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“Eu nem ligava Sabe por que eu ia para a aula? Para sair um pouco de dentro de casa e espairecer ”

No início do trabalho de campo, Maria Ribeiro estudava na Comunidade Santa Teresa D’Ávila há apenas um mês e declarou estar gostando por três motivos: “as pessoas são legais, um ajuda o outro e ninguém é melhor do que o outro”. Anteriormente, havia estudado em duas escolas na Vila Sabrina, durante três meses, em épocas diferentes. Abandonou a escola porque a região era perigosa e também porque ela não conseguia acompanhar o ritmo da sala de aula: “eram três professores que passavam muita lição na lousa, não dava tempo pra copiar e, ainda por cima, não explicavam nada.”

De todas as colaboradoras ela é a que mais faltou nos encontros e, por isso, temos pouco material sobre sua história de vida.

Maria Ribeiro vive sozinha e dá claros sinais de insatisfação em relação a isso. De pronto, observamos que ela visita regularmente as amigas que deixou na Vila Maria e, ao

Foto 12 08/12/2006

Maria Ribeiro na laje de sua casa no dia da entrevista, ao fundo pista do Aeroporto Internacional de Cumbica.

voltar, comenta sua indisposição de viver em sua casa em Guarulhos. Nos primeiros meses, ela fazia uso de um “sistema de alarme” combinado com a sobrinha que morava ao lado: consistia numa espécie de chocalho posicionado próximo à sua cama e amarrado a uma cordinha que ela agitaria no caso de sentir algum mal-estar durante a noite. Felizmente, ele nunca foi utilizado e acabou caindo em desuso. Enfim, havia sempre uma constante referência à sua casa na Vila Maria como tendo sido o melhor período de sua vida.

Viúva há muito tempo, seu único filho mora no interior de São Paulo e está regularmente presente em suas narrativas. Ela se orgulha muito da profissão do filho, policial, apesar de temer por sua segurança. Aliás, foi a busca de um ambiente mais seguro para criar seus dois netos que impulsionou a mudança de cidade do filho. Afirma freqüentemente a saudade da família e apenas o pressentimento de que a vida ao lado da nora (rejeitada por ser branca, pois seu grande desejo, reiteradamente expresso, era que seu filho tivesse casado com uma mulher bem negra como ele para que seus netos fossem da sua cor) não seria muito agradável impede que Maria Ribeiro aceite o convite constante para morar junto com o filho.

Durante a infância não estudou. Na adolescência, freqüentou a escola por um período muito curto: a mãe temia por sua segurança e impediu que estudasse porque o caminho até a escola era longo e perigoso. Já adulta e casada, a primeira experiência escolar se deu em uma instituição regular e sob o controle do marido que, durante anos, preferiu que ela não estudasse. A alegação era a periculosidade do bairro, inibidora do trânsito noturno de mulheres desacompanhadas. Parece uma volta à infância... o mesmo pretexto: falta de segurança no caminho para a escola. A companhia de uma sobrinha foi a solução encontrada pelo esposo, que tinha o diploma do segundo grau, para permitir a realização do desejo de Maria Ribeiro. Como parte de seus cuidados, o esposo também solicitou a um dos “maloqueiros” do bairro que ficasse de olho em seu trajeto de ida e volta para a escola.

Sem conseguir acompanhar o ritmo das aulas, Maria Ribeiro resolveu parar de estudar após um ano de freqüência à escola. Voltou aos bancos escolares, em outra unidade, apenas após a morte do esposo: “estava desorientada dentro de casa, fui para a escola para espairecer”. Nesse momento, a busca de companhia passou a dividir espaço com o desejo de aprender a ler e a escrever. Contudo, essa busca sucumbiu diante da impossibilidade de realização do desejo de aprender: mais uma vez, o currículo e a metodologia de ensino impostos pelos professores expulsaram Maria Ribeiro da escola. Ou seja, sem conseguir acompanhar as aulas, mais uma vez, ela desistiu de estudar. A impossibilidade de acompanhamento foi fruto dos seguintes fatores: tempo de aula muito curto marcado pela troca constante de professores (não havia professor polivalente, cada disciplina era ensinada

por uma pessoa diferente com curto período de aula); muito conteúdo para ser copiado da lousa e em velocidade superior à capacidade de cópia da aluna; avaliações em forma de provas que exigiam um esforço nem sempre reconhecido; falta de diálogo entre educadores e educandos; dentre outros.

Sua entrada no MOVA-Guarulhos aconteceu graças a um convite de sua irmã, uma das educandas que não participa mais do núcleo. Apesar de ainda apresentar enormes dificuldades de leitura e de escrita e de ter demonstrado pouco avanço durante o período de realização desta pesquisa, no final de 2006, Maria Ribeiro já se considerava uma pessoa alfabetizada: “Porque eu tirei minha identidade quando eu fiz o meu nome. Eu já tirei eu mesma escrevendo meu nome mesmo e eu acho que já consigo resolver muitas coisas sozinhas que antes eu não conseguia...”

Maria Ribeiro exemplificou que as maiores dificuldades do passado eram: pegar ônibus, fazer uma compra, ver os preços e tudo que se relacionasse a “ver os números”, ou seja, os preços. Todas essas coisas, atualmente, ela admitiu dominar e, por isso: “Agora, eu me sinto mais um pouco avançada.”

Nesse contexto, Maria Ribeiro declarou que “hoje em dia a pessoa tem que saber de tudo.” Dentre o grupo, ela foi quem mais destacou a hierarquia de valores existente entre indivíduos que dominam e aqueles que não dominam a língua escrita, chegando a verbalizar: “Quem é alfabetizado é melhor do que uma pessoa que não sabe de nada. Quem é alfabetizado tem mais sabedoria, entende mais das coisas e quem não sabe, não é alfabetizado, não entende nada.”

3.1.7 Maria Sousa, 73 anos, nascida em Monjolos (MG)