• Nenhum resultado encontrado

O C´alculo Diferencial e Integral ´e, em larga medida, o estudo de limites. Antes de iniciar o estudo desta no¸c˜ao, ´e justo observar que, tal como para muitas outras ideias b´asicas na Matem´atica, o entendimento que hoje te- mos sobre limites resulta de um longo e laborioso processo de explora¸c˜ao, experimenta¸c˜ao e an´alise, que literalmente se iniciou h´a milhares de anos, e que ocupou e ocupa alguns dos maiores g´enios cient´ıficos da Hist´oria. ´E por isso natural qualquer um de n´os ter dificuldades quando confrontado pela primeira vez com estes temas.

Devemos preocuparmo-nos no nosso trabalho com trˆes aspectos comple- mentares que temos de dominar, a saber:(12)

• De um ponto de vista intuitivo, ´e necess´ario entender a utilidade e aplicabilidade da no¸c˜ao de limite, ou seja, perceber para que serve, porque foi investigada, onde e porquˆe ´e ´util,

• De um ponto de vista mais rigoroso e formal, ´e preciso conhecer a defini¸c˜ao que hoje ´e considerada apropriada, e

• De um ponto de vista mais pr´atico, e certamente relevante para a sua aplica¸c˜ao nos dom´ınios cient´ıficos e t´ecnicos cujo estudo deseja- mos aprofundar, temos que aprender t´ecnicas e resultados que nos permitem calcular limites.

Relativamente ao aspecto intuitivo que referimos acima, podemos para j´a indicar alguns exemplos simples, de ´ındole geom´etrica ou cinem´atica:

• Qual ´e a recta tangente ao gr´afico de y = sen x no ponto x = 0? • Se um grave se move de acordo com a lei de Galileu, i.e., x = gt2/2,

qual ´e a sua velocidade instantˆanea no instante t0?

• Porque raz˜ao o comprimento da circunferˆencia de raio 1 ´e exactamente o dobro da sua ´area?

Qualquer um destes exemplos ´e sugestivo, por envolver no¸c˜oes (“recta tangente”, “velocidade instantˆanea”, “comprimento da circunferˆencia”, “´area do c´ırculo”) sobre as quais temos algum entendimento intuitivo, mas para as quais, pelo menos `a partida, carecemos de defini¸c˜oes precisas. O que ´e comum `a forma que encontr´amos para as definir, estudar e quantificar ´e a utiliza¸c˜ao dos seguintes princ´ıpios gerais:

• A no¸c˜ao em causa, `a partida nem sequer bem definida, ´e substitu´ıda por uma aproxima¸c˜ao cuja defini¸c˜ao e c´alculo apresenta menos dificuldades pr´aticas,

• O processo de aproxima¸c˜ao ´e analisado de forma a verificar se o erro da aproxima¸c˜ao, que em geral nunca se anula, pode ser tornado arbi- trariamente pequeno, e

• A no¸c˜ao em causa ´e definida e as suas propriedades calculadas a partir do que chamamos “passagem ao limite”.

12Claro que devemos preocuparmo-nos com estas quest˜oes, que de forma concisa s˜ao:

Para que serve? Como se define? Como se calcula? a prop´osito de praticamente todas as no¸c˜oes “sofisticadas” que nos propomos estudar e aplicar.

Relativamente aos trˆes casos acima indicados, estes princ´ıpios podem ser aplicados da seguinte forma.

Exemplos 2.3.1.

1. A recta rx que passa pelos pontos (0, 0) e (x, sen x) ´e uma aproxima¸c˜ao da

recta tangente ao gr´afico da fun¸c˜ao sen, e parece intuitivamente evidente que essa aproxima¸c˜ao ´e tanto melhor quanto menor for o valor absoluto de x. O declive da recta rx ´e dado por

mx= sen x− sen 0 x− 0 = sen x x x sen x

Figura 2.3.1: Tangente ao gr´afico de sen x em (0, 0).

N˜ao podemos usar esta express˜ao quando x = 0, valor para a qual nem est´a definida, mas ´e claro do teorema 2.2.3 que, como a fun¸c˜ao sen ´e ´ımpar,

cos x <sen x

x < 1, quando 0 <|x| < π/2 ´

E geometricamente evidente que cos x se aproxima de 1 quando x se aproxima de 0, ou seja, a diferen¸ca 1− cos x torna-se arbitrariamente pequena `a medida que x se aproxima de 0. As desigualdades acima mostram assim que o declive mx< 1 ´e superior a cos x, e portanto a diferen¸ca 1−mx, sem nunca ser 0, torna-

se arbitrariamente pequena `a medida que x se aproxima de 0. Escreveremos por isso que

sen x

x → 1 quando x → 0, ou limx→0

sen x x = 1

Conclu´ımos que a recta tangente ao gr´afico no ponto (0, 0), que naturalmente cont´em o ponto (0, 0), tem declive m = 1. A recta tangente tem portanto equa¸c˜ao y = x.

2. A velocidade m´edia no intervalo de t = t0 a t = t16= t0 ´e uma aproxima¸c˜ao

da velocidade instantˆanea em t = t0, e essa aproxima¸c˜ao melhora quando t1se

aproxima de t0. Temos no caso da queda dos graves que a distˆancia percorrida

pelo desde o instante inicial 0 ´e dada por x = gt2/2, e portanto a velocidade

m´edia no intervalo [t0, t1] ´e

vm= gt2 1/2− gt20/2 t1− t0 = g 2 t2 1− t20 t1− t0 = g 2(t1+ t0), se t16= t0.

´

E claro que t1+ t0 se aproxima de 2t0 quando t1 se aproxima de t0. Dizemos

por isso que a velocidade instantˆanea em t = t0´e v = gt0, e escrevemos

v = lim t1→t0 vm= lim t1→t0 gt2 1/2− gt20/2 t1− t0 = gt0

Note-se de passagem que os dois exemplos anteriores correspondem precisa- mente ao mesmo problema geom´etrico, a saber, o c´alculo do declive da recta tangente a uma curva num dado ponto.

3. Qualquer c´ırculo S pode ser aproximado pelo pol´ıgono regular de n lados inscrito no dado c´ırculo, que aqui designamos por Rn. ´E mais uma vez intui-

tivamente claro que o per´ımetro Pn e ´area An de Rn s˜ao aproxima¸c˜oes (neste

caso, por defeito) do per´ımetro P e ´area A de S, e que a aproxima¸c˜ao se torna mais exacta `a medida que o n´umero de lados n aumenta. Sendo rn o

ap´otema de Rn, ´e f´acil verificar a partir da f´ormula da ´area do triˆangulo que

An = Pnrn/2. Como rn se aproxima do raio r do c´ırculo quando n aumenta,

Pnrn/2 aproxima-se de P r/2, e ´e razo´avel concluir que

P = lim

n→+∞Pn, e A = limn→+∞An= limn→+∞Pnrn/2 = P r/2.

Este ´ultimo exemplo ilustra o c´alculo de limites de sucess˜oes que, como vere-

mos, ´e um caso particular do limite de fun¸c˜oes.

r6

r12

Figura 2.3.2: Aproxima¸c˜oes do c´ırculo por R6 e R12.

´

E claro que as observa¸c˜oes acima n˜ao constituem uma defini¸c˜ao rigorosa da no¸c˜ao de limite, que ali´as s´o foi obtida muitos s´eculos depois de a pr´opria no¸c˜ao de limite ser rotinamente utilizada na Matem´atica! Conhecem-se hoje diversas alternativas satisfat´orias, e a que passamos a apresentar deve- se sobretudo ao grande matem´atico do s´eculo XIX Augustin-Louis Cauchy.

Para a entender, considere-se uma qualquer fun¸c˜ao f : D→ R, onde D ⊂ R, e um dado ponto a ∈ R. Pretendemos definir o limite de f(x) quando x tende para a. Quando esse limite ´e b, escrevemos normalmente, e como vimos acima,

b = lim

x→af (x) ou f (x)→ b quando x → a

O ponto a pode n˜ao pertencer ao dom´ınio de defini¸c˜ao D, e na realidade o valor f (a), se estiver definido, ´e irrelevante para a defini¸c˜ao do limite de f (x) quando x→ a. ´E no entanto essencial que qualquer vizinhan¸ca de a contenha pontos do dom´ınio de f distintos de a, o que podemos indicar na forma

Para qualquer δ > 0, Vδ′(a)∩ D 6= ∅.

Dizemos neste caso que a ´e um ponto de acumulac¸˜ao do conjunto D. Exemplos 2.3.2.

1. Se D =]0, 1[, ent˜ao os pontos de acumula¸c˜ao de D formam o intervalo [0, 1]. Se f : D→ R, podemos estudar os limites da forma

lim

x→af (x) para qualquer a∈ [0, 1].

Mais geralmente, se D ´e uma uni˜ao de uma fam´ılia finita de intervalos, cada um com mais do que um ponto, ent˜ao os pontos de acumula¸c˜ao de D s˜ao os pontos desses intervalos e os respectivos extremos(13).

2. O conjunto D ={1/n : n ∈ N} tem um ´unico ponto de acumula¸c˜ao, que ´e a = 0. Se f : D→ R ent˜ao podemos estudar o limite de f(x) apenas quando x→ 0.

3. Se D = Q ent˜ao o conjunto dos pontos de acumula¸c˜ao de D ´e R, porque qual- quer intervalo aberto n˜ao-vazio cont´em n´umeros racionais, como ali´as cont´em igualmente irracionais. Por esta raz˜ao, a mesma conclus˜ao ´e v´alida para o conjunto D = R\Q dos irracionais.

Conforme estes exemplos sugerem, dizemos que f (x)→ b quando x → a se a diferen¸ca|f(x) − b| se pode reduzir a valores arbitrariamente pequenos

desde que se reduza suficientemente a diferen¸ca |x − a| mas mantendo x6= a.

Por outras palavras, dado um qualquer “erro admiss´ıvel” ε > 0, que estamos dispostos a tolerar na diferen¸ca |f(x) − b|, existe sempre um cor- respondente “n´ıvel de exigˆencia” δ > 0 tal que, quando 0 < |x − a| < δ e x∈ D, ent˜ao |f(x) − b| < ε. Mais formalmente:

13Um intervalo com apenas um ponto, como qualquer outro conjunto finito, n˜ao tem

Defini¸c˜ao 2.3.3. Se f : D → R, onde D ⊂ R, e a ∈ R ´e um ponto de acumula¸c˜ao de D, dizemos que f tem limite b quando x tende para a se e s´o se

(1) ∀ε>0 ∃δ>0∀x∈D 0 <|x − a| < δ =⇒ |f(x) − b| < ε.

Como Vσ(z) ={x ∈ R : |x − z| < σ} e Vσ′(z) ={x ∈ R : 0 < |x − z| < σ}, a

afirma¸c˜ao (1) acima pode tamb´em ser escrita como:

(2) ε>0 ∃δ>0 x∈ Vδ′(a)∩ D =⇒ f(x) ∈ Vε(b).

Na defini¸c˜ao 2.3.3, ´e claro que o valor de δ depende da pr´evia fixa¸c˜ao do valor de ε, mas a defini¸c˜ao n˜ao especifica como se pode obter esse valor de δ, nem ´e razo´avel que o fa¸ca, porque a determina¸c˜ao de δ exige tamb´em a especifica¸c˜ao da fun¸c˜ao f e do ponto a onde o limite est´a a ser calculado. A aplica¸c˜ao directa da defini¸c˜ao 2.3.3 ao c´alculo de limites espec´ıficos resume-se por isso a mostrar exactamente como podemos calcular um valor apropriado de δ para cada valor de ε, como ilustramos nos seguintes exemplos:

a a− δ a + δ b

b− ε b + ε

Figura 2.3.3: O limite de f (x) quando x→ a n˜ao depende de f(a).

A defini¸c˜ao 2.3.3 pode ser usada para estabelecer alguns limites particu- larmente simples.

Observa¸c˜oes 2.3.4.

1. Limite de uma constante: Se f (x) = c , ∀ x ∈ R e a ∈ R, ent˜ao lim

x→af (x) = c, i.e. limx→ac = c.

Dem. Se ε > 0, temos |f(x) − c| = |c − c| = 0 < ε para todos os x ∈ R, e

portanto qualquer δ > 0 satisfaz a condi¸c˜ao na defini¸c˜ao 2.3.3.

2. Limite da func¸˜ao identidade: Se f (x) = x , ∀ x ∈ R e a ∈ R, ent˜ao lim

Dem. Como|f(x) − a| = |x − a|, basta tomar δ = ε.

3. Limite do valor absoluto: Se f (x) =|x| , ∀ x ∈ R e a ∈ R, ent˜ao lim

x→af (x) = limx→a|x| = |a|.

Dem. Como|f(x) − |a|| = ||x| − |a|| ≤ |x − a|, tomamos novamente δ = ε. 4. Limites das func¸˜oes seno e cosseno: Temos para qualquer a∈ R que

lim

x→asen x = sen a e limx→acos x = cos a

Dem. Nos exemplos 2.2.5, obtiv´emos as desigualdades

|sen x − sen a| ≤ |x − a| e |cos x − cos a| ≤ |x − a| Tomando mais uma vez δ = ε ´e imediato que

|x − a| < δ =⇒ | sen x − sen a| ≤ |x − a| < δ = ε e, analogamente, |x − a| < δ =⇒ | cos x − cos a| < ε

O limite de uma fun¸c˜ao, quando existe, ´e ´unico, porque a mesma fun¸c˜ao n˜ao pode estar simultaneamente muito pr´oxima de valores distintos.

Teorema 2.3.5. (Unicidade do Limite) Seja f uma fun¸c˜ao e suponha-se que f (x)→ b e f(x) → c quando x → a. Ent˜ao b = c.

Demonstra¸c˜ao. Dado ε > 0, observamos que, por hip´otese,

(1) Existe δ1 > 0 tal que 0 <|x − a| < δ1 =⇒ |f(x) − b| < ε

(2) Existe δ2 > 0 tal que 0 <|x − a| < δ2 =⇒ |f(x) − c| < ε

Sendo δ = min1, δ2}, existe x ∈ D tal que 0 < |x − a| < δ, e conclu´ımos

de (1) e (2) que|f(x) − b| < ε e |f(x) − c| < ε, donde |b − c| ≤ |b − f(x)| + |f(x) − c| < ε + ε = 2ε.

Como|b−c| ≤ ε para qualquer ε > 0, segue-se imediatamente que |b−c| = 0, ou seja, b = c.

O pr´oximo teorema deve ser de verifica¸c˜ao imediata, porque resulta da aplica¸c˜ao direta da defini¸c˜ao 2.3.3.

Teorema 2.3.6. Se f ´e uma fun¸c˜ao real de vari´avel real e a ´e ponto de acumula¸c˜ao do seu dom´ınio ent˜ao

lim

x→af (x) = b⇐⇒ limx→a(f (x)− b) = 0 ⇐⇒ limx→a|f(x) − b| = 0

Exemplos 2.3.7. Nos casos seguintes, os limites em causa n˜ao existem. 1. Consideramos a fun¸c˜ao dada por f (x) = sen(1/x), que est´a definida para

x6= 0, e passamos a mostrar que lim x→0sen  1 x  N ˜AO existe

Dem. Argumentamos por “redu¸c˜ao ao absurdo”, supondo que o limite existe e tem o valor b. Neste caso, e de acordo com a defini¸c˜ao 2.3.3, se tomarmos ε = 1

2 sabemos que existe δ > 0 tal que

0 <|x| < δ =⇒ |f(x) − b| < ε = 12

Notamos que, se x′ tamb´em satisfaz a condi¸c˜ao 0 < |x| < δ, ent˜ao temos

igualmente, da desigualdade triangular,

(1)|f(x) − f(x′)| ≤ |f(x) − b| + |b − f(x)| < 1

2+ 1 2 = 1 ´

E f´acil calcular os pontos onde f (x) = ±1, porque sen t = ±1 quando t = ±π 2 + 2nπ, ou seja, f (x) =±1 ⇐⇒ 1 x=± π 2 + 2nπ⇐⇒ x = 1 2nπ± π/2. Existem pontos da forma x = 2nπ+π/21 e x′ = 1

2nπ−π/2 na vizinhan¸ca Vδ(0),

qualquer que seja δ, e ´e claro que |f(x) − f(x)| = 2, porque f(x) = 1 e

f (x′) =−1, o que obviamente contradiz (1).

2. A fun¸c˜ao de Dirichlet introduzida no exemplo 2.1.1.4 ´e igualmente um exem- plo muito interessante, porque

lim

x→adir(x) n˜ao existe, qualquer que seja o ponto a∈ R

Dem. O argumento ´e an´alogo ao anterior. Se o limite existe e ´e igual a b

quando x→ a, tomamos, por exemplo, ε = 1/3, e supomos que existe δ > 0 tal que

(1) 0 <|x − a| < δ =⇒ | dir(x) − b| < ε = 1 3 A vizinhan¸ca V′

δ(a) contem pontos x∈ Q e x′ 6∈ Q e, para esses pontos, temos

| dir(x) − dir(x′)| ≤ | dir(x) − b| + |b − dir(x′)| < ε + ε = 2 3 A desigualdade| dir(x) − dir(x′)| < 2

3 ´e absurda, porque dir(x) = 0 e dir(x′) =

Documentos relacionados