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Folhas. Cálculo Diferencial e Integral I LMAC/MEBiom/MEFT 1 o semestre 2015/16

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(1)

alculo Diferencial e Integral I

LMAC/MEBiom/MEFT

1

o

semestre 2015/16

Miguel Abreu Rui Loja Fernandes

Manuel Ricou

Departamento de Matem´atica Instituto Superior T´ecnico

(2)
(3)

1 Os N´umeros Reais 1

1.1 Propriedades Alg´ebricas . . . 4

1.2 Desigualdades e Rela¸c˜ao de Ordem . . . 9

1.3 O Axioma do Supremo . . . 14

1.4 N´umeros Naturais e Indu¸c˜ao . . . 21

1.5 Conjuntos Infinitos . . . 34

2 Limites e Continuidade 37 2.1 No¸c˜oes Elementares sobre Fun¸c˜oes . . . 37

2.2 Exemplos de Fun¸c˜oes Reais de Vari´avel Real . . . 45

2.2.1 Fun¸c˜oes Polinomiais e Racionais . . . 45

2.2.2 Fun¸c˜oes Trigonom´etricas . . . 46

2.2.3 Fun¸c˜oes Exponencial e Logaritmo . . . 55

2.3 Limite de uma fun¸c˜ao num ponto . . . 60

2.4 Propriedades Elementares de Limites . . . 68

2.5 Limites Laterais, Infinitos e no Infinito . . . 75

2.6 Indetermina¸c˜oes . . . 81

2.7 Continuidade . . . 84

2.8 Fun¸c˜oes Cont´ınuas em Intervalos . . . 88

3 Derivadas 95 3.1 Derivada de Uma Fun¸c˜ao num Ponto . . . 95

3.2 Regras de Deriva¸c˜ao . . . 104

3.3 Derivada de Fun¸c˜oes Compostas . . . 106

3.4 O Teorema de Lagrange . . . 112

3.5 Teorema e Regra de Cauchy . . . 120

3.6 Extremos, Concavidade e Ass´ımptotas . . . 129

3.7 Polin´omios de Taylor . . . 141

4 Integrais 153 4.1 Introdu¸c˜ao . . . 153

4.2 Os Teoremas Fundamentais do C´alculo (I) . . . 159

4.3 T´ecnicas de Primitiva¸c˜ao . . . 165 i

(4)

4.3.1 Primitiva¸c˜ao e Integra¸c˜ao por Partes . . . 167

4.3.2 Primitiva¸c˜ao por Substitui¸c˜ao . . . 169

4.3.3 Primitiva¸c˜ao de Fun¸c˜oes Racionais . . . 171

4.3.4 Primitiva¸c˜ao de Fun¸c˜oes Trigonom´etricas . . . 178

4.4 O Integral de Riemann . . . 181

4.5 Fun¸c˜oes Integr´aveis . . . 190

4.6 Os Teoremas Fundamentais do C´alculo (II) . . . 197

5 Sucess˜oes e S´eries 203 5.1 Defini¸c˜oes B´asicas . . . 203

5.2 Sucess˜oes . . . 211

5.3 S´eries de Termos N˜ao-Negativos . . . 214

5.3.1 Crit´erio de Compara¸c˜ao . . . 215

5.3.2 Crit´erio Integral . . . 217

5.3.3 Crit´erio do Limite . . . 219

5.3.4 Crit´erios da Ra´ız e da Raz˜ao . . . 220

5.4 Outras S´eries Num´ericas . . . 223

5.5 S´eries de Taylor . . . 226

(5)

Os N´

umeros Reais

A sociedade contemporˆanea ´e sustentada por uma complexa infraestrutura tecnol´ogica desenhada e constru´ıda por engenheiros mas que, em ´ultima an´alise, deve a sua existˆencia `as grandes teorias cient´ıficas da actualidade. Estas teorias assentam, por sua vez, numa base matem´atica de enorme sofis-tica¸c˜ao t´ecnica, cuja explora¸c˜ao exaustiva se tornou poss´ıvel pelo explosivo desenvolvimento das tecnologias de informa¸c˜ao e comunica¸c˜oes. Em termos pr´aticos, ´e hoje imposs´ıvel compreender e aplicar muito do conhecimento cient´ıfico mais relevante sem dominar os conceitos e resultados matem´aticos indispens´aveis `a elabora¸c˜ao e explora¸c˜ao desse conhecimento. Sendo a En-genharia sobretudo a aplica¸c˜ao de conhecimentos cient´ıficos `a resolu¸c˜ao de problemas pr´aticos espec´ıficos, os seus profissionais necessitam de forma¸c˜ao acad´emica com uma s´olida componente matem´atica, e este texto foi conce-bido exactamente como um instrumento de trabalho ´util a alunos de enge-nharia e ´areas afins na fase mais inicial do seu percurso universit´ario.

Pode ser ´util identificar desde j´a algumas das especificidades que dis-tinguem a Matem´atica de outros ramos do conhecimento humano. A sua escala temporal ´e seguramente excepcional. A Matem´atica tem uma hist´oria literalmente milenar, e temas como os de C´alculo Diferencial e Integral que aqui nos ocupar˜ao, que come¸caram a ser intensamente explorados h´a mais de 300 anos, s˜ao em certo sentido “modernos”, pelo menos quando observados nesse contexto. Por oposi¸c˜ao, ´e evidente que ´areas cient´ıficas e tecnol´ogicas ob´ıquas na actualidade, como a electr´onica, os sistemas de informa¸c˜ao, a energia at´omica, o aeroespacial, as telecomunica¸c˜oes s˜ao cria¸c˜oes de um passado muito recente, que se mede no m´aximo em algumas d´ecadas(1).

A pr´opria produ¸c˜ao da Matem´atica obedece tamb´em a m´etodos muito pr´oprios, de abstrac¸c˜ao, reflex˜ao e dedu¸c˜ao l´ogica, numa actividade que apa-rece normalmente a observadores externos como “irrelevante” e totalmente

1Estima-se que estejam hoje vivos cerca de 90% de todos os cientistas que j´a viveram,

e os alunos que entraram no IST em 2014 nasceram aproximadamente quando a Internet passou a estar comercialmente dispon´ıvel em Portugal.

(6)

desligada da “vida pr´atica”, envolvendo conceitos pouco comuns como os de “axioma” e “teorema”. Curiosamente, esta concep¸c˜ao da natureza da Matem´atica, no que hoje chamamos exactamente o m´etodo axiom´atico, ´e ela pr´opria muito antiga, porque foi vislumbrada pelo menos h´a mais de 25 s´eculos, no per´ıodo ´aureo da Gr´ecia Antiga. Nessa altura, alguns dos fil´osofos e matem´aticos mais famosos da Hist´oria compreenderam, talvez pela primeira vez, que as infinitas propriedades das figuras geom´etricas usu-ais podem ser deduzidas de um pequeno conjunto de propriedades iniciusu-ais, os chamados axiomas, e n˜ao s˜ao por isso independentes entre si. Esta des-coberta teve enorme impacto no desenvolvimento cultural da Humanidade, e marca para muitos a descoberta do m´etodo cient´ıfico como o instrumento apropriado ao estudo e compreens˜ao da realidade objectiva.

A t´ıtulo de exemplo, o mais antigo desenvolvimento axiom´atico da Ge-ometria que chegou aos nossos dias foi escrito por Euclides, em Alexandria, por volta de 300 A.C., e ´e conhecido como os Elementos (de Euclides)(2). Euclides introduziu como termos indefinidos da da sua teoria no¸c˜oes como as de ponto, linha e plano, que representam por isso conceitos a estudar no con-texto da teoria, mas que essa teoria n˜ao define. O texto original de Euclides refere apenas 5 axiomas, exprimindo propriedades destas no¸c˜oes tomadas como b´asicas, sendo que destes o quinto axioma sempre foi o mais famoso e controverso, por ser menos “´obvio”. Pode ser formulado como o axioma das paralelas: por um ponto exterior a uma recta passa uma e uma s´o recta paralela `a recta dada. Foi apenas no s´eculo XIX que alguns matem´aticos (Gauss, Bolyai, Lobachevski) se aventuraram a negar este axioma, desco-brindo desta forma geometrias que hoje chamamos n˜ao-euclidianas. Uma das vers˜oes modernas mais famosas da Geometria Euclidiana baseia-se em 20 axiomas(3).

´

E hoje um dado adquirido que qualquer teoria matem´atica sup˜oe como ponto de partida a existˆencia de determinados objectos abstractos, que s˜ao os seus termos indefinidos, a partir dos quais se podem introdu-zir definic¸˜oes de outros objectos abstractos. Sup˜oe al´em disso que esses objectos gozam de um conjunto de propriedades b´asicas, e s˜ao estas proprie-dades que constituem os axiomas da teoria. De uma forma um pouco mais precisa, deve entender-se que

• Os termos indefinidos s˜ao conceitos abstractos b´asicos que a teoria estuda, mas que n˜ao define em termos de outras no¸c˜oes porventura mais elementares, e

2A Geometria de Euclides ´e sem d´uvida o mais famoso texto cient´ıfico de sempre, e

provavelmente o livro mais publicado na Hist´oria a seguir aos grandes textos religiosos como a B´ıblia e o Cor˜ao.

3Apresentada pelo grande matem´atico alem˜ao David Hilbert, 1862-1943, em 1899.

O trabalho de Hilbert sobre Geometria est´a dispon´ıvel na Internet, atrav´es do Projeto Gutenberg.

(7)

• Os axiomas s˜ao as propriedades dos termos indefinidos que a teoria sup˜oe verdadeiras sem as deduzir a partir de quaisquer outras. O desenvolvimento da teoria ´e, simplesmente, a explora¸c˜ao das consequˆencias l´ogicas das propriedades referidas nos axiomas, e s˜ao essas consequˆencias que constituem os teoremas dessa teoria. Bem entendido, n˜ao nos pro-pomos apresentar neste texto o laborioso processo de constru¸c˜ao de todas as entidades matem´aticas necess´arias ao estudo do C´alculo Diferencial e Integral a partir duma base axiom´atica razoavelmente completa. Esse pro-cesso de constru¸c˜ao, que ´e de interesse sobretudo para um grupo restrito de matem´aticos profissionais, n˜ao ´e seguramente apropriado ao que ser´a, em muitos casos, o primeiro contacto com ideias aqui apresentadas e discutidas. Mais concretamente, limitamo-nos a aceitar de uma forma “ing´enua”, ou seja, sem qualquer tentativa de formaliza¸c˜ao, as principais no¸c˜oes e resulta-dos da Teoria resulta-dos Conjuntos, que ´e em ´ultima an´alise o ponto de partida de toda a Matem´atica actual. Em particular, o texto pressup˜oe que o leitor co-nhece e entende essas no¸c˜oes e a nota¸c˜ao em que usualmente se exprimem. Para al´em disso, e como base para a explora¸c˜ao das ideias espec´ıficas do C´alculo Diferencial e Integral, limitamo-nos a tomar a no¸c˜ao de n´umero real como termo indefinido, e seleccionamos um conjunto apropriado de propri-edades b´asicas dos n´umeros reais como axiomas. Todas essas propriedades dizem respeito `as opera¸c˜oes de soma e produto e `a rela¸c˜ao de ordem entre reais (“maior do que”, “menor do que”, etc.), devem ser bem conhecidas, e o leitor estar´a provavelmente habituado a tom´a-las como “evidentes”, i.e., a aceit´a-las sem qualquer discuss˜ao ou an´alise mais profunda, com a poss´ıvel excep¸c˜ao do chamado Axioma do Supremo. Neste primeiro Cap´ıtulo, foca-mos a nossa aten¸c˜ao neste axioma em particular, e aproveitamos tamb´em para formalizar um pouco melhor a no¸c˜ao de n´umero natural, e fundamentar o chamado princ´ıpio de indu¸c˜ao.

Com a excep¸c˜ao j´a referida de resultados e ideias base da Teoria dos Con-juntos, todas as restantes defini¸c˜oes aqui introduzidas n˜ao envolvem outros conceitos, e todas as afirma¸c˜oes aqui inclu´ıdas s˜ao teoremas demonstrados a partir dos axiomas iniciais, usando as leis da L´ogica. Naturalmente, ´e in-dispens´avel adquirir, em paralelo com o desenvolvimento rigoroso da teoria, um entendimento intuitivo dos resultados obtidos, que ajuda em particular a compreender como as ideias em causa s˜ao ´uteis na constru¸c˜ao de modelos matem´aticos da realidade f´ısica. Em particular, a usual interpreta¸c˜ao dos n´umeros reais como pontos de uma recta, dita recta real, ´e indispens´avel ao seu entendimento intuitivo. A correspondˆencia entre n´umeros e pontos depende da escolha de uma unidade de medida, e essa escolha pode ser feita seleccionando dois pontos espec´ıficos para corresponderem aos reais zero e um. Essa escolha determina tamb´em um sentido crescente na recta, do ponto 0 para o ponto 1, que materializa outra das propriedades mais funda-mentais dos reais, o seu ordenamento. O primeiro axioma que apresentamos

(8)

limita-se a introduzir as entidades mais b´asicas que nos propomos estudar: os n´umeros reais e as usuais opera¸c˜oes de soma e produto.

Axioma I. Existe um conjunto R, dito dos n´umeros reais. Existem duas opera¸c˜oes alg´ebricas em R, a soma (ou adi¸c˜ao) e o produto (ou multi-plica¸c˜ao), designadas por “+” e “·”, ou seja, se x, y ∈ R ent˜ao x + y ∈ R e x· y ∈ R. O conjunto R inclui elementos distintos 0 (zero) e 1 (um).

1 0

R

Como ´e usual, muitas vezes omitimos o s´ımbolo “·”, i.e., escrevemos xy em vez de x· y. Usamos as habituais conven¸c˜oes sobre parˆenteses e a prioridade das opera¸c˜oes sem mais coment´arios, e.g.,

(x + y)· z 6= x + y · z = x + (y · z).

1.1

Propriedades Alg´

ebricas

O pr´oximo axioma ´e a lista das propriedades alg´ebricas das opera¸c˜oes de adi¸c˜ao e multiplica¸c˜ao que tomamos como ponto de partida:

Axioma II. Temos para quaisquer a, b, c∈ R que: 1. Comutatividade: a + b = b + a e a· b = b · a.

2. Associatividade: (a + b) + c = a + (b + c) e (a· b) · c = a · (b · c). 3. Distributividade: a· (b + c) = a · b + a · c.

4. Elementos Neutros: a + 0 = a· 1 = a.

5. Sim´etricos: A equa¸c˜ao a + x = 0 tem solu¸c˜ao x∈ R. 6. Inversos: Se a6= 0, a equa¸c˜ao a · y = 1 tem solu¸c˜ao y ∈ R.

Como j´a referimos, as propriedades indicadas acima s˜ao bem conhecidas e ´e comum tom´a-las como “´obvias”. O axioma acima mais n˜ao faz do que formalizar essa op¸c˜ao. Mas ´e interessante notar que estas propriedades n˜ao

(9)

ao certamente espec´ıficas dos n´umeros reais, porque s˜ao igualmente satis-feitas, e.g., pelos n´umeros racionais e pelos n´umeros complexos(4).

Como a soma e o produto s˜ao comutativos, muitas das afirma¸c˜oes no axioma II podem tomar m´ultiplas formas, que usaremos sem coment´arios adicionais. Por exemplo, ´e claro que

• a + 0 = 0 + a = a · 1 = 1 · a = a (em 4), • a + x = x + a = 0 (em 5) e

• a · y = y · a = 1 (em 6).

Passamos a mostrar que muitas outras propriedades alg´ebricas elementares dos reais n˜ao s˜ao independentes das que indic´amos no axioma II, porque s˜ao sua consequˆencia l´ogica, i.e., s˜ao teoremas da teoria que aqui desenvol-vemos. Por exemplo, o axioma II n˜ao faz qualquer referˆencia `a unicidade dos elementos 0 e 1 que s˜ao referidos em 4, nem muito menos `a unicidade (para cada real a) dos reais x e y referidos em 5 e 6. Na realidade, tal referˆencia seria sup´erflua, porque a unicidade referida resulta das proprie-dades j´a indicadas, e ´e um caso particular do que ´e usual chamar as “Leis do Corte”:

Teorema 1.1.1. Para quaisquer a, u, v ∈ R, temos

a) Lei do corte para a soma: u + a = v + a =⇒ u = v.

b) Lei do corte para o produto: a6= 0 e u · a = v · a =⇒ u = v. Demonstra¸c˜ao. Para provar a), observamos que, dado a∈ R,

(1) ∃x ∈ R tal que a + x = 0 De acordo com II.5.

=⇒ (u + a) + x = (v + a) + x Pela hip´otese u + a = v + a. = u + (a + x) = v + (a + x) A soma ´e associativa: II.2.

= u + 0 = v + 0 De acordo com (1).

=⇒ u = v 0 ´e neutro da soma: II.4.

A afirma¸c˜ao b) prova-se de forma inteiramente an´aloga.

As seguintes observa¸c˜oes resultam directamente destas “Leis do Corte”. Teorema 1.1.2 (Unicidade dos neutros, sim´etricos e inversos).

4Os n´umeros racionais s˜ao da forma n/m, em que n e m s˜ao inteiros. Os complexos

s˜ao da forma x + iy com x, y ∈ R e i = √−1. Qualquer conjunto n˜ao vazio com duas opera¸c˜oes alg´ebricas que satisfa¸ca as propriedades 1 a 6 diz-se um corpo. Temos portanto que Q (formado pelos racionais), R (formado pelos reais) e C (formado pelos complexos) s˜ao corpos.

(10)

a) Unicidade do Elemento Neutro da Soma: Se x∈ R e existe a ∈ R tal que a + x = a ent˜ao x = 0. b) Unicidade dos Sim´etricos:

Para cada a∈ R existe um ´unico x ∈ R tal que a + x = 0. c) Unicidade do Elemento Neutro do Produto:

Se y∈ R e existe a 6= 0 tal que a · y = a ent˜ao y = 1. d) Unicidade dos Inversos:

Para cada a6= 0 existe um ´unico y ∈ R tal que a · y = 1. Demonstra¸c˜ao. Para verificar a), observamos que

(1) a + x = a Por hip´otese, (2) a + 0 = a De II.4. =⇒ a + x = a + 0 De (1) e (2).

= x = 0 Da Lei do Corte para a soma.

Para provar b), supomos que x, x′ ∈ R satisfazem a + x = 0 = a + x′. Como a + x = a + x′, segue-se da lei do corte para a soma que x = x.

As afirma¸c˜oes c) e d) provam-se de forma an´aloga. As seguintes defini¸c˜oes s˜ao elementares:

Defini¸c˜ao 1.1.3 (Sim´etricos e inversos, diferen¸cas e quocientes). Dados a, b∈ R, ent˜ao

a) A solu¸c˜ao x de a + x = 0 ´e o sim´etrico de a, designado−a. b) Se a6= 0, a solu¸c˜ao y de a · y = 1 ´e o inverso de a, designado a−1.

c) A diferenc¸a b menos a, designada b− a, ´e dada por b − a = b + (−a). d) Se a 6= 0, o quociente de b por a, designado b/a ou b

a, ´e dado por

b/a = b· (a−1). Em particular, 1/a = 1· a−1= a−1(5). ´

E f´acil mostrar que o sim´etrico de 0 ´e 0, i.e., 0 = −0, e o inverso de 1 ´e 1, 1−1 = 1 (porquˆe?). Note-se tamb´em que a diferen¸ca e o quociente

s˜ao exemplos simples de opera¸c˜oes alg´ebricas que n˜ao s˜ao comutativas nem associativas. O pr´oximo teorema lista mais propriedades alg´ebricas elemen-tares dos reais.

Teorema 1.1.4. Se a, b∈ R ent˜ao:

5A conven¸c˜ao usual sobre a prioridade das opera¸c˜oes elementares ´e a de que, na ausˆencia

de parˆenteses, as opera¸c˜oes s˜ao executadas na ordem (1) exponencia¸c˜ao, (2) produto e quociente e (3) soma e diferen¸ca. Podemos portanto escrever b/a = b · a−1 sem utilizar

parˆenteses. A exponencia¸c˜ao n˜ao ´e associativa, e ´e necess´ario distinguir a(bc

) 6= (ab)c =

(11)

a) A diferen¸ca x = b− a ´e a ´unica solu¸c˜ao de a + x = b em R. b) Se a6= 0, o quociente y = b/a ´e a ´unica solu¸c˜ao de a · y = b em R. c) 0· a = a · 0 = 0.

d) a· b = 0 se s s´o se a = 0 ou b = 0. e) Regras dos Sinais:

(i) −(−a) = a e −(a + b) = (−a) + (−b) = −a − b. (ii) −(a · b) = (−a) · b = a · (−b) e (−a) · (−b) = a · b. (iii) Se b6= 0, ent˜ao −(b−1) = (−b)−1.

Demonstra¸c˜ao. Provamos algumas destas afirma¸c˜oes, a t´ıtulo de exemplo, come¸cando com c). ´E claro que a· 0 = 0 · a, por comutatividade. Para mostrar que a· 0 = 0, notamos que:

a· 0 + a · 0 = a · (0 + 0) Por distributividade: II.3. =⇒ a· 0 + a · 0 = a · 0 Porque 0 + 0 = 0: II.4. =⇒ a· 0 + a · 0 = a · 0 + 0 Por II.4.

= a· 0 = 0 Pela lei do corte para a soma.

Para provar d), temos apenas que demonstrar que se a· b = 0 e b 6= 0 ent˜ao a = 0 (porquˆe?). Procedemos como se segue:

(a· b) · b−1= 0· b−1 Por hip´otese.

= a· (b · b−1) = 0 Por associatividade e c). = a· 1 = 0 Porque b· b−1= 1.

=⇒ a = 0 Porque a· 1 = a.

As demonstra¸c˜oes das restantes afirma¸c˜oes s˜ao sobretudo aplica¸c˜oes da lei do corte apropriada. Por exemplo, para mostrar que −(−a) = a, basta-nos verificar que

(1) (−a) + a = 0 Por defini¸c˜ao.

(2) (−a) + (−(−a)) = 0 Tamb´em por defini¸c˜ao. = (−a) + a = (−a) + (−(−a)) Por (1) e (2).

=⇒ a =−(−a) Pela lei do corte para a soma.

A demonstra¸c˜ao da identidade −(a · b) = (−a) · b ´e ligeiramente mais complexa:

a· b + (−a) · b = [a + (−a)] · b Por distributividade. = a· b + (−a) · b = 0 · b Porque a + (−a) = 0. = a· b + (−a) · b = 0 Porque 0· b = 0, por c). =⇒ a· b + (−a) · b = a · b + [−(a · b)] Porque a · b + [−(a · b)] = 0. = (−a) · b = −(a · b) Pela lei do corte para a soma.

(12)

Apresentamos a seguir as usuais regras para manipular frac¸c˜oes e os chamados “casos not´aveis” da multiplica¸c˜ao. A sua demonstra¸c˜ao n˜ao deve apresentar dificuldades.

Teorema 1.1.5. Sejam a, b, c, d∈ R, com b 6= 0 e d 6= 0. Temos ent˜ao: a) a/b6= 0 se e s´o se a 6= 0.

b) b/b = 1, para qualquer b6= 0.

c) a/b± c/d = (a · d ± b · c)/(b · d), (a/b) · (c/d) = (a · c)/(b · d). d) Se c/d6= 0 ent˜ao (a/b)/(c/d) = (a · d)/(b · c).

e) x2− y2= (x− y)(x + y) e (x ± y)2= x2+ y2± 2x · y.

Os resultados que j´a indic´amos s˜ao consequˆencia l´ogica dos axiomas I e II, mas n˜ao nos devem induzir no erro de imaginar que todas as propriedades mais ou menos “elementares” e/ou “´obvias” dos reais resultam desses axio-mas(6). A este respeito, ´e muito ´util reconhecer que o conjunto Z

2={0, 1}

com as opera¸c˜oes (da aritm´etica bin´aria) dadas pelas tabuadas

+ 0 1 0 0 1 1 1 0 · 0 1 0 0 0 1 0 1

satisfaz I e II(7). ´E por isso evidente que todas as propriedades que podemos demonstrar com base nos axiomas I e II s˜ao igualmente v´alidas para Z2 e

para R. Dito doutra forma, as propriedades de R que n˜ao s˜ao partilhadas por Z2 s˜ao imposs´ıveis de deduzir de I e II. Por exemplo,

• R ´e infinito(8) enquanto Z

2 tem apenas dois elementos. Portanto, o

facto de R ser infinito n˜ao ´e consequˆencia l´ogica dos axiomas apresen-tados, mas ´e uma propriedade independente destes.

• Por defini¸c˜ao, -1 ´e a solu¸c˜ao de 1 + x = 0, que sabemos ser ´unica. As tabuadas acima mostram que, em Z2, temos 1 + 1 = 0, donde

conclu´ımos que a identidade −1 = 1 ´e verdadeira em Z2. No entanto,

em R a equa¸c˜ao x = −x s´o tem a solu¸c˜ao x = 0. Notamos por isso que a afirma¸c˜ao 16= −1, por evidente que seja em R, tamb´em n˜ao ´e uma consequˆencia l´ogica de I e II.

6As propriedades que resultam dos axiomas I e II, em particular as que j´a referimos,

s˜ao comuns a qualquer corpo, incluindo naturalmente Q, R e C.

7Portanto, Z

2 ´e tamb´em um corpo.

8E poss´ıvel formalizar a no¸c˜´ ao de conjunto “infinito”, como veremos mais adiante, mas

(13)

Como existem propriedades elementares dos reais que n˜ao s˜ao consequˆencia l´ogica dos axiomas que indic´amos, ´e claro que os axiomas I e II n˜ao s˜ao uma base completa para o estudo dos reais.

Passamos a complement´a-los, mas n˜ao ainda a complet´a-los, na pr´oxima sec¸c˜ao, com afirma¸c˜oes relativas `as propriedades “de ordem” em R.

1.2

Desigualdades e Rela¸c˜

ao de Ordem

De um ponto de vista intuitivo, a origem divide a recta real em duas semi-rectas, formadas respectivamente pelos reais positivos e pelos reais negativos, e designadas R+ e R−. A soma de reais positivos ´e positiva, como a soma de reais negativos ´e negativa, e dizemos por isso que R+ e R− s˜ao fechados relativamente `a soma. E claro que o produto de elementos de R´ + est´a

tamb´em em R+, ou seja, R+´e tamb´em fechado relativamente ao produto, o que n˜ao ´e verdade para R−. Estas ideias podem ser formalizadas no: Axioma III. Existe um conjunto R+⊂ R, dos reais positivos, tal que:

1. Fecho de R+ em relac¸˜ao `a soma e ao produto:

Para quaisquer a, b∈ R+, temos a + b∈ R+, a· b ∈ R+. 2. Tricotomia: Qualquer a ∈ R verifica uma e uma s´o das seguintes

trˆes condi¸c˜oes:(9)

a∈ R+ ou a = 0 ou − a ∈ R+. O conjunto dos reais negativos pode ser agora definido por

R−={x ∈ R : −x ∈ R+}.

Segue-se de 1. e das “Regras dos Sinais” em 1.1.4 e)(i) que R−´e igualmente fechado para a soma, como referimos acima. A propriedade de tricotomia ´e equivalente a afirmar que os conjuntos R+, Re {0} s˜ao disjuntos e a sua

uni˜ao ´e R, ou seja, que os conjuntos R+, R− e {0} formam uma partic¸˜ao de R.

A desigualdade b > a, que lemos “b ´e maior do que a”, significa apenas que a solu¸c˜ao da equa¸c˜ao a + x = b ´e positiva, ou seja,

Defini¸c˜ao 1.2.1. (Rela¸c˜ao de Ordem em R) Se a, b∈ R, dizemos que a ´e maior que b⇐⇒ a > b ⇐⇒ (a − b) ∈ R+.

9Esta condi¸c˜

ao exige que a 6= −a quando a 6= 0, porque caso contr´ario seria imposs´ıvel que apenas uma das alternativas apresentadas fosse verdadeira. Em particular, o corpo Z2 com dois elementos n˜ao satisfaz um axioma an´alogo a III. No entanto, o axioma III ´e

(14)

As rela¸c˜oes ‘≥’ (maior ou igual), ‘<’ (menor) e ‘≤’ (menor ou igual) s˜ao facilmente definidas a partir de 1.2.1 e ser˜ao usadas sem mais coment´arios. Temos por exemplo

R+={x ∈ R : a > 0} e R−={x ∈ R : a < 0}. O axioma III usa-se muitas vezes na forma:

Teorema 1.2.2. Se a, b∈ R ent˜ao

a) a > 0 e b > 0 =⇒ a + b > 0 e a · b > 0.

b) Verifica-se exactamente um de trˆes casos poss´ıveis: a > b, b > a ou a = b.

O pr´oximo teorema indica algumas das mais elementares propriedades das desigualdades em R.

Teorema 1.2.3. Para quaisquer a, b, c, d∈ R, temos: a) Transitividade: a < b e b < c =⇒ a < c. b) a < b⇐⇒ −a > −b.

c) Lei do Corte (para a soma): a < b⇐⇒ a + c < b + c. d) a < c e b < d =⇒ a + b < c + d.

Dem. Come¸camos por verificar a):

a < b e b < c Por hip´otese. ⇐⇒ (b− a), (c − b) ∈ R+ Pela defini¸c˜ao 1.2.1.

= (b− a) + (c − b) ∈ R+ Pela a) do teorema 1.2.2.

⇐⇒ (c− a) ∈ R+ Porque c− a = (b − a) + (c − b).

= a < c Pela defini¸c˜ao 1.2.1. A b) resulta de observar, a partir de 1.1.4 e), que

a < b⇐⇒ b − a ∈ R+⇐⇒ (−a) − (−b) ∈ R+⇐⇒ −b < −a. A c) resulta de (b + c)− (a + c) = b − a:

a < b⇐⇒ b − a ∈ R+⇐⇒ (b + c) − (a + c) ∈ R+⇐⇒ a + c < b + c. Para provar d), notamos que, como c > a e d > b, temos

c− a ∈ R+ e d− b ∈ R+, donde (d− b) + (c − a) ∈ R+de III.1, donde c + d > a + b⇔ (c + d) − (a + b) = (d − b) + (c − a) ∈ R+

(15)

A manipula¸c˜ao de desigualdades que envolvem produtos e divis˜oes ´e mais delicada, e alguns dos erros mais comuns na sua resolu¸c˜ao resultam da incorrecta utiliza¸c˜ao de regras referidas no pr´oximo resultado. Note-se que, como ´e usual, escrevemos a2 = a· a.

Teorema 1.2.4. Para quaisquer a, b, c, d ∈ R, tem-se que: a) a· b > 0 ⇐⇒ (a > 0 e b > 0) ou (a < 0 e b < 0). b) Lei do Corte (para o produto):

a· c < b · c ⇐⇒ (a < b e c > 0) ou (a > b e c < 0). c) a2 > 0 se e s´o se a6= 0, e em particular 1 > 0.

Dem. Para provar a), analisamos todos os casos poss´ıveis: (i) a > 0 e b > 0 ⇒ a · b > 0 De 1.2.2 a). (ii) a < 0 e b < 0 ⇒ −a > 0 e − b > 0 De 1.2.3 b).

⇒ a · b = (−a) · (−b) > 0 De 1.1.4 f) e 1.2.2 a). (iii) a < 0 e b > 0 ⇒ −a > 0 e b > 0 De 1.2.3 b).

⇒ (−a) · b = −(a · b) > 0 De 1.1.4 f) e 1.2.2 a).

⇒ a · b < 0 De 1.2.3 b).

(iv) a > 0 e b < 0 ⇒ a · b < 0 E o caso (iii).´

(v) a = 0 ou b = 0 ⇒ a · b = 0 De 1.1.4 c).

Resulta claramente que

(a > 0 e b > 0) ou (a < 0 e b < 0)⇐⇒ a · b > 0. A Lei do Corte em b) ´e uma aplica¸c˜ao simples de a):

a· c < b · c ⇐⇒ 0 < b · c − a · c ⇐⇒ 0 < (b − a) · c ⇐⇒ (b− a > 0 e c > 0) ou (b − a < 0 e c < 0) ⇐⇒

(b > a e c > 0) ou (b < a e c < 0)

A observa¸c˜ao em c) resulta de tomar a = b em a), e em particular de tomar a = 1, porque 12 = 1.

Observa¸c˜oes 1.2.5.

1. Dado a∈ R, a Ra´ız Quadrada de a, se existir, ´e a ´unica solu¸c˜ao x =√a da equa¸c˜ao x2 = a com x≥ 0. Vimos no teorema anterior que se x 6= 0 ent˜ao

x2 > 0, e ´e portanto evidente que a equa¸c˜ao x2 = a s´o pode ter solu¸c˜oes quando a≥ 0. ´E interessante notar por isso que o corpo dos complexos C n˜ao satisfaz um axioma an´alogo a III, dado que a equa¸c˜ao x2 = −1 tem

(16)

2. Quando a < b temos tamb´em que a < a+b2 < b e portanto {x ∈ R : a < x < b} 6= ∅. Segue-se que na realidade {x ∈ R : a < x < b} ´e sempre infinito (porquˆe?).

A no¸c˜ao de m´odulo ou valor absoluto de x ∈ R ´e muito ´util no que se segue. De um ponto de vista geom´etrico ´e, simplesmente, a distˆancia de x `

a origem e, mais geralmente,|x − y| ´e a distˆancia entre x e y. Define-se por Defini¸c˜ao 1.2.6. O m´odulo ou valor absoluto de x∈ R ´e dado por

|x| =√x2 =

(

x , se x≥ 0; −x , se x < 0.

Indicamos a seguir algumas propriedades elementares do valor absoluto(10). Teorema 1.2.7. Para quaisquer a, x, y, ε∈ R temos:

a) −|x| ≤ x ≤ |x| e −|x| ≤ −x ≤ |x|.

b) Se ε≥ 0, |x| ≤ ε ⇔ −ε ≤ x ≤ ε e |x − a| ≤ ε ⇔ a − ε ≤ x ≤ a + ε. c) |x · y| = |x| · |y| e, se y 6= 0, |x/y| = |x|/|y|.

d) x2 ≤ y2 ⇐⇒ |x| ≤ |y|.

e) Desigualdade Triangular: |x + y| ≤ |x| + |y|. f ) ||x| − |y|| ≤ |x − y|.

Dem. Deixamos a demonstra¸c˜ao de a) como exerc´ıcio. Para as restantes afirma¸c˜oes, procedemos como se segue

b) Consideramos separadamente os casos x≥ 0 e x < 0: x≥ 0 e |x| ≤ ε ⇐⇒ 0 ≤ x ≤ ε.

x < 0 e|x| ≤ ε ⇐⇒ 0 < −x ≤ ε ⇐⇒ −ε ≤ x < 0.

A equivalˆencia |x − a| ≤ ε ⇔ a − ε ≤ x ≤ a + ε ´e uma consequˆencia da anterior, obtida substituindo na primeira x por x− a.

|x − a| ≤ ε ⇐⇒ −ε ≤ x − a ≤ ε ⇐⇒ a − ε ≤ x ≤ a + ε.

c) O resultado ´e evidente se x· y = 0 ou se x > 0 e y > 0. Os restantes casos seguem-se de “regras dos sinais” do teorema 1.1.4. Consideramos (a t´ıtulo de exemplo) o caso x > 0 e y < 0, em que x· y < 0 e x/y < 0. |x·y| = −(x·y) = x·(−y) = |x|·|y| e |x/y| = −(x/y) = x/(−y) = |x|/|y|.

10O m´odulo

de um complexo z ∈ C, dado por |z| = |x + iy| =px2+ y2, onde x, y ∈ R,

tem exactamente a mesma interpreta¸c˜ao geom´etrica: |z| ´e a distˆancia do ponto z `a origem, e z − w ´e a distˆancia entre os pontos z e w. As propriedades c), e) e f) do teorema 1.2.7 s˜ao ali´as igualmente v´alidas para n´umeros complexos.

(17)

d) Notamos que x2 − y2 = |x|2 − |y|2 = (|x| − |y|)(|x| + ||y|). Como |x| + |y| ≥ 0 e |x| + |y| = 0 se e s´o se x = y = 0, ´e claro que

x2− y2 ≤ 0 ⇐⇒ |x| − |y| ≤ 0 ⇐⇒ |x| ≤ |y|

e) Pela al´ınea d), e como |x| + |y| = ||x| + |y||, a desigualdade triangular ´e equivalente a (x + y)2≤ (|x| + |y|)2. Dado que

• (x + y)2 = x2+ 2xy + y2 e

• (|x| + |y|)2=|x|2+ 2|x||y| + |y|2 = x2+ 2|x||y| + y2,

a desigualdade triangular resulta de observar que xy≤ |xy| = |x||y|. f) Tal como na al´ınea anterior, notamos que

• (x − y)2 = x2+ y2− 2xy e

• (|x| − |y|)2=|x|2+|y|2− 2|x||y| = x2+ y2− 2|xy|.

Como−|xy| ≤ −xy, segue-se de d) que ||x| − |y|| ≤ |x − y|.

Os intervalos s˜ao subconjuntos de R muito simples, e correspondem aos usuais segmentos de recta, semi-rectas, ou `a pr´opria recta real:

Defini¸c˜ao 1.2.8. (Intervalos) Se a, b ∈ R definimos os seguintes interva-los com extremos a e b:

• O intervalo aberto ]a, b[ = {x ∈ R : a < x < b}. • O intervalo fechado [a, b] = {x ∈ R : a ≤ x ≤ b}.

• Os intervalos semi-abertos (e semi-fechados) [a, b[ = {x ∈ R : a ≤ x < b} e ]a, b] = {x ∈ R : a < x ≤ b}.

Definimos tamb´em intervalos com extremos infinitos:

• abertos: ]a, +∞[ = {x ∈ R : x > a} e ]−∞, b[ = {x ∈ R : x < b}. • fechados: [a, +∞[ = {x ∈ R : x ≥ a} e ]−∞, b] = {x ∈ R : x ≤ b}. • A recta real: ] − ∞, ∞[= R ´e um intervalo.

Note-se a t´ıtulo de ilustra¸c˜ao que

]a, a[ =∅, [a, a] = {a} e ] − a, a[= {x ∈ R : |x| < a}.

Se x ´e uma aproximac¸˜ao ou valor aproximado de a, ent˜ao |x − a|, que ´e a distˆancia entre os pontos x e a, ´e o erro dessa aproxima¸c˜ao, e

(18)

o conjunto {x ∈ R : |x − a| < ε} ´e formado por todos os reais que s˜ao aproxima¸c˜oes de a com erro inferior a ε. Esta ideia ´e utilizada por todo o C´alculo Diferencial e Integral, e deve ser por isso muito bem compreendida. Qualquer intervalo aberto I tal que a∈ I diz-se ali´as uma vizinhanc¸a de a, e a chamada vizinhanc¸a-ε de a ´e dada por(11)

Vε(a) =]a− ε, a + ε[= {x ∈ R : |x − a| < ε}.

As vizinhan¸cas privadas de a, designadas Vε′(a), s˜ao dadas por Vε′(a) ={x ∈ Vε(a) : x6= a} = {x ∈ R : 0 < |x − a| < ε}.

Vε(a)

a− ε a a + ε

Figura 1.2.1: Vizinhan¸ca-ε de a ∈ R

1.3

O Axioma do Supremo

As no¸c˜oes de m´aximo e m´ınimo de um conjunto A ⊂ R s˜ao inteiramente elementares, e utilizadas com frequˆencia no nosso dia a dia. Correspondem `

as seguintes defini¸c˜oes:

• M ´e m´aximo de A, e escrevemos M = max A, se e s´o se M ∈ A e x≤ M, para qualquer x ∈ A.

• m ´e m´ınimo de A, e escrevemos m = min A, se e s´o se m ∈ A, e m≤ x, para qualquer x ∈ A.

´

E claro que o m´aximo e o m´ınimo de qualquer conjunto, se existirem, s˜ao ´

unicos. ´E intuitivamente evidente que qualquer conjunto finito tem sempre m´aximo e m´ınimo, mas deve ser igualmente ´obvio que conjuntos infinitos podem n˜ao ter m´aximo e/ou m´ınimo, e por diversas raz˜oes.

Exemplos 1.3.1.

11Se a ∈ C e ε > 0, a vizinhan¸ca V

ε(a) = {z ∈ C : |z − a| < ε} ´e geometricamente um

(19)

1. R n˜ao tem m´aximo, porque n˜ao existe qualquer M ∈ R tal que M ≥ x para qualquer x∈ R, j´a que esta desigualdade ´e falsa, por exemplo, para x = M +1. Analogamente, R n˜ao tem m´ınimo.

2. R− ao tem m´aximo, apesar de existirem elementos M∈ R tais que M ≥ x

para qualquer x∈ R(por exemplo, M = 1 ou M = 0), porque nenhum desses

elementos pertence ao pr´oprio conjunto R−.

3. O intervalo ]0, 1[ n˜ao tem m´aximo(12) nem m´ınimo, o intervalo ]0, 1] tem

m´aximo mas n˜ao tem m´ınimo, o intervalo [0, 1[ tem m´ınimo mas n˜ao tem m´aximo, e o intervalo [0, 1] tem m´aximo e m´ınimo. Em qualquer caso, e se A ´e um destes intervalos, existem sempre elementos m, M ∈ R tais que m ≤ x ≤ M para qualquer x∈ A.

As seguintes no¸c˜oes s˜ao ´uteis para compreender as diferen¸cas que acab´amos de observar entre conjuntos infinitos:

Defini¸c˜ao 1.3.2. (Majorante e Minorante de A): Se A ⊂ R e m, M ∈ R, dizemos que

a) M ´e majorante de A se e s´o se x≤ M, para qualquer x ∈ A. Se A tem majorantes, diz-se que A ´e um conjunto majorado.

b) m ´e minorante de A se e s´o se m ≤ x, para qualquer x ∈ A. Se A tem minorantes, diz-se que A ´e minorado.

c) Se A tem majorantes e minorantes, ent˜ao dizemos que A ´e um conjunto limitado. Caso contr´ario, A diz-se ilimitado.

Exemplos 1.3.3.

1. R n˜ao ´e majorado nem minorado e portanto ´e ilimitado.

2. R− ao ´e minorado, mas ´e majorado, apesar de n˜ao ter m´aximo. ´E tamb´em

ilimitado. O conjunto dos seus majorantes ´e o intervalo [0, +∞[.

3. Qualquer um dos intervalos ]0, 1[, ]0, 1], [0, 1[ e [0, 1] ´e majorado e minorado, ou seja, ´e limitado. Os majorantes de qualquer um destes intervalos formam o conjunto [1, +∞[, e os respectivos minorantes formam ] − ∞, 0].

Note-se que M ´e majorante de A se e s´o se todos os elementos de A est˜ao `a esquerda de M , ou seja, se e s´o se A ⊆] − ∞, M]. Neste caso, M ´e uma estimativa por excesso de todos os elementos de A. Analogamente, m ´e minorante de A se e s´o se todos os elementos de A est˜ao `a direita de m, ou seja, se e s´o se A ⊆ [m, +∞[, e m ´e uma estimativa por defeito dos elementos de A. O conjunto A ´e limitado se e s´o se existem m, M ∈ R tais

12O intervalo I =]0, 1[ n˜ao tem m´aximo x porque, como x ∈ I, temos x < 1, donde

(20)

que m≤ x ≤ M para qualquer x ∈ A, e neste caso A ⊆ [m, M]. Podemos portanto dizer que A ´e limitado se e s´o se A est´a contido num intervalo limitado. Tomando K = max{|m|, |M|}, podemos igualmente dizer que A ´e limitado se e s´o se existe K∈ R tal que |x| ≤ K para qualquer x ∈ A. Observa¸c˜oes 1.3.4. As seguintes afirma¸c˜oes s˜ao muito f´aceis de verificar:

1. Se A tem m´aximo M = max A, ent˜ao M ´e o menor dos majorantes de A, ou seja, o m´aximo de A ´e o m´ınimo do conjunto dos majorantes de A. 2. O menor dos majorantes de um dado conjunto A pode n˜ao ser o m´aximo de A. Por exemplo, se A = R− ent˜ao os majorantes de A formam o intervalo [0, +∞[, que tem m´ınimo 0. ´E claro que 0 n˜ao ´e o m´aximo de A, porque 06∈ A.

3. O m´ınimo do conjunto A, se existir, ´e o maior dos seus majorantes, ou seja, ´e o m´aximo do conjunto dos seus minorantes. O m´aximo minorante pode existir, sem que exista o m´ınimo de A, como ilustrado por A = R+.

4. Sendo M o conjunto dos majorantes de A, ent˜ao M ´e vazio ou, em alter-nativa, infinito e n˜ao majorado, porque se x∈ M e y > x ent˜ao y ∈ M. Analogamente, o conjunto dos minorantes de A ´e vazio ou infinito e n˜ao minorado.

5. Se A6= ∅, a ´e minorante de A e b ´e majorante de A ent˜ao a ≤ b, porque existe algum x∈ A e temos necessariamente a ≤ x ≤ b.

O maior minorante e o menor majorante de um dado conjunto A, quando existem, s˜ao designados como se segue.

Defini¸c˜ao 1.3.5. (´Infimo e Supremo de A) Dado A⊂ R, ent˜ao

a) Quando o conjunto dos minorantes de A tem m´aximo, esse m´aximo diz-se o ´ınfimo de A, e designa-se inf A.

b) Quando o conjunto dos majorantes de A tem m´ınimo, esse m´ınimo diz-se o supremo de A, e designa-se por sup A.

Exemplos 1.3.6.

(1) Se A = [0, 1] ent˜ao max A = sup A = 1 e min A = inf A = 0.

(2) Se A =]0, 1[ ent˜ao 1 = sup A e 0 = inf A mas, como observ´amos acima, A n˜ao tem m´aximo nem m´ınimo.

(3) Se um dado conjunto tem m´aximo, ent˜ao esse m´aximo ´e igualmente o seu supremo, como acontece em (1). ´E no entanto poss´ıvel que tenha supremo, sem que tenha m´aximo, como acontece em (2). Podemos facilmente fazer observa¸c˜oes an´alogas a prop´osito das no¸c˜oes de m´ınimo e ´ınfimo.

(21)

´

E por vezes ´util observar que o ´ınfimo de A ´e a melhor aproxima¸c˜ao por defeito de todos os elementos de A, enquanto que o supremo de A ´e a melhor aproxima¸c˜ao por excesso de todos elementos de A.

Existem m´ultiplas maneiras equivalentes de caracterizar o supremo e/ou o ´ınfimo de um dado conjunto A⊆ R, e as seguintes proposi¸c˜oes s˜ao utili-zadas com frequˆencia.

Proposi¸c˜ao 1.3.7. Se A⊂ R e s ´e majorante de A ent˜ao s = sup A⇐⇒ Vε(s)∩ A 6= ∅ para qualquer ε > 0.

Por outras palavras, s ´e o supremo de A se e s´o se s ´e majorante de A e qualquer vizinhan¸ca de s cont´em pontos de A. Como vimos, ´e poss´ıvel que s 6∈ A, mas esta observa¸c˜ao mostra que existem sempre pontos de A arbitrariamente pr´oximos de s = sup A.

Vε(s)

s− ε x s

ε

Figura 1.3.1: Qualquer vizinhan¸ca-ε de s = sup A cont´em pontos x∈ A

Demonstra¸c˜ao. Supomos primeiro que s = sup A e ε > 0. Como s− ε < s e s ´e o menor majorante de A, segue-se que s− ε n˜ao ´e majorante de A. Existe portanto pelo menos um elemento x∈ A tal que x > s − ε e temos ainda x ≤ s, porque s ´e majorante de A. ´E claro que x ∈ Vε(s), o que

mostra que Vε(s)∩ A 6= ∅.

Supomos agora que s ´e majorante de A e qualquer vizinhan¸ca-ε de s cont´em pontos x∈ A. Sendo t < s, tomamos ε = s − t, ou seja, t = s − ε. Por hip´otese, existe x ∈ Vε(s)∩ A, e ´e portanto ´obvio que x > t e t n˜ao ´e

majorante de A. Dito doutra forma, qualquer t < s n˜ao ´e majorante de A, donde s ´e o menor majorante de A, i.e., s = sup A.

´

E f´acil adaptar estas ideias ao caso do ´ınfimo, para obter: Proposi¸c˜ao 1.3.8. Se A⊂ R e s ´e minorante de A ent˜ao

(22)

Como vimos, ´e inteiramente evidente que um conjunto majorado A pode n˜ao ter m´aximo, como ocorre, e.g., com A = [0, 1[. Ser´a no entanto verdade que qualquer conjunto majorado n˜ao-vazio tem supremo?

A resposta a esta pergunta envolve uma observa¸c˜ao de natureza geo-m´etrica, que podemos considerar intuitivamente evidente mas que, como veremos, n˜ao resulta dos axiomas j´a apresentados. Suponha-se para isso a recta real R decomposta em dois conjuntos disjuntos e n˜ao-vazios, que de-signaremos E e D, e tais que todos os elementos de E s˜ao menores que todos os elementos de D. Por outras palavras, os elementos de E s˜ao minorantes de D ou, de forma equivalente, os elementos de D s˜ao majorantes de E. Parece claro que E e D s˜ao semi-rectas disjuntas cuja uni˜ao ´e a recta real completa, e por isso deve existir um ponto p∈ R que separa a recta real nas duas semi-rectas E e D, ou seja, tal que

x≤ p ≤ y para quaisquer x ∈ E e y ∈ D.

E D

Figura 1.3.2: E e D s˜ao uma decomposi¸c˜ao de R em semi-rectas.

Como j´a sugerimos, a existˆencia do ponto p ´e em si um axioma adicional sobre o conjunto R, que pode certamente tomar a forma de:

1.3.9. Se os conjuntos n˜ao-vazios E e D s˜ao uma parti¸c˜ao de R e temos x < y para quaisquer x∈ E e y ∈ D (13) ent˜ao existe p∈ R tal que

x≤ p ≤ y para quaisquer x ∈ E e y ∈ D. ´

E no entanto mais usual tomar como axioma a afirma¸c˜ao seguinte, e ´e essa a alternativa que seguimos neste texto:

Axioma IV (Axioma do Supremo). Se A⊂ R ´e majorado e n˜ao-vazio(14)

ent˜ao A tem supremo.

13O par de conjuntos (E, D) ´e essencialmente um corte de Dedekind, assim

cha-mado em homenagem ao matem´atico alem˜ao Richard Dedekind, 1831-1916, que utilizou parti¸c˜oes de Q desta forma para definir os n´umeros reais a partir dos n´umeros racionais. N˜ao estudamos aqui estes trabalhos de Dedekind, por se afastarem demasiado dos prin-cipais objectivos deste texto, mas est˜ao tamb´em dispon´ıveis no Projeto Gutemberg, em Essays on the Theory of Numbers.

14O conjunto vazio ´e um caso algo especial, porque tem majorantes (qualquer real ´e um

(23)

´

E interessante verificar que o axioma IV ´e equivalente `a afirma¸c˜ao 1.3.9. Demonstra¸c˜ao. Supomos primeiro que a afirma¸c˜ao 1.3.9 ´e v´alida: Dado um conjunto n˜ao-vazio e majorado A⊂ R, seja D o conjunto dos majorantes de A e E o complementar de D, ou seja, o conjunto dos reais que n˜ao s˜ao ma-jorantes de A. Notamos como evidente que D e E n˜ao s˜ao vazios e formam uma parti¸c˜ao de R. Temos tamb´em que

(1) Se x∈ E e y ∈ D ent˜ao x < y, porque

• x n˜ao ´e majorante de A, ou seja, existe a ∈ A tal que x < a, e • y ´e majorante de A, donde a ≤ y e portanto x < a ≤ y.

(2) E n˜ao tem m´aximo: Se x ∈ E ent˜ao x n˜ao ´e majorante de A, ou seja, existe a ∈ A tal que x < a. Existe igualmente x∈ R tal que

x < x′ < a, e como x′ n˜ao ´e majorante de A ´e ´obvio que x′ ∈ E e x n˜ao ´e o m´aximo de E.

De acordo com 1.3.9, conclu´ımos que existe p ∈ R tal que x ≤ p ≤ y para quaisquer x ∈ E e y ∈ D. ´E claro que p pertence a um dos conjuntos E ou D, donde se segue facilmente que p = max E ou p = min D. De acordo com (2), a primeira alternativa ´e imposs´ıvel, e p = min D ´e, obviamente, o ´ınfimo de A.

Supomos agora que o axioma IV ´e v´alido: Sendo E e D os conjuntos referidos em 1.3.9, ´e claro que E tem majorantes, porque qualquer elemento de D ´e majorante de E, e temos por hip´otese que E6= ∅. Segue-se do axioma IV que E tem supremo p∈ R, e ´e imediato que

• x ≤ p, para qualquer x ∈ E, porque p = sup E, e

• p ≤ y, para qualquer y ∈ D, porque y ´e majorante de E e p ´e o menor majorante de E.

Conclu´ımos assim que a afirma¸c˜ao 1.3.9 ´e consequˆencia l´ogica do axioma IV.

Como exemplo de uma observa¸c˜ao elementar que resulta do axioma IV, mostramos que a equa¸c˜ao x2 = 2 tem solu¸c˜oes em R.(15)

Exemplo 1.3.10.

Para aplicar o axioma IV ao conjunto A ={x ∈ R : x2< 2}, notamos que

15Esta afirma¸c˜ao n˜ao ´e v´alida para Q porque, como veremos adiante, as solu¸c˜oes de

x2 = 2 s˜ao n´umeros irracionais. Quando estabelecermos este facto, poderemos concluir

(24)

• A ´e n˜ao-vazio: ´e evidente que 1 ∈ A.

• 2 ´e majorante de A, logo A ´e majorado: se x ≥ 2 ent˜ao x2

≥ 4 > 2 e portanto x6∈ A, donde conclu´ımos que x < 2 para qualquer x ∈ A. Segue-se do axioma IV que A tem supremo α, e ´e ´obvio que 1 ≤ α ≤ 2, e estabelecemos a seguir um resultado auxiliar muito simples:

(1) Se δ≤ 1 e x ∈ Vδ(α) ent˜ao α2− 5δ < x2< α2+ 5δ. Temos|x − α| < δ ≤ 1, donde 0 < x < 3, x + α < 5 e |x2 − α2 | = |x − α||x + α| ≤ 5δ, ou seja, α2 − 5δ < x2< α2+ 5δ.

Naturalmente, uma das seguintes alternativas ´e v´alida: (a) α2< 2 ou (b) α2> 2 ou (c) α2= 2

Nos casos (a) e (b), tomamos ε =|2 − α2

| 6= 0 e observamos que existe δ < 1 tal que 0 < 5δ < ε.

(a) Se α < x < α + δ segue-se de (1) que x2 < α2+ 5δ < α2+ ε = 2 e

portanto x∈ A. Neste caso n˜ao podemos ter α = sup A, porque ´e ´obvio que α n˜ao ´e majorante de A.

(b) Se α− δ < x < α segue-se de (1) que x2 > α2

− 5δ > α2

− ε = 2 e portanto x6∈ A. Neste caso n˜ao podemos ter α = sup A, porque qualquer vizinhan¸ca de sup A cont´em necessariamente elementos de A.

Conclu´ımos por exclus˜ao de hip´oteses que a alternativa (c) ´e v´alida, ou seja, α ´e solu¸c˜ao da equa¸c˜ao x2= 2.

O pr´oximo teorema ´e o an´alogo do Axioma do Supremo para o ´ınfimo. Teorema 1.3.11. Se A⊂ R ´e minorado e n˜ao-vazio ent˜ao A tem ´ınfimo. Demonstra¸c˜ao. Sendo B o conjunto dos minorantes de A, ´e evidente que B 6= ∅, por hip´otese, e B ´e majorado, porque qualquer elemento de A ´e majorante de B. Segue-se do Axioma do Supremo que B tem supremo α.

Como qualquer elemento a ∈ A ´e majorante de B e o supremo de B ´e o menor dos seus majorantes, ´e tamb´em claro que α ≤ a, ou seja, α ´e minorante de A e portanto α∈ B. Conclu´ımos que α ´e o m´aximo de B, que ´e por defini¸c˜ao o ´ınfimo de A.

Definimos na sec¸c˜ao anterior os intervalos em R como conjuntos muito especiais, mas a descri¸c˜ao que utiliz´amos envolve a considera¸c˜ao de m´ultiplos tipos diferentes (limitados ou ilimitados, abertos, fechados ou abertos apenas num dos extremos). ´E por vezes ´util caracterizar os intervalos de uma forma um pouco mais abstracta(16), independente destes detalhes, e aproveitamos

o Axioma do Supremo para estabelecer

16A condi¸c˜ao referida em 1.3.12 ´e um caso particular da no¸c˜ao de conjunto conexo,

estudada em Topologia. Nesta terminologia, o teorema referido limita-se a afirmar que os intervalos s˜ao exactamente os subconjuntos de R que s˜ao conexos.

(25)

Teorema 1.3.12. O conjunto I⊆ R ´e um intervalo se e s´o se: (1) Para quaisquer x, y∈ I e z ∈ R, se x < z < y ent˜ao z ∈ I.

Demonstra¸c˜ao. Deve ser evidente que qualquer intervalo, independentemente do seu tipo, satisfaz a condi¸c˜ao (1). Limitamo-nos por isso a provar que qualquer conjunto que satisfa¸ca (1) ´e necessariamente um intervalo. Consi-deramos os seguintes casos:

a) I =∅: nada temos a verificar.

b) I 6= ∅ n˜ao majorado nem minorado: dado qualquer z ∈ R existe y ∈ I tal que y > z, porque z n˜ao ´e majorante de I, e existe x∈ I tal que x < z, porque z n˜ao ´e minorante de I. Segue-se de (1) que z ∈ I, ou seja, I = R =]− ∞, +∞[.

c) I 6= ∅ majorado e n˜ao minorado: Neste caso, I tem supremo α e portanto I ⊆] − ∞, α]. Dado qualquer z < α, existe y ∈ I tal que z < y≤ α (porque α = sup I), e existe x ∈ I tal que x < z (porque I n˜ao tem minorantes). Segue-se de (1) que z∈ I, i.e., ] − ∞, α[⊆ I. Como ]− ∞, α[⊆ I ⊆] − ∞, α], conclu´ımos que I =] − ∞, α[ ou I =] − ∞, α]. d) I 6= ∅ minorado e n˜ao majorado: an´alogo a c).

d) I 6= ∅ limitado: I tem ´ınfimo α, supremo β e I ⊆ [α, β]. Se α < z < β podemos concluir de (1) que z∈ I, ou seja, ]α, β[⊆ I ⊆ [α, β]. Temos ent˜ao I =]α, β[, I =]α, β], I = [α, β[ ou I = [α, β].

1.4

umeros Naturais e Indu¸c˜

ao

De um ponto de vista por enquanto estritamente intuitivo, ´e claro que N={1 , 2 = 1 + 1 , 3 = 2 + 1 = (1 + 1) + 1 , . . .} .

Ainda de um ponto de vista intuitivo, as seguintes propriedades do conjunto Ns˜ao portanto evidentes:

(i) 1∈ N e (ii) n ∈ N =⇒ n + 1 ∈ N

Note-se que N n˜ao ´e o ´unico subconjunto de R que satisfaz as propriedades (i) e (ii). Por exemplo, tanto o pr´oprio conjunto R como o conjunto R+ satisfazem essas propriedades, se nela substituirmos a referˆencia a N pela referˆencia ao conjunto em causa. A t´ıtulo de ilustra¸c˜ao, temos para R+:

(i) 1∈ R+ e (ii) n∈ R+=⇒ n + 1 ∈ R+ Os conjuntos que satisfazem (i) e (ii) dizem-se:

(26)

Defini¸c˜ao 1.4.1. (Conjuntos Indutivos) Um subconjunto A ⊆ R diz-se indutivo se e s´o se satisfaz as condi¸c˜oes:

(i) 1∈ A e (ii) a ∈ A ⇒ (a + 1) ∈ A

Um momento de reflex˜ao sugere que os n´umeros naturais, n˜ao sendo o ´

unico conjunto indutivo, est˜ao contidos em qualquer conjunto indutivo, e formam por isso o menor conjunto indutivo em R. Esta ideia ´e facil-mente transformada numa defini¸c˜ao formal dos pr´oprios n´umeros naturais: Defini¸c˜ao 1.4.2. (N´umeros Naturais, o conjunto N) O conjunto dos natu-rais designa-se por N, e ´e dado por(17)

N={n ∈ R : n pertence a qualquer subconjunto indutivo de R} . Os s´ımbolos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 0 s˜ao suficientes para escrever qualquer n´umero natural no chamado sistema decimal, i.e., na base 10(18). Analisaremos nesta sec¸c˜ao a representa¸c˜ao decimal dos naturais, e mais adiante estudaremos a quest˜ao mais dif´ıcil da representa¸c˜ao decimal dos n´umeros racionais e irracionais. Aproveitamos para definir igualmente Defini¸c˜ao 1.4.3. (N´umeros Inteiros, Racionais e Irracionais) O conjunto dos inteiros designa-se por Z e ´e dado por

Z= Z+∪ {0} ∪ Z−, onde Z+= N e Z−={m ∈ R : −m ∈ N}. O conjunto dos racionais designa-se por Q e ´e dado por

Q={n/m : n, m ∈ Z, m 6= 0}. Os irracionais s˜ao os elementos do conjunto R\Q.

17Com esta defini¸c˜ao, ´e f´

acil mostrar que 0 6∈ N, e na verdade escrevemos aqui N0 =

N∪ {0}, mas em muitos textos opta-se por definir os naturais de modo a incluir o 0.

18 O sistema decimal, outra das grandes cria¸c˜oes da Humanidade, foi descoberto na

´India, entre os anos 100 e 500 da nossa era, e expandiu-se rapidamente para as regi˜oes sob dom´ınio ´arabe nos s´eculos que se seguiram `a H´egira. O sistema difundiu-se na Europa perto do fim da Idade M´edia atrav´es do contacto com a civiliza¸c˜ao ´arabe, pelo que ainda hoje o referimos como “numera¸c˜ao ´arabe”. As palavras “algarismo” e “algoritmo” s˜ao ali´as deturpa¸c˜oes do nome do autor persa do s´eculo IX (Al-Khwarizmi) que escreveu um dos textos mais estudados no Ocidente sobre o sistema de numera¸c˜ao que Al-Khwarizmi sabia ser indiano. O sistema ´e geralmente usado na actualidade, mas os s´ımbolos que representam os dez algarismos s˜ao distintos em algumas culturas. Em particular, os alga-rismos “´arabes” que utilizamos no Ocidente s˜ao essencialmente os dos pa´ıses do Magrebe (que ´e, literalmente, o Ocidente do mundo ´arabe), mas s˜ao bastante diferentes dos que se usam nos pa´ıses ´arabes a partir do Egipto, onde 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 0 se escrevem

(27)

O chamado “Princ´ıpio de Indu¸c˜ao Matem´atica” ´e apenas mais um teorema da teoria aqui desenvolvida, porque ´e um reflexo imediato da defini¸c˜ao 1.4.2: Teorema 1.4.4. (Princ´ıpio de Indu¸c˜ao Matem´atica)

a) N ´e o menor conjunto indutivo em R, ou seja, (i) Se A⊆ R ´e indutivo ent˜ao N ⊆ A, e

(ii) N ´e indutivo.

b) Em particular, se A⊆ N ´e indutivo ent˜ao A = N.

Dem. A afirma¸c˜ao (i) da a) ´e evidente: Por defini¸c˜ao de N, se n∈ N e A ´e indutivo ent˜ao n∈ A, ou seja, N ⊆ A.

Para verificar (ii) de a), ou seja, para provar que N ´e indutivo, notamos que (I) 1∈ N, porque 1 pertence claramente a qualquer conjunto indutivo. (II) Se n∈ N e A ´e indutivo, ent˜ao n ∈ A, porque o natural n pertence

por defini¸c˜ao a qualquer conjunto indutivo. Segue-se que n + 1 ∈ A, porque A ´e indutivo. Como A ´e um conjunto indutivo arbitr´ario, conclu´ımos que n + 1 est´a em todo e qualquer conjunto indutivo, pelo que n + 1∈ N, mais uma vez por defini¸c˜ao de N.

Temos assim que N satisfaz as condi¸c˜oes (i) e (ii) da defini¸c˜ao 1.4.1, ou seja, N ´e um conjunto indutivo.

A afirma¸c˜ao em b) ´e tamb´em imediata. Como A ´e indutivo, temos N⊆ A, de a). Como por hip´otese A⊆ N, ´e ´obvio que A = N.

O Princ´ıpio da Indu¸c˜ao Matem´atica (teorema 1.4.4) ´e a base da t´ecnica de demonstra¸c˜ao que conhecemos como o M´etodo de Indu¸c˜ao Matem´atica. Sendo P (n) uma determinada proposi¸c˜ao ou propriedade que se pretende mostrar verdadeira para todo o n∈ N, este m´etodo consiste em

a) Verificar que a afirma¸c˜ao P (1) ´e verdadeira, e

b) Mostrar que, para qualquer n∈ N, e se P (n) ´e verdadeira, ent˜ao P (n + 1) ´e igualmente verdadeira.

Provadas as afirma¸c˜oes, o m´etodo de indu¸c˜ao finita permite-nos concluir que P (n) ´e verdadeira, para qualquer n∈ N.

(28)

Para reconhecer que este m´etodo ´e uma aplica¸c˜ao directa de 1.4.4, basta considerar o conjunto dos naturais n para os quais a afirma¸c˜ao P (n) ´e ver-dadeira, ou seja, o conjunto

S ={n ∈ N : P (n) ´e verdadeira }.

Provar as afirma¸c˜oes a) e b) ´e precisamente o mesmo que verificar que S ´e um conjunto indutivo. Mas se S ´e indutivo, o teorema 1.4.4 mostra que S = N, o que significa que P (n) ´e verdadeira para qualquer n∈ N.

Apresentamos a seguir alguns exemplos particularmente simples de apli-ca¸c˜ao do princ´ıpio/m´etodo de indu¸c˜ao. Pelo menos em alguns casos, corres-pondem a observa¸c˜oes que estamos habituados a tomar como “evidentes”, mas em qualquer caso ilustram bem esta t´ecnica de demonstra¸c˜ao.

Exemplos 1.4.5. Passamos a provar:

1. O m´ınimo de N ´e 1: Tomamos P (n) = “n≥ 1”. Temos ent˜ao • P (1): ´e obviamente verdadeira.

• P (n) =⇒ P (n + 1): Como 1 > 0, segue-se que n + 1 > n. Portanto, n≥ 1 =⇒ n + 1 ≥ 1, i.e., P (n) =⇒ P (n + 1).

Podemos portanto concluir que n ≥ 1 para qualquer n ∈ N, e como 1 ∈ N segue-se que 1 = min N.

2. Qualquer natural ´e par ou ´ımpar: P (n) ´e agora a afirma¸c˜ao “n ´e par ou ´ımpar”, e recordamos que o natural n ´e par se existe um natural k tal que

n = 2k, e ´ımpar se existe k∈ N tal que n = 2k − 1. • P (1): Como 1 = 2 · 1 − 1, ´e claro que 1 ´e ´ımpar.

• P (n) =⇒ P (n + 1): Existe k ∈ N tal que n = 2k ou n = 2k − 1, donde n = 2k =⇒ n + 1 = 2k + 1 = 2(k + 1) − 1, e n + 1 ´e ´ımpar, ou

n = 2k− 1 =⇒ n + 1 = 2k − 1 + 1 = 2k, e n + 1 ´e par. Conclu´ımos que P (n) ´e verdadeira para qualquer n∈ N.

3. 2n

≥ n + 1 para qualquer n ∈ N: Temos agora P (n) = “2n

≥ n + 1”. • P (1): Esta ´e a afirma¸c˜ao 21

≥ 1 + 1, que ´e obviamente verdadeira. • P (n) =⇒ P (n + 1): Basta-nos notar que

2n≥ n + 1 =⇒ 2n+1

≥ 2(n + 1) = 2n + 2 = n + n + 2 ≥ n + 2 A afirma¸c˜ao P (n) ´e assim verdadeira para qualquer n∈ N.

Uma sucess˜ao no conjunto X ´e simplesmente uma fun¸c˜ao definida no conjunto N com valores no conjunto X. Por exemplo, a fun¸c˜ao φ : N→ N

(29)

dada por φ(n) = 2n − 1 ´e a sucess˜ao dos n´umeros ´ımpares, e a fun¸c˜ao ψ : N → N dada por ψ(n) = n2 ´e a sucess˜ao dos quadrados perfeitos.

A fun¸c˜ao ϕ : N → Q dada por ϕ(n) = (1 + 1n)n ´e um exemplo cl´assico,

porque quando n aumenta os valores ϕ(n) se aproximam progressivamente do n´umero de Euler, e = 2, 71828· · · , que ´e uma das mais importantes constantes da Matem´atica. Note-se de passagem que ´e usual designar os valores de uma sucess˜ao φ por φ1, φ2,· · · , φnem vez de φ(1), φ(2),· · · , φ(n).

´

E tamb´em muito frequente recorrermos a f´ormulas de recorrˆencia para definir sucess˜oes, uma t´ecnica que est´a directamente ligada ao Princ´ıpio de Indu¸c˜ao. N˜ao expomos aqui completamente a teoria que sustenta este tipo de defini¸c˜oes, mas ilustramos a sua utiliza¸c˜ao em m´ultiplos casos, que incluem diversas no¸c˜oes matem´aticas b´asicas.

Exemplo 1.4.6.

A potˆencia de expoente natural n, designada por xn, com base x

∈ R e expo-ente n∈ N ´e informalmente descrita como um “produto com n factores, todos iguais a x”(19), mas a sua defini¸c˜ao mais rigorosa deve ser feita como se segue:

• Se n = 1, ent˜ao xn= x1= x, e

• Se n ≥ 1, ent˜ao xn+1= xn

· x.

As propriedades usuais das potˆencias, em particular as identidades (1) xn

· xm= xn+m, (xn)m

= xnm e xn

· yn= (x

· y)n

podem ser demonstradas por indu¸c˜ao, e s˜ao v´alidas para quaisquer n, m∈ N e quaisquer x, y∈ R. Provamos a t´ıtulo de exemplo que xn

· xm= xn+m. Para

isso, fixamos n∈ N, x ∈ R e tomamos P (m) = (xn

· xm= xn+m). Ent˜ao

• P (1) ´e verdadeira, porque (por defini¸c˜ao) xn· x1= xn· x = xn+1.

• Supondo que P (m) ´e verdadeira, temos

xn· xm+1= xn· (xm· x) = (xn· xm)· x = xn+m· x = xn+m+1 Quando x6= 0 definimos igualmente xn quando n

≤ 0 ´e um inteiro. Para n = 0 tomamos x0= 1 e para n < 0 fazemos xn= (x−1)−n, onde ´e claro que−n ∈ N.

As propriedades em (1) s˜ao na verdade v´alidas para quaisquer n, m∈ Z, desde que x6= 0 e y 6= 0.

Dada uma sucess˜ao α : N → R, ´e conveniente dispor de uma nota¸c˜ao sucinta e compacta para designar somas da forma α1 + α2 +· · · + αn, e

escrevemos para isso

n

X

k=1

αk= α1+ α2+· · · + αn,

que lemos como “somat´orio dos αk’s com k de 1 at´e n”. Mais formalmente,

19ao se segue daqui que seja necess´ario calcular n − 1 produtos para determinar xn.

(30)

Defini¸c˜ao 1.4.7. Sendo α : N→ R, a sucess˜ao designada por σn=Pnk=1αk

´e dada por σ1 = α1 se n = 1, e σn+1 = σn + αn+1 se n > 1. Por outras

palavras, n X k=1 αk= α1 se n = 1, e n+1 X k=1 αk= αn+1+ n X k=1 αk ! se n > 1. Exemplos 1.4.8.

1. Para demonstrar a f´ormula 1 + 2 +· · · + n = n(n+1)2 , observamos que

1 + 2 +· · · + n = n X k=1 k Tomamos P (n) = “ n X k=1 k = n(n + 1)

2 ”, e provamos P (n) por indu¸c˜ao: • P (1): temosP1 k=1k = 1 = 1(1+1) 2 • P (n) =⇒ P (n + 1): n+1 X k=1 k = n X k=1 k + (n + 1) = n(n + 1) 2 + (n + 1) = = n(n + 1) 2 + 2(n + 1) 2 = (n + 1)(n + 2) 2

2. Nada impede que os termos do somat´orio sejam constantes. Por exemplo, se ak = 1 para qualquer k∈ N ent˜ao ´e f´acil mostrar por indu¸c˜ao que

n X k=1 ak = n X k=1 1 = n, para qualquer n∈ N.

Esta afirma¸c˜ao mostra que os naturais s˜ao as somas finitas com parcelas iguais a 1, ou seja, N= ( n X k=1 1 : n∈ N )

Mais geralmente, ´e f´acil mostrar que se a∈ R ent˜ao

n

X

k=1

a = n· a

3. Uma progress˜ao aritm´etica de 1o termo a

∈ R e raz˜ao r ∈ R ´e uma sucess˜ao α : N→ R dada por α1= a e αn+1= αn+ r. Podemos estabelecer por indu¸c˜ao

que αn= a + (n− 1)r e n X k=1 αk= n  a +(n− 1)r 2 

(31)

Demonstra¸c˜ao. Para mostrar que αn= a + (n− 1)r, notamos que

• Se n = 1, α1= a + (1− 1)r = a.

• Supondo que n ≥ 1 e αn= a + (n− 1)r, temos

αn+1= αn+ r = a + (n− 1)r + r = a + nr.

Para mostrar que

n X k=1 αk= n  a +(n− 1)r 2  , observamos que • Se n = 1, 1 X k=1 αk = α1= 1  a +(1− 1)r 2  = a. • Supondo que n ≥ 1 e n X k=1 αk = n  a +(n− 1)r 2  , temos n+1 X k=1 αk = αn+1+ n X k=1 αk= a+n·r+n  a +(n− 1)r 2  = (n+1)  a +(n)r 2  .

4. Uma progress˜ao geom´etica de 1o termo a

∈ R e raz˜ao r ∈ R ´e uma sucess˜ao α : N→ R dada por α1= a e αn+1= αn· r. Temos agora que

αn= a· rn−1 e, se r6= 1, n X k=1 αk = a·1− r n 1− r Limitamo-nos a provar por indu¸c˜ao que

n X k=1 rk−1=1− r n 1− r • Se n = 1, 1 X k=1 rk−1= r0= 1 = 1− r 1− r = 1− r1 1− r. • Supondo que n ≥ 1 e n X k=1 rk−1=1− r n 1− r , temos n+1 X k=1 rk−1= rn+ n X k=1 rk−1= rn+1− r n 1− r = rn− rn+1+ 1− rn 1− r = 1− rn+1 1− r

Note-se que o s´ımbolo utilizado para designar o ´ındice do somat´orio, que nos exemplos acima ´e a letra “k”, ´e efectivamente irrelevante. Por outras palavras, se mudarmos o ´ındice do somat´orio em todas as suas ocorrˆencias, a soma em quest˜ao n˜ao se altera. Em particular, uma mesma soma pode

(32)

aparecer na nota¸c˜ao de somat´orio de formas diferentes. Dizemos por isso que o ´ındice do somat´orio ´e mudo. Por exemplo:

n X k=1 ak= n X i=1 ai= n X j=1 aj e 5 X k=1 k = 5 X i=1 i = 15.

Teorema 1.4.9 (Propriedades do Somat´orio).

a) Aditividade: n X k=1 (ak+ bk) = n X k=1 ak+ n X k=1 bk b) Homogeneidade: n X k=1 (c· ak) = c n X k=1 ak ! , ∀ c ∈ R

c) Propriedade telesc´opica:

n

X

k=1

(ak− ak−1) = an− a0

Dem. (a) e (b) ficam como exerc´ıcio. Provamos (c) por indu¸c˜ao. • Se n = 1, temos evidentemente 1 X k=1 (ak− ak−1) = a1− a0, • Supondo n ≥ 1 e n X k=1 (ak− ak−1) = an− a0, temos n+1 X k=1 (ak− ak−1) = (an+1− an) + n X k=1 (ak− ak−1) = = (an+1− an) + (an− a0) = an+1− a0

Nem o M´etodo de Indu¸c˜ao, nem o S´ımbolo de Somat´orio, tˆem necessa-riamente que “come¸car” em n = 1. Ambos admitem generaliza¸c˜oes simples, tendo como ponto de partida um dado m ∈ Z. O caso m = 0 ´e ilustrado no exemplo seguinte, mas na verdade todos os casos se podem reduzir ao originalmente considerado, por simples “substitui¸c˜oes de vari´aveis”, do tipo:

4 X k=2 2k= 3 X i=1 2i+1= 2 X j=0 2j+2 = 22+ 23+ 24(i = k− 1, j = k − 2).

(33)

Exemplo 1.4.10.

Dado um real r6= 1 e inteiros n ≤ m, para calcular a somaPm

k=nrk a partir

do resultado indicado no exemplo 2.4, basta-nos notar que (1.4.1) m X k=n rk= rn m−n X j=0 rj= rn m−n+1 X j=1 rj−1= rn1− rm−n+1 1− r = rn − rm+1 1− r .

Muitas das propriedades dos naturais que estamos habituados a con-siderar como ´obvias podem ser demonstradas pelo m´etodo de indu¸c˜ao, e enunciamos aqui algumas, a t´ıtulo de exemplo:

Teorema 1.4.11. Se n, m∈ N ent˜ao:

a) Fecho em relac¸˜ao `a adic¸˜ao e produto: n + m, n· m ∈ N. b) Antecessor de um natural: Se n > 1 ent˜ao n = k + 1 com k ∈ N. c) Diferenc¸a em N: Se m > n ent˜ao m− n ∈ N.

d) Distˆancia entre naturais: Se m > n ent˜ao m ≥ n + 1. Em particular, n6= m ⇒ |n − m| ≥ 1.

Demonstra¸c˜ao. Apenas esbo¸camos os argumentos que s˜ao necess´arios, dei-xando a sua finaliza¸c˜ao como exerc´ıcio.

a) Dado n∈ N fixo, consideramos a afirma¸c˜ao P (m) =“n+m ∈ N”. P (1) ´e verdadeira, porque n + 1∈ N, e P (m) =⇒ P (m + 1), porque

n + m∈ N =⇒ (n + m) + 1 = n + (m + 1) ∈ N. O caso do produto fica como exerc´ıcio.

b) Se P (n) =“n > 1 =⇒ n = k + 1, k ∈ N”, ent˜ao tanto P (1) como a implica¸c˜ao P (n) =⇒ P (n + 1) s˜ao inteiramente ´obvias.

c) Tomamos P (n) =“Se m∈ N e m > n ent˜ao m − n ∈ N”. Temos: • P (1): Se m > 1 ent˜ao segue-se de b) que m = k + 1, com k ∈ N,

donde m− 1 = k ∈ N.

• P (n) =⇒ P (n + 1): Se m > n + 1 ent˜ao m > 1 e portanto m = k + 1 com k ∈ N. ´E claro que k > n e segue-se de P (n) que k− n ∈ N. Conclu´ımos que m − (n + 1) = k − n ∈ N, o que estabelece P (n + 1).

d) Se m > n segue-se de c) que m− n ∈ N. Vimos no exemplo 1.4.5 que 1 = min N, donde conclu´ımos que m− n ≥ 1, ou seja, m ≥ n + 1. Se m6= n e m > n ´e ´obvio que |m − n| = m − n ≥ 1, e se m < n ent˜ao |m − n| = n − m ∈ N, donde mais uma vez |m − n| ≥ 1.

(34)

Estabelecemos a seguir outras propriedades de ordem espec´ıficas de N. Teorema 1.4.12. Seja A⊆ N e A 6= ∅. Ent˜ao,

a) Se A ´e majorado em N ent˜ao A tem m´aximo. b) Princ´ıpio da Boa Ordenac¸˜ao: A tem m´ınimo.

c) Supremo e M´aximo: Se A ´e majorado em R, ent˜ao A tem m´aximo. d) N n˜ao ´e majorado em R. Em particular, se ε > 0 ent˜ao existe n∈ N

tal que 1/n < ε.

Demonstra¸c˜ao. Usamos o m´etodo de indu¸c˜ao para estabelecer a) e b). a) Seja P (n) =“Se n ´e majorante de A ent˜ao A tem m´aximo”.

P (1): Neste caso ´e claro que A ={1} e portanto max A = 1. P (n)⇒ P (n + 1): Supomos que n + 1 ´e majorante de A, e temos a provar que A tem m´aximo. Observamos que:

(i) Se n ´e tamb´em majorante de A ent˜ao segue-se de P (n) que A tem m´aximo. Caso contr´ario,

(ii) Temos k≤ n + 1 para qualquer k ∈ A, mas existe k∈ A tal que k′> n. Conclu´ımos que k= n + 1 ´e o m´aximo de A.

b) Seja B o conjunto dos minorantes naturais de A. ´E claro que B 6= ∅ porque 1∈ B, e B ´e majorado por qualquer elemento de A. Segue-se da al´ınea anterior que B tem m´aximo β, e notamos que

(i) β≤ k, para qualquer k ∈ A, porque β ´e minorante de A, (ii) Existe k′ ∈ A tal que k< β + 1, porque β + 16∈ B.

Conclu´ımos que β ≤ k′ < β + 1, donde se segue que k′ = β = min A. Recorremos agora ao Axioma do Supremo para estabelecer c) e d).

c) A tem supremo α∈ R de acordo com o axioma IV. Como α − 1 n˜ao ´e majorante de A, existe k′ ∈ A tal que α − 1 < k′ ≤ α < k+ 1.

Como n˜ao existem naturais no intervalo ]k′, k′ + 1[, conclu´ımos que α = k′ = max A.

d) Se N ´e majorado em R ent˜ao tem m´aximo α, o que ´e absurdo porque α + 1 > α e α + 1∈ N.

Muitas no¸c˜oes elementares da Teoria dos N´umeros envolvem de forma determinante as propriedades de ordem acima.

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