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O povoado romano da Veiga da Samardã (SA 15)

7. Logística da exploração mineira

7.4 O povoado romano da Veiga da Samardã (SA 15)

Para além da Fase I (cf. Capítulo II, 6.1.3), assistiu-se em Tresminas à expansão do povoado, que inicialmente deveria estar confinado, à área designada como Núcleo Habitacional da Corta de Covas, na encosta sul do morro que domina a Corta de Covas, e onde Jürgen Wahl realizou sondagens, pondo à vista alguns muros de habitações romanas; também realizou sondagens do lado oeste do morro, encontrando casas, servidas por uma rua com canalização, área provavelmente resultante do alargamento do povoado, ao longo dos séc I d.C. e onde encontrou uma moeda de Cláudio.

As escavações realizadas de 2007 a 2010 revelaram que o povoado, nos seus 250 anos de existência, sofreu várias remodelações ao longo deste tempo. Em termos cronológicos distinguem-se duas fases distintas.

A primeira remodelação (Fase II), instalada sobre a lavaria (Fase I), obrigou ao aterro das fossas de decantação com estéril da mina, para aí construir habitações e oficinas. Talvez construída em meados do séc. I d.C., compreendia a prévia existência do canal de água, que se dirigiria à Lavaria da Galeria Esteves Pinto, e a outras lavarias, como vimos anteriormente. O sistema de drenagem das águas (canalização), desta parte nova do vicus, é posterior ao canal, pois os despejos vinham desaguar neste. A canalização estava situada por baixo de uma rua que se bifurcava a norte. No enfiamento desta rua (Rua I), mas ligeiramente descentrado, encontrava-se uma ponte de madeira sobre o canal, que permitia o acesso a carros, a esta e a

outras ruas, que ramificavam a partir dela (Fig. 58).

A ponte tinha 1,40 m de largura, e a estrada que lhe acedia vinha do sul, pois o afloramento encontra-se polido pela passagem de carros, e encovado no sítio das rodas, visível nos quadrados escavados. Essa via viria a ser ocupada com construções nos sécs. II e III d.C.

A Rua I era constituída por material rolado proveniente da mina, constituído em grande parte por grãos de quartzo. O Compartimento II encostava a esta rua, bem como a Casa I, que obrigou a canalização a fazer um S para poder passar junto à parede exterior da mesma.

O interior da canalização forneceu a maior quantidade de materiais in situ, que permitem datar com segurança esta fase do povoado, como se disse talvez de meados do séc. I d. C..

A rua, fazendo ângulo para oeste, servia várias casas, entre as quais, à esquerda, uma casa com dois compartimentos de tamanho igual, separados por uma parede interna. No primeiro compartimento funcionava uma tecelagem, tendo um pequeno altar de tijolo, arrumado à parede este, e uma lareira com ábside, encostada à parede norte; o outro compartimento poderia ter funcionado como quarto.

Do lado direito da rua, encontravam-se já dois grandes compartimentos, cujas funções não são muito claras. O aparecimento de uma grande tesoura (talvez de tosquia), no compartimento mais a norte, pode também remeter-nos para uma zona oficinal.

No topo desta rua encontrava-se um compartimento quadrangular, cuja funcionalidade nos é desconhecida de todo, podendo ser um espaço habitacional.

A Fase III (Fig. 59), talvez datada de meados do séc. II, regista algumas alterações no urbanismo do povoado, com o fechamento da parte final da Rua I, que foi transformada num espaço coberto, com uma lareira ao centro. Assiste-se ao desaparecimento do Compartimento II, para dar lugar ao Compartimento III, construído sobre parte da rua.

Do lado sul do canal, foi construída uma via de carros, cujo piso foi consolidado com fragmentos de mós e estéril da mina. Atravessando esta via, encontra-se um curto canal (Canalização II) que drenava as construções existentes do lado sul do canal.

A última fase (Fase IV) (Fig. 60) regista grandes alterações, com a transformação de todo o espaço a norte do Compartimento III, numa casa de átrio central, que denominámos

“Casa do Procurador”, pelas suas características. Com efeito, onde existia uma lareira, passou a existir um piso de estéril da mina, num átrio semifechado. Na parte sul, foi construído um quarto (Compartimento II) e um corredor, que daria acesso a outro quarto.

Do átrio, as várias portas davam comunicação a diversos tipos de compartimentos. Para além deste quarto, outros foram construídos: a ocidente, onde existia uma casa de dois compartimentos, passou a haver dois quartos, de tamanho desigual (Compartimentos IV e VII). O compartimento no topo norte do átrio passou a ser um quarto (Compartimento III). Todos estes compartimentos apresentavam piso de barro esverdeado e reboco de argila vermelha com alguma cal, situação que ainda não se tinha verificado em nenhuma das fases anteriores. O espólio recolhido confirma o caráter mais tardio desta casa. Do lado oriental do átrio, os dois grandes compartimentos mantêm-se com as mesmas dimensões das fases anteriores, podendo corresponder um deles a um triclinium.

O Compartimento VI e o Cubículo I parecem pertencer a áreas serviçais da casa, embora essas certezas, só se possam adquirir com a escavação dos quadrados adjacentes.

Nesta fase, ou já na anterior, o canal de água deixa de ter utilidade, sendo entulhado com grandes pedras. Mesmo em frente da antiga ponte de madeira, ocupando a rua, surge um aparelho ligado à fiação, tendo no meio um apoio de fuso, e três embasamentos, talvez de um aparelho de cardagem.

O povoado desenvolve-se para sul, com a construção de inúmeras habitações cuja planta é difícil de caracterizar, devido à pequena área escavada. São daí provenientes os materiais mais tardios do povoado, incluindo uma moeda forrada a prata, de meados do séc. III d.C.

7.4.1 Núcleo habitacional da Corta de Covas (SA 15a, Fig. 61)

Local sondado por Jürgen Wahl, entre 1986 e 1990, tendo sido detetada uma rua com casas de ambos os lados. Por se encontrar parcialmente sob as montureiras da Corta de Covas, tratar-se-á de um dos núcleos mais antigos da exploração mineira, tendo sido desativado com o alargamento da Corta de Covas, na fase de escavação a céu aberto. Infelizmente, não se sabe onde se encontram os materiais arqueológicos que resultaram desta escavação. Informações obtidas junto de um funcionário da Biblioteca da DGPC, que trabalhou com o investigador, confirmaram que os materiais ficaram à guarda da Câmara Municipal de Vila Pouca de

Aguiar, mas não foram encontrados.

O referido investigador escavou uma área de 12 x 8 metros, não aprofundando os quadrados até ao afloramento rochoso, como pudemos verificar, com a escavação de um desses quadrados em 2008. Os quadrados foram cobertos com areão granítico e as estruturas delimitadas com pedras, de modo a proteger os mesmos.

A escavação desse quadrado revelou, na parte oeste, o afloramento rochoso, a poucos centímetros da superfície, com uma grande fossa estruturada, apresentando um murete no fundo. Esta zona coincide com a rua identificada pelo investigador alemão. Prolonga-se para este, encontrando-se sob o pavimento de barro esverdeado de uma das casas. Os materiais recolhidos no enchimento dessa fossa, composto por tégulas, imbrices, sigillatae, pesos de tear e cerâmica comum, parecem apontar para uma fase arcaica do povoado. Infelizmente, não foi possível alargar a área dos trabalhos, de modo a obter mais informações quer sobre as estruturas habitacionais ou oficinais, quer sobre a fossa. À primeira vista, parece configurar uma situação semelhante à do Povoado Romano, apresentando uma área ligada a trabalhos mineiros que foi posteriormente aterrada, para aí serem construídas casas.

7.4.2 Acampamento militar (SA 15d)

Muito se falou sobre a localização do acampamento militar, por força do achamento de 3 inscrições votivas, referindo duas legiões romanas. As características físicas do Recinto de Alto do Cimo dos Lagos, levou alguns investigadores a situar aí o acampamento militar, pese embora a falta de qualquer artefacto, o que não acontece em outros acampamentos militares identificados em território português, como seja a Lomba do Canho (Arganil), o acampamento militar de Antanhol (Coimbra) ou o de Alcanhões (Santarém).

O local mais óbvio, mas nunca referido como tal, é o morro que domina o povoado romano, e a Corta de Covas, zona aplanada e de rochas afeiçoadas a pico, parecendo apresentar dois longos muros paralelos, muito destruídos, formando um retângulo de 200 m de comprimento por 100 de largura, em parte truncado na largura pelo avanço da corta.

São daí alguns dos trabalhos arqueológicos efetuados por Jürgen Wahl (Núcleo Primário ou Zona de escavações 2) (Wahl, 1988a), mas as informações são escassas. A leste encontra-se um grande edifício quadrangular (32 m2), a que não conseguiu encontrar uma função, e onde encontrou uma moeda de Cláudio. Este edifício encontra-se em posição centrada, no que seria a parte oriental do acampamento.

A via romana, pré-existente à parte norte da corta, atravessava o acampamento de este para oeste, tendo sido posteriormente desviada, passando a sul, por dentro do vicus que, entretanto, se desenvolveu radialmente, em relação ao acampamento romano, com exceção da parte oriental onde se desenvolvia a exploração mineira.