do momento histórico em que se está. Assim, entender o momento de redescoberta e construção do conhecimento permite aos sujeitos serem mais humanos, sedentos, ativos e engajados na construção de um mundo mais digno das conquistas, as já alcançadas e as que estão por vir. Fundamental para isso é ―[...] agir e compreender, ao mesmo tempo‖ (LUCKESI, 1999, p. 118).

Levantar necessidades e desejar transformar a realidade. Eis o ponto de partida para que cada curso — Gestão Ambiental e Alimentos — definisse seus caminhos e sua direção, ainda que o tema de estudo escolhido fosse o mesmo: interdisciplinaridade.