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Liceu versus Universidade

No documento Estrutura funcional RVCC-PRO (páginas 31-37)

Capítulo I. Narrativa Autobiográfica Centrada no Percurso Profissional

5. Liceu versus Universidade

Não querendo alargar-me nesta matéria, não poderia sustentar esta narrativa sem falar no percurso académico, sobretudo no liceu, onde as artes continuaram presentes. Quando falo em liceu versus faculdade significa uma transição brusca, quer em termos de conteúdos, quer de ambiente.

O “liceu velho de Loures” (assim era conhecido), hoje a Escola Secundária José Afonso, era muito vocacionado para a formação artística. Na altura, como já referi, estudava dança e no liceu escolhi a variante de arquitectura e artes plásticas. Tive Professores extraordinários, verdadeiros libertadores do

espírito humano, grandes mestres do pensamento e da filosofia da vida em geral. Destaco aqui o Professor de filosofia que era invisual. Um dia ao dizer que não via para o quadro por causa do reflexo do sol, não permitiu que se baixasse a persiana dizendo:

_ “Qual é o seu problema, também não vejo o mundo, mas procuro compreendê-lo!”

O impacto daquela expressão foi muito grande na altura, pois sempre fui de reflectir nas coisas desde miúda. (1) Relembro também a Professora de expressão criativa, que aulas maravilhosas! E o Professor Fanha (conhecido por outras obras) que leccionava história da arte, e como ensinava… Fazíamos “viagens” do conhecimento pelo Românico, Manuelino, Gótico, Rococó, passando pelo Impressionismo, pelo Cubismo, até ao Surrealismo e às expressões de arte mais modernas. Tudo isto sem nunca nos condicionar - era tudo deslumbrante! Mais uma vez os horizontes abriram-se ao aprender a apreciar desde os painéis de São Vivente ao traço de Miró. (2)

Neste período, aprendi também a trabalhar com materiais diferentes e a usar várias técnicas para pintar e esculpir (das coisas mais terapêuticas que existe), adorava o contacto com os materiais da escultura.

A escola tinha uma grande dinâmica artística e a Câmara Municipal favorecia muito este espírito, uma vez que era muito participativa nas actividades culturais. Lembro-me em particular, de entre muitas actividades, ter pertencido ao grupo de teatro “Os Saltimbancos”, onde representámos a peça “Cena do Ódio, Manifesto Anti-Dantas, O Pintor Vai ao Teatro”, de Almada Negreiros, através da iniciativa “Escola em Palco”. (3)

Imagem 4: Folheto do Programa “Escola em Palco”

Esta peça exigiu muitas horas de ensaio num espaço cedido pelos Bombeiros Voluntários de Loures. Ensaiávamos uma vez por semana, durante duas horas e tínhamos direito a exercícios de aquecimento de voz, bem como de expressão corporal. (3)

Também participámos no desfile do Carnaval de Loures (as turmas de arte do liceu), a convite da Câmara Municipal. Apesar do prazer que tive na elaboração dos fatos e dos carros alegóricos, é de certo uma experiência a não repetir dada a dor de pés que causa desfilar tantas horas seguidas!

Nesta época do liceu fui abordada por uma revista local para apresentar um arranjo de Natal. Senti logo o peso da responsabilidade. Estive em casa a preparar-me para esta missão. Sentia que tinha de honrar o convite e por isso o trabalho teria de sair bem. (4)

Imagem 5: Artigo da Revista “Loures Magazine” - “Arme Você Mesmo o Seu Arranjo de Natal”

Foram tempos muito alegres e fascinantes! Na época, o meu projecto de vida era mesmo vir a ser Bailarina e tudo estava a fazer para isso, e como a escola não fugia ao contexto artístico, tudo se encaixava na perfeição. Acontece que quando faço a lesão no ballet, tive de repensar toda uma perspectiva de vida. Foi então que, após um período de desalento, surgiu com agrado a opção das ciências sociais. Esta nova opção obrigava-me a fazer provas para entrar na faculdade, provas essas referentes a disciplinas que não tinha tido. Por mais que tivesse estudado, o resultado não chegou para entrar na faculdade pública, assim iniciei o caminho numa faculdade privada. Na altura achei muito injusto pois tinha sido boa aluna no liceu e nunca

esperei ir para uma universidade privada, só que não contei com a mudança brusca de disciplinas. Como se

não bastasse ter mudado de área, mudei drasticamente de ambiente, como mencionei no início desta experiência. Venho de um ambiente de artistas e deparo-me agora com colegas “elitistas”. Não quero com isto fazer qualquer juízo de valor sobre “categorias de pessoas”, há muito que deixei de o fazer (como reflectirei mais à frente), pretendo apenas transmitir como senti na altura esta transição. (5)

Josso (2008), e presumo que a maioria das pessoas que frequentou a faculdade, afirma ter sentido grande liberdade e autonomia na passagem do liceu para a universidade. Senti exactamente o contrário, era na escola de artes que “respirava”. A escola de Loures José Afonso tinha um modelo “muito à frente”.

Quanto à faculdade em si, tenho uma grande tristeza face ao fraco aproveitamento do tempo em que lá estive. É com pouco à vontade que expresso esta opinião, mas tenho de ser sincera. A esmagadora maioria dos Professores não tinha a mínima vocação para o ser. Dos quatro anos posso afirmar que me lembro de meia dúzia de Professores. Francamente, considero que a maioria dos cursos não prepara minimamente os alunos para desenvolverem uma profissão, nem tão pouco para a exercerem num espírito comunitário. O meu curso foi um depositar de matérias, facto que me deixa muito triste, afinal este tempo poderia ter sido muito mais rico. Independentemente desta opinião, tenho de expressar a mestria de alguns Professores, que por isso mesmo faziam a diferença, mas eram como os talentos individuais numa equipa de futebol: sobressaiam, mas não formavam uma equipa (neste caso não faziam um curso). Não se pense que digo isto com desprezo, muito pelo contrário, como já disse, tenho pena que assim tenha sido.

Segundo Aali Hamadache (cita Silvestre, 2003:50/51):

“Foram as insuficiências e as imperfeições do sistema escolar do tipo clássico que suscitaram um crescente interesse pelas formas não escolares da educação/formação enquanto complemento ou até mesmo substituto da escola. Assim, a emergência dos conceitos de educação/formação não formal (ENF) e educação (/formação) informal (EI) surge quando se começa a constatar que a escola, entre outras coisas:

- Não é a única detentora do saber nem a única fonte legítima de aprendizagem;

Tabela 3: Relação entre os Adquiridos do Passado (contexto: liceu / universidade) e o Presente

ADQUIRIDOS DE “ONTEM” TRANSFERÊNCIA PARA “HOJE”

Abertura para “Compreender”

(1) Isto é algo fenomenal, mas que não consigo expor condignamente. É como transmito Com o meu Professor de filosofia aprendi a compreender o “conhecimento”. aos adultos com quem dinamizo os PRA’s, se não há compreensão (reflexão) da experiência, esta não revela o valor que certamente merece.

Técnicas de Expressão Plástica / Noções de

História da Arte

(2) geral na dinamização de PRA’s. Parece pouco importante dito assim, mas acredite-se Para a função de Profissional de RVC, reforço a ideia da importância da cultura que não é, e quem dinamiza sessões de PRA sabe do que falo.

Ferramentas de Representação

(3)

Assim como a dança, também o teatro nos dá, enquanto Formadores, maior mobilidade e à vontade com o corpo. Não me vou alongar pois esta situação apenas reforça os conhecimentos / competências adquiridos com a dança, acrescentando apenas o domínio vocal, muito útil num contexto de sala, como por exemplo o alinhamento e controlo do diafragma.

Responsabilidade para Honrar Convites

(4)

Quanto maior é a confiança que depositam em nós, maior deverá ser a responsabilidade com que lidamos com a situação. Hoje, o convite da revista de Loures para a realização de um centro de mesa de Natal pode não ter grande expressão, mas visto à altura, implicou um trabalho de muita responsabilidade para uma “gaiata”. Muitas vezes tento transmitir esta ideia à nossa equipa do CNO. Posso afirmar que este tipo de aprendizagem vem sobretudo do contexto familiar, sendo que estas experiências apenas nos ajudam a consolidar a formação de base. Enquanto Profissional de RVC vários têm sido os convites para representarmos o instituto onde trabalho, o grau de dificuldade das tarefas aumenta, mas o espírito procuro mantê-lo: fazer sempre o “trabalho de casa”.

Flexibilidade para Mudar

(5)

Mesmo que contra vontade, por vezes, somos obrigados a mudar, mudar de rumo e mudar de ambiente. Ao mudar, e se reflectirmos, tornamo-nos talvez menos preconceituosos e usamos menos rótulos - estes só nos dificultam as relações humanas. Muitos daqueles colegas “elitistas” eram pessoas de grande valor.

Da “viagem” ao liceu e à faculdade veio um Picasso

Algo complexo: a técnica, uma visão artística dos factos e uma representação da mudança na história.

No documento Estrutura funcional RVCC-PRO (páginas 31-37)