• Nenhum resultado encontrado

Público-Alvo

No documento Estrutura funcional RVCC-PRO (páginas 144-147)

Capítulo II. Percurso do RVCC-PRO Sete Anos de Existência

6. Público-Alvo

Mais tarde (2006), e como já referimos, surge outra saída profissional com a qual trabalhamos até hoje, a electricidade de instalações.

Trabalhar com os Electricistas foi completamente diferente face à experiência acumulada com as Auxiliares de Acção Educativa, mais habituadas ao exercício da escrita, facto compreensível dada a natureza da sua profissão. Muitas vezes brincamos com os Electricistas dizendo que se nos colocassem a subir postes durante sete sessões para validar os meus conhecimentos / competências, iríamos ficar com muito “mau feitio” pois seria bastante contranatura. O mesmo se passa com os Electricistas quando colocados numa secretária a escrever e a reflectir. Cabe aos técnicos a capacidade de empatia para compreenderem esta situação. Basicamente temos de fazer o mesmo de forma diferente! Ajustar o discurso para chegar ao mesmo fim. Ou melhor ainda, como defende Josso (2008), conhecer as estratégias de aprendizagem / comunicação destes adultos, ao invés de impor-lhes o nosso modelo.

Ao lidar com o “nosso público”, com as suas dificuldades específicas e com os mecanismos que temos de encontrar para as superar, ganha sentido a afirmação de Rui Canário (Canário, 2008:110):

“A centralidade do sujeito, no quadro desta maneira de conceber a aprendizagem decorre de dois aspectos fundamentais:

- O primeiro consiste na criação do sentido, uma vez que o conhecimento não é o resultado de um processo cumulativo de informação, mas sim um processo de selecção, organização e interpretação da informação a que estamos expostos e que, segundo os contextos e segundo as pessoas, pode dar origem a perspectivas muito diferentes. Deste ponto de vista, segundo Barth (1996, p.25) aprender significa “atribuir sentido a uma realidade complexa” e essa construção de sentido é feita a partir da história “ cognitiva, afectiva e social” de cada sujeito.

- Por outro lado, a mobilização do sujeito para autoproduzir a sua vida (Pineau, 1983) faz apelo a que ele “se utilize a si próprio como um recurso” (Charlot, 1997, p.62). Esta mobilização tem um carácter

A vertente da escrita é também uma problemática para muitos Electricistas que temos de ultrapassar. Note-se que já lá vai o tempo em que estes apenas “passavam tubo”. Nos dias de hoje, têm de escrever relatórios, interpretar informação escrita, entre muitas outras tarefas relacionadas com a linguagem e comunicação.

Outra questão interessante na análise comparativa entre estas duas áreas profissionais é o facto da certificação profissional ser obrigatória para os Electricistas - isto para o caso de desejarem assinar projectos e inscreverem-se na DGEG. Já na acção educativa tal não acontece, não existe nenhuma obrigatoriedade de certificação, mas ao contrário de outras áreas profissionais na mesma circunstância, o próprio mercado de trabalho tem vindo a legitimar / prestigiar a certificação. Hoje em dia, muito dificilmente uma Auxiliar de Acção Educativa é recrutada por uma instituição (pública ou privada) sem que possua a certificação profissional, via formação profissional ou sistema de RVCC.

Mas as diferenças não são só entre as actividades profissionais. Dentro dos mesmos públicos (da mesma actividade profissional) há igualmente diferenças:

- Os adultos da “velha guarda”, com baixo nível de escolaridade e com extrema dificuldade no que se refere às TIC. Têm por norma um grande domínio técnico da sua área profissional.

- Os adultos mais jovens, com maiores habilitações académicas e possuidores de competências ao nível das TIC.

Conjugar públicos tão heterogéneos num mesmo grupo, com vista à construção de um PRA é um verdadeiro desafio: os mais jovens querem tudo a correr e fazem gala do domínio das novas tecnologias; os mais velhos sentem-se naturalmente desmotivados, sobretudo ao nível das TIC (factor de grande vergonha). Perante este cenário, o Profissional de RVC é o elemento da equipa técnica que tem obrigação de ter mais preparo para lidar com estas diferenças - têm por isso um papel preponderante na gestão da diferença e, consequentemente, da inclusão. Não podemos esquecer que além das diferenças acima enunciadas, temos também, e cada vez mais, diferenças ao nível cultural. Terão por isso de ser mobilizadas, por parte dos técnicos, competências no campo da comunicação e por vezes até da cidadania.

Devido às diferenças abordadas entre Auxiliares de Acção Educativa e Electricistas, ocorreu-nos provavelmente o mais improvável: juntar os dois públicos na mesma sala para a realização de algumas das

sessões de PRA (não poderiam ser todas as sessões pois a determinada altura entra o Tutor de RVC de cada área e o grupo tinha de ser separado). Ao contrário do que poderia pensar-se, o resultado foi muito bom. Quase que nos atrevíamos a dizer que foi das épocas em que recebemos portefólios mais “ricos”! O efeito foi muito interessante: as senhoras (motivadas para este tipo de trabalho) motivavam os senhores (no geral, menos direccionados para este tipo de trabalho). Faço aqui um parênteses para dizer que entendam- se por senhoras as Auxiliares de Acção Educativa, pois até ao momento, e desde 2005, tivemos apenas dois homens nesta área. E por senhores entendam-se os Electricistas, sendo que até hoje tivemos somente uma Electricista em processo. Voltando a esta experiência pouco convencional, quando os Electricistas começavam a ver os PRA’s das Auxiliares notoriamente não queriam ficar atrás. Não me vou debruçar sobre a análise deste comportamento pois não é o cerne da questão - o que é facto é que estes grupos mistos, com os quais trabalhámos pelo menos um ano, produziam excelentes frutos no processo de RVCC-PRO e proporcionavam um ambiente de grupo muito bom. Era um desafio tremendo e delicioso ao mesmo tempo! Mas este período acabou (como tantas outras coisas) com a fasquia da execução física a aumentar. Tivemos cada vez mais de encontrar estratégias para rentabilizar o tempo e no que diz respeito a esta questão, os grupos quando realizados separadamente tornam-se mais produtivos, mas certamente com menos qualidade reflexiva. Com este comentário não sou fatalmente crítica (embora tenha críticas a tecer) face à democratização do processo e ao estabelecimento de objectivos para o mesmo. Como em tudo na vida, desde que o bom senso impere as situações podem tornar-se positivas, o constrangimento surge quando se confunde exigência (nos objectivos e na qualidade) com espírito desenfreado de conseguir resultados. Como veremos ao longo deste capítulo, situações positivas surgiram com a democratização / mediatização desta medida, outras menos positivas ocorreram. Teríamos toda a legitimidade para sermos os mais críticos às mudanças introduzidas no processo após a sua mediatização, afinal estamos nele desde o seu “nascimento” (antes até), mas temos de ser serenos e não ver tudo como um cenário dantesco. Temos o dever de procurar aspectos positivos na mudança, sem sermos submissos a ela.

No documento Estrutura funcional RVCC-PRO (páginas 144-147)