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8. Aspetos da cultura material

8.4 Ligado ao culto

8.4.1 Análise da epigrafia votiva

A maior parte dos componentes da Legio VII Gemina, independentemente da sua graduação, dirigiram as suas devoções às principais divindades do panteão romano. Isto deve- se ao facto de a religião do Estado ser um dos elementos definidores da integração na órbita romana. Não é estranho que a divindade melhor representada na documentação da legião seja Júpiter, com fortes conotações políticas e militares (Palao Vicente, 2006: 392). Segundo este autor, a inscrição EPI 03, deve relacionar-se com uma celebração oficial. Por outro lado, são pouco frequentes as dedicatórias a divindades indígenas dentro das legiões (Palao Vicente, 2006: 420).

Quadro XVI – Características da epigrafia votiva do Complexo Mineiro

DEDICANTES TEÓNIMOS QUALIDADE ACHAMENTO CRONOLOGIA

[R]ufinu[s]? [Ca]urunius?

Nabia Cidadão Covas s. I d.C; 151-230

(Redentor) Q(uintus)? A(---) [.(---)] [Mu]nidi? Cidadão Freguesia de Tresminas 101-230 (Redentor)

[---]ius Aneli f. Arrue B[---] ? Freguesia de Tresminas 101-230 (Redentor) milites leg. VII G. F. I(oui) O(ptimo)

M(aximo)

Soldado Vilarelho s.II/IIId.C; 130 (Redentor) milites c(o)h. I Gallicae

eq. c. R.

I(oui) O(ptimo) M(aximo)

Soldado Ribeirinha s.II/IIId.C; 105-150 (Redentor) Q. Annius Modestus I(oui) O(ptimo)

M(aximo)

Soldado Ribeirinha Finais s. I d..C; 197-211 (Redentor)

Na época romana, metalurgistas e mineiros prestaram culto a Jupiter Optimus

Maximus e nas minas romanas de Mazarrón (Múrcia, Espanha), à deusa Terra Mater

(Domergue, 2008: 25). A epigrafia regista, para além de Júpiter, o culto a Silvanus, Liber

Pater e Terra Mater, como deuses da especial devoção de metalurgistas e mineiros. No caso

do Complexo Mineiro de Tresminas e Jales, a ara dedicada à deusa indígena Nabia (EPI 10), encontrada no lugar de Covas, foge a este âmbito. O dedicante (Rufinus Caurunius), apresenta um gentilício à maneira indígena que terá resultado do mecanismo de formação patronímica.

Uma vez que se conhece a forma como idiónimo indígena, ainda para mais, em relação com a formação adjectival correspondente ao genitivo de plural Caurunicum, em registo simultâneo num mesmo texto epigráfico, o que pode prenunciar uma origem forânea do dedicante, preferencialmente no Nordeste lusitano. (Redentor, 2010: 137).

Refere ainda, o mesmo investigador, que o radical associado ao nome em causa não tem, até agora, testemunhos fora da Lusitania. Porém, a geografia do culto a Nabia, divindade relacionada com a fertilidade dos vales, pode também ser reveladora da origem do dedicante. Existem dois núcleos fundamentais de testemunhos epigráficos: um galaico, do qual este testemunho é o mais excêntrico na sua parte meridional, e um lusitano, arreigado na região de Cáceres, aparecendo também, de forma excêntrica uma Nabia em Pedrógão Pequeno (concelho de Sertã), cujo dedicante é certamente um indígena romanizado, de nome Cicero, (filho de) Mancius (Batata, 2006: 67). Atendendo à localização do Complexo Mineiro e às dificuldades de leitura da inscrição, não seria impossível que a presença deste culto em Tresminas, pudesse ter resultado de uma migração, por parte de um indivíduo oriundo da

Lusitania, ou com ligação à área galaica, e que (“… a extensão ao solar lusitano possa ter sido protagonizada não só por galaicos em diáspora, mas também por gente de procedência mais meridional que tenha temporariamente demandado terras de Além-Douro …”)

(Redentor, 2010: 137).

Outras duas inscrições, procedentes da freguesia de Tresminas, de que se desconhecem as condições e o local concreto de achado, terão sido consagrados a divindades indígenas (cf. Quadro XVI), mas o seu estado de conservação, nomeadamente o intenso desgaste que afeta as superfícies epigrafadas, não permite avançar com leituras cabais. Para uma dessas aras (EPI 17), sugeriu Rodríguez Colmenero ler-se a epiclese [Mu]nidi, o que, a verificar-se, não deixaria de ser um elemento passível de fornecer vários dados. É possível que esta seja uma divindade vinculada aos relevos montanhosos, conforme aponta a

etimologia do teónimo, sendo fácil a sua associação com a realidade orográfica deste setor da serra da Padrela. Outro aspeto a ressaltar, seria o facto de os seus testemunhos seguros estarem na Lusitânia oriental, situação que poderia reforçar a ideia de existência de fluxo migratório a partir desta área. Quanto à outra (EPI 18), apresenta-nos apenas a parte final do nome do dedicante (ius). Em concreto, identifica-se bem o patronímico, situação que poderá remeter para um estatuto peregrino, pois trata-se de forma antroponímica do onomástico indígena. No respeitante à divindade que aí constaria, estaremos também diante do cumprimento de um voto a um deus indígena. Tranoy lançou, como possibilidade, tratar-se do teónimo Aduana, ou Apruna, mas não existe base suficientemente forte para o afirmar. Por esta razão, Rodríguez Colmenero viria a lançar uma proposta de leitura distinta, igualmente hesitante, registando a forma Dadruuilo. A que apresenta Armando Redentor, embora padeça das mesmas dificuldades, inerentes à fraca legibilidade dos vestígios conservados, pode ser comparável com um outro texto epigráfico votivo, no qual se regista a fórmula Arrue Anecice. (Redentor, 2010: 138).

As restantes inscrições votivas, relacionadas com Tresminas, encontram-se em lápides dedicadas a Júpiter Ótimo Máximo, e têm em comum o facto de estarem ligadas à presença militar na área das explorações auríferas. Pela referência consular, temos a possibilidade de datar de forma absoluta uma delas (EPI 03) no ano de 130 d.C., no qual foram cônsules Q.

Fabius Catullinus e M. Flauius Aper, constituindo dedicatória coletiva dos militares da Legio VII Gemina Felix. Uma outra dedicatória coletiva (EPI 04) é realizada pelos militares da Cohors I Gallica Equitata Ciuium Romanorum, cuja integração cronológica deverá,

plausivelmente, também fazer-se na 1ª metade do séc. II d.C.. Estas celebrações podem representar testemunhos da comemoração dos aniversários das unidades a que pertencem os soldados destacados, com fórmulas que se conhecem numa série de inscrições de Villalís (León, Espanha), pelas quais se fica a saber que esta coorte tinha o dia 22 de abril como data de aniversário, sendo o 10 de Junho a data natalícia oficial da LegioVII Gemina, também conforme se depreende das dedicatórias ob natalem aquilae (Redentor, 2010: 130).

Está documentada uma terceira ara consagrada a Júpiter Otimo Maximo (EPI 09), mas a iniciativa parte de um militar deste corpo legionário. A sua cronologia é posterior à das anteriores, conforme aponta a nomenclatura da legião, comprovando a presença militar na área mineira da Padrela até, possivelmente, aos inícios do século III: a ocorrência, na inscrição, do nome completo desta unidade, Legio VII Gemina Pia Felix, deverá datar o texto do reinado de Septímio Severo (193 a 211 d.C.), após a vitória sobre Clódio Albino na batalha

de Lugdunum (Lyon, França), travada em 197. O militar em questão é Q. Annius Modestus, possivelmente de origem hispânica, conforme se pode deduzir dos dados onomásticos existentes, oriundo, talvez, do sudeste peninsular, sem que se possa excluir a sua origem no Noroeste.

8.4.2 Moedas simbólicas

O Recinto do Alto do Cimo dos Lagos também revelou duas moedas junto ao muro exterior do Compartimento III, numa função ritualizada, datando os dois compartimentos da época de Cláudio. Como estes compartimentos são posteriores ao Compartimento I e muro duplo que rodeia o Recinto, este terá sido construído em data anterior que não conseguimos precisar. Recentemente foram encontradas duas moedas republicanas, no exterior do talude do Recinto, o que vem reforçar o seu caráter votivo. Foram encontradas, à superfície, numa área do talude que fora destruída por máquinas, ou manualmente, para utilização de terras na construção da estrada que lhe passa perto, na 1ª metade do séc. XX. Foi aí realizada a Sond. D, verificando-se que não se tratava de uma abertura do recinto, mas sim da remoção da terra do talude, para os fins acima referidos.

8.4.3 Cavilhas de ferro votivas

São dois os locais onde se encontraram cavilhas de ferro, como ritual de fundação de estruturas. As cavilhas encontradas no Recinto do Alto do Cimo dos Lagos já foram referidas a propósito da fundamentação deste local estruturado em forma de U, como recinto sagrado ou religioso. O outro local, situa-se no Povoado Romano, onde na Sond. G/QE6 (4), a construção do muro sul do Compartimento I, da última fase de remodelações do povoado, sobre a Fossa II, foi antecedida da colocação de um molho de cavilhas de ferro, em número de 12, na base do muro (Batata, 2010).

Capítulo IV