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As mulheres ainda estão pressas a uma série de normativas e imposições que não as fazem sujeitos livres para exercerem suas vontades, vide as reivindicações presentes atualmente nos movimentos feministas. Porém, a vida das mulheres já foi bem mais complicada e para terem algum direito de liberdade, utilizavam-se de alguns artifícios. Em seu trabalho Oliveira (2007) traz um parâmetro histórico de atitudes tomadas pelas mulheres com o objetivo de fugirem dos padrões/comportamentos a elas destinados/confinados.

A autora começa sua trajetória no século III, mostrando a relação do cristianismo e a vida das mulheres. Na época, o cristianismo não apresentava a configuração a qual hoje

conhecemos e nem era uma doutrina popular, sendo suplantada pelo paganismo. A ideologia cristã destacou-se como atrativa às mulheres por possibilitá-las a castidade, numa época em que a sua função era primordialmente a reprodução, visto a baixa natalidade da época, em a mulher deveria ter pelo menos cinco filhos. Contudo,

Obviamente, dentro do próprio Cristianismo esse movimento das mulheres começou a incomodar. A abertura inicial foi sendo tolhida e, já no quinto século, a estrutura da igreja era basicamente patriarcal. Aquilo que inicialmente permitiu que as mulheres deixassem de lado o caráter reprodutivo que as identificava em um momento anterior, agora passava a ser controlado pelos homens da Igreja, que exacerbavam a sexualidade delas, bem como a transformavam em símbolo perigoso de sedução. (OLIVEIRA, 2007, p.58)

Apesar do esforço, as mulheres não se afastaram da doutrina cristã e continuaram a usando como uma forma de fugir de casamentos destinados à procriação. Durante a idade média, as mulheres ainda eram aceitas nos monastérios e em alguns momentos, elas acabavam por assumirem a responsabilidade de comandar esses espaços. Isso se tornou para elas um meio interessante de exercerem e explorarem sua autonomia. Os mosteiros eram

[...] uma oportunidade que elas tinham de se dedicar não só às questões religiosas como também às artes, às leituras e traduções, ao conhecimento da época. Nesse momento as produções de livros ficavam sobre a responsabilidade tanto de monges quanto de freiras, por exemplo, Hilda de Whitby, do século VII, que tinha reconhecimento por sua cultura. Fora desse ambiente, no seio de uma estrutura familiar, na condição de esposa e mãe a margem de liberdade poderia ser bem inferior à da vida no monastério.(OLIVEIRA, 2007, p.59-60)

Na modernidade, em que os monastérios já não possuíam tanto poder como antigamente, tendo agora as assembleias no lugar, as mulheres tiveram que encontrar outro meio para continuarem sua liberação, no caso, o escolhido foi a educação46. Com instrução elas “conseguiam vivenciar o valor dado pelos humanistas à educação. Além disso, serviam como uma espécie de adorno em suas famílias, mostrando que eles se preocupavam com educação, com cultura.” (OLIVEIRA, 2007, p.69). Os salões criados para os intelectuais no século XVI foram os lugares os quais as mulheres tinham espaço para palavra, já que a palavra pública ainda era proibida as mulheres, pois era um papel dos homens e a transgressão de papeis era desaprovada. “A saída em público afastava as mulheres da casa, artistas eram confundidas com prostitutas, já que a noção de mulher pública era completamente distinta da noção de homem público, ou cidadão” (OLIVEIRA, 2007, p.71).

46 Nem todas as mulheres tinham a possibilidade de estudar, apenas as das classes mais altas, as quais tinham

A escrita acabou despontando entre as mulheres, pois assim podiam relatar os fatos que desaprovavam na sociedade, com diálogos relacionados ao casamento, separação, filhos, entre outros. Em alguns escritos, as mulheres chegavam a aconselhar as outras a não casarem, notava-se que o casamento era “criticado [...] como um mecanismo de política sexual e certeza de concentração econômica nas classes mais altas, ao mesmo tempo em que a amizade entre as mulheres era fortemente celebrada” (OLIVEIRA, 2007, p.77).

Até então as mulheres não tinham um senso de grupo como movimento político, foi só no século XIX que ele se concretizou com o aparecimento das feministas. A primeira onda do feminismo reivindicava

assuntos mais controversos e mais complexos, porém, deixando claro que o problema da subordinação da mulher tangenciava outros mecanismos de dominação, que também deveriam ser enfrentados pelo feminismo, como a prostituição, o capitalismo, a guerra e a escravidão. A interdição da fala das mulheres em público não as impedia de tomar a palavra e enfrentar a possibilidade de repressão decorrente de seus atos. A luta pela possibilidade do divórcio, conquistado durante um período da revolução francesa, porém depois cassado, continuou sendo objeto do feminismo, bem como o desafio a algumas convenções. (OLIVEIRA, 2007, p.101- 102)

As feministas desta época também questionavam a vestimenta, exigindo roupas mais leves, que as deixassem em posição confortável e com liberdade de movimentos, além de vestimentas que se assemelhassem a dos homens, como forma de ressaltar a igualdade e libertar o corpo feminino. Já na segunda onda do feminismo

ganha bastante espaço na mídia a luta das mulheres contra mecanismos de tortura aos quais as mulheres estavam submetidas como forma de controle de seus corpos, desde peças do vestuário tipicamente feminino, salto alto, passando por cílios postiços, penteados, até mesmo concurso de miss e revistas masculinas. Foi a primeira vez no intervalo de aproximadamente duas gerações que muitas mulheres começaram a se declarar como feministas. (OLIVEIRA, 2007, p.123).

Nesse sentido, Lipovetsky (1997) reflete acerca de como a beleza foi construída no sexo feminino e no sexo masculino. No caso, uma mulher nunca é suficientemente bonita, ela precisa estar constantemente investindo em seu corpo e aparência, assim, também está investindo em sua feminilidade. No caso dos homens, o belo está na sua virilidade, demonstrado no pênis. A postura da mulher, seus gestos e posições também são importantes para ressaltar a sua beleza, pois são importantes para fazer-se ver. Como coloca o autor, esses padrões de beleza acabam por idealizar uma mulher fictícia, mais próxima de uma criatura mágica, do que de uma mulher real.

Como afirma Lipovetsky (1997), surgem imagens com o intuito de desmitificar essa concepção, como no caso das estrelas de cinema, que se utilizam de seu exterior erotizado para quebrarem a noção de feminilidade pacata, no caso, “uma nova feminilidade de atributos agressivos que projectam um erotismo desinibido, natural e juvenil” (LIPOVETSKY, 1997, p.171). McCracken (2012) traz o exemplo de Marilyn Monroe, que ao pintar o cabelo de loiro, algo malvisto pelos produtores de Hollywood, acabou por transformá-lo na cor da liberação, visto que perfomatizava uma sexualidade até então não vista. Destaca-se o papel das celebridades que ao possuíram liberdade sexual, financeira e em alguns casos com superioridade à figura dos homens, acaba por servirem de exemplo para outras mulheres.

Nesse sentido, podemos refletir acerca da postura da cantora Lady Gaga. A intérprete foi e ainda é bastante julgada pelos veículos midiáticos quanto à sua aparência, visto que não se encaixa, em grande maioria, nos padrões estéticos das outras cantoras. Possui traços marcantes, como um nariz avantajado, além de distúrbios alimentares. Durante a turnê do CD Born This Way e na atual turnê do CD ARTPOP, recebeu várias críticas ao seu corpo, por aparecer, com o que consideram, acima de seu peso. Contornando a situação, a cantora alegou não precisar ter um corpo maravilhoso, pois é uma cantora, não uma modelo e o importante é sua música e performance. Quanto à aparência, ela subverte os padrões do que é considerável aceitável ou não, já que comumente aparece com roupas não convencionais, bem como expõe consideravelmente seu corpo. Isso, no início de sua carreira, foi considerado algo marcante, sendo apelidada de “a cantora que nunca usa calças”. Outro ponto importante sobre Lady Gaga é sua postura quanto a sexualidade, falando abertamente sobre o assunto e defendendo vários temas considerados tabus. Em suas últimas entrevistas, sustentou o empoderamento da mulher na indústria musical47, ao alegar que a maioria dos grandes conglomerados midiáticos de música é controlada por homens, assim como a área de produção musical. Isto acaba por estabelecer fórmulas de como as mulheres devem se comportarem e serem “usadas” pela indústria.

47

Essa crítica está fortemente presente na narrativa do videoclipe de seu último single “G.U.Y”. Gaga já deu a entender em algumas entrevistas que sofreu vários abusos, inclusive sexuais, de grandes executivos enquanto tentava alçar o reconhecimento musical.

5. REVELANDO O GRUPO “LITTLE MONSTERS DA LADY GAGA”

Após a apresentação do processo metodológico da netnografia e uma reflexão acerca das categorias que guiam nossos objetivos neste trabalho, no presente capítulo, versaremos sobre a análise do material coletado e observado na comunidade de fãs “Little

Monsters da Lady Gaga”. Iniciamos com a apresentação da história do grupo e uma descrição

do perfil de seus membros, assim como suas motivações em participarem de uma comunidade de fãs. Por conseguinte, temos a análise das postagens e do questionário segundo os critérios de consumo, comportamento de fã e identidade de gênero, acompanhadas das impressões do período netnográfico.