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A liquefação térmica é um processo baseado na despolimerização da matéria-prima. Ocorre na presença de um solvente, em condições moderadas de temperatura (geralmente abaixo de 400°C) e em altas pressões (100 – 250 bar), gerando, principalmente, um produto líquido oleoso denominado biocrude. A liquefação da biomassa é um processo que ocorre com a despolimerização dos biopolímeros complexos em moléculas menores. Estas, por sua vez, passam por uma série de reações de decomposição (clivagem, desidratação, descarboxilação, desaminação) gerando fragmentos ainda instáveis que sofrem rearranjos (condensação, ciclização, polimerização) culminando nos produtos energéticos: biocrude, biocarvão e gases, podendo estes serem empregados em diversas aplicações, como representado na Figura 5 (ARAÚJO, 2020; KIM et al., 2019; LANGE, 2018; ISA et al., 2018; MURTI, 2017; HUANG

& YUAN, 2015).

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Figura 5: Representação esquemática da relação entre solventes e produtos de interesse na liquefação térmica de biomassa lignocelulósica (adaptado de KIM et al., 2019).

Em comparação ao processo de pirólise, a liquefação apresenta a vantagem de não ser preciso secar a biomassa antes do processo termoquímico, operar com temperaturas inferiores (o que significa menor gasto energético), além de se obter um produto líquido com menor teor de oxigenados e maior poder calorífico superior (ISA et al., 2018).

O principal propósito da liquefação é conseguir a parcial despolimerização e desoxigenação da biomassa lignocelulósica de maneira econômica, ou seja, produzindo um biocrude barato que possa ser empregado juntamente com combustíveis pesados ou, mais interessante, passar por um processo de upgrading para obtenção de biocombustíveis de melhor desempenho (LANGE, 2018).

Devido à complexidade das reações envolvidas no processo de liquefação e, principalmente, com o intuito de minimizar reações não desejadas como repolimerização de intermediários reativos, os parâmetros operacionais como temperatura, pressão, solvente, aditivos, razão matéria-prima solvente são de extrema relevância (LANGE, 2018).

De maneira geral, a temperatura apresenta um efeito sinérgico no rendimento de produto líquido na liquefação, pois o aumento da temperatura aumenta a fragmentação da biomassa. Mas, a extensiva despolimerização da biomassa também leva à formação de radicais livres que

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aumentam a probabilidade de repolimerização e, portanto, a formação de biocarvão. O aumento excessivo da temperatura viabiliza decomposições secundárias com a formação de gases (AKHTAR & AMIN, 2011). ZHU et al. (2014) avaliaram o efeito da temperatura variando-a de 280 a 400°C. Constataram um maior rendimento de biocrude à 300°C, embora em temperaturas mais elevadas, o biocrude apresentou menor teor de oxigenados e, portanto, maior poder calorífico superior. Assim sendo, a busca por uma temperatura ótima de operação é importante, principalmente porque será influenciada pelo tipo de biomassa utilizada e os demais parâmetros (KIM et al., 2019).

A pressão é um parâmetro interessante, pois é responsável por manter o meio reacional em fase única para liquefações em condições sub e supercrítica, com temperaturas e pressões do solvente próximas aos valores do ponto crítico do mesmo. Mantendo a pressão acima da pressão crítica do solvente, a taxa de dissolução e hidrólise da biomassa pode favorecer termodinamicamente caminhos reacionais para maior rendimento em líquido e gás. A pressão aumenta a densidade do solvente, facilitando a penetração na biomassa, e, portanto, a decomposição (AKHTAR & AMIN, 2011).

A razão matéria-prima/solvente também é um parâmetro relevante. Uma maior proporção de solvente é desejável para a melhor solubilização, extração e estabilização da biomassa, dos fragmentos intermediários e do biocrude formado. A pirólise produz mais gás do que o processo de liquefação, tal fato sugere a importância da solvatação da biomassa e a solubilização dos fragmentos formados. O aumento da proporção de biomassa pode suprimir a dissolução de seus componentes e o sistema comportar-se como em um processo de pirólise (AKHTAR & AMIN, 2011).

O solvente é um parâmetro crítico na liquefação, já que todo o processo ocorre na interface parede celular/solvente. À medida que a reação ocorre, os intermediários formados precisam ser removidos da superfície lignocelulósica e estabilizados para favorecer a formação do biocrude em detrimento da recondensação e/ou repolimerização em biocarvão. Assim sendo, o solvente tem um grande impacto na distribuição de carbono entre os produtos formados (LANGE, 2018; BARNÉS, 2016). A presença do solvente é realmente a grande diferença entre a liquefação e os demais processos de conversão termoquímica (HUANG & YUAN, 2015).

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Pode-se dividir os solventes em dois blocos: água e solventes orgânicos. A utilização de água na liquefação tem sido extensivamente estudada e é denominada liquefação hidrotermal. Ao utilizar a água em condições de pressão e temperatura próximas do seu ponto crítico, esta passa a apresentar baixa viscosidade e excelente solubilidade para compostos orgânicos. O processo de dissociação da água em H+ e OH- aumenta significativamente. Tal fato resulta em aumento de reações catalisadas pela presença de base ou ácido na água, e esta passa a ser um excelente meio para reações homogêneas, rápidas e eficientes. Assim sendo, como benefícios tem-se um solvente abundante, barato, não poluente, doador de hidrogênio, capaz de agir simultaneamente como reagente e catalisador. No entanto, a liquefação hidrotermal apresenta desafios, principalmente no rendimento e qualidade do biocrude que terá elevado teor de água e cuja separação é, na maioria das vezes, de elevado custo devido a sua alta temperatura de ebulição e alto calor de vaporização (KIM et al., 2019; HUANG & YUAN, 2015; ISA et al., 2018).

Na tentativa de superar os problemas relacionados à utilização de água, muitos solventes orgânicos têm sido empregados em liquefações. Em geral podem ser classificados em quatro tipos: apolares, como hexano e dimetil éter; polares apróticos (não doadores de prótons H+), como cetonas, DMSO, DMF, THF; polares próticos pela presença de hidrogênio em hidroxilas ou aminas, como os álcoois, ácido acético, ácido fórmico; e, líquidos iônicos (MURTI, 2017).

A maior atenção tem se voltado para os solventes com o potencial de serem doadores de hidrogênio. Pois, em condições hidrogenantes, observa-se a formação de um biocrude mais leve e saturado (MURTI, 2017).

Outro aspecto importante é que os solventes orgânicos apresentam pontos críticos inferiores ao da água, portanto, um dos benefícios está relacionado com a possibilidade de se utilizar condições reacionais mais brandas para se atingir os estados sub ou supercrítico. No entanto, também há problemas, principalmente no que tange ao custo e questões ambientais, pois são poluentes (ISA et al., 2018; LANGE, 2018; HUANG & YUAN, 2015).

Muitos estudos têm avaliado o uso de álcoois alifáticos, principalmente em relação à doação de hidrogênio e à habilidade alquilante. O etanol é um solvente muito interessante, já que é produzido pela fermentação de biomassa e apresenta estas características (ARAÚJO, 2020).

De uma maneira geral, os álcoois em estado supercrítico apresentam ótima capacidade de solubilização e são menos corrosivos, sendo um solvente melhor que a água em estado

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subcrítico. Além disso, o produto líquido formado não se separa em duas fases (solúvel e insolúvel em água), de forma que o rendimento em biocrude é maior. Um outro fator é que a remoção do solvente é menos trabalhosa e onerosa (ARAÚJO et al., 2021; ISA et al., 2018).

O hidrogênio liberado no estado sub e supercrítico atua como agente desoxigenante e remove o oxigênio, formando água. Além de promover a despolimerização da biomassa por hidrogenólise, também atua na estabilização de radicais livres, o que previne processos de repolimerização e carbonização. A literatura tem reportado alquilação de fenóis e catecóis na presença do etanol. Não se pode deixar de mencionar, a presença de ésteres nos biocrudes. Tal fato sugere reação entre o álcool e componentes ácidos, o que resulta em benefícios como diminuição da acidez e da corrosividade no produto líquido gerado (ARAÚJO et al., 2021; ISA et al., 2018; MURTI, 2017).

A eficiência na liquefação de biomassa também está relacionada com o tipo de álcool usado.

Álcoois com cadeia alquílicas longas exibem conversão mais rápida (YAMAZAKI et al., 2011).

A possibilidade de estabilização de radicais livres com a presença de hidrogênio no meio reacional é demasiadamente vantajosa. No que tange à liquefação da biomassa, solventes doadores de hidrogênio se apresentaram mais eficientes do que o uso de hidrogênio gasoso para o rendimento em biocrude (ISA et al., 2018).

Compostos com estruturas hidroaromáticas apresentam-se interessantes para atuação como solventes em liquefações devido à pronta habilidade de transferir hidrogênio para os fragmentos radicalares, como é o caso do ciclohexano que pode se transformar em benzeno liberando hidrogênio. Neste quesito, compostos heterocíclicos são mais reativos do que compostos homocíclicos (ISA et al., 2018).

Solventes aromáticos e/ou oxigenados tendem a apresentar melhor performance quando comparados com hidrocarbonetos alifáticos, já que guaiacol apresentou melhor performance que undecano (BARNÉS, 2016).

Alguns estudos apontam que solventes com distância Hansen (Ra) menor que 15MPa1/2 levam a menor formação de biocarvão por serem capazes de dissolver bem os intermediários reativos, prevenindo processos de condensação e carbonização na superfície da biomassa ainda não convertida e estabilizando o biocrude formado (LANGE, 2018).

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Liquefações com mistura de solventes também têm sido estudadas, na grande maioria das vezes, pela mistura de água com um solvente orgânico. Neste caso, explora-se o potencial de ambos, buscando-se um efeito sinérgico. A água, como solvente barato e ambientalmente correto, acelera a degradação da celulose e hemicelulose; já o solvente orgânico (muitas vezes um álcool) atua na despolimerização da lignina e na prevenção de reações intermediárias (KIM et al., 2019).

Também tem sido avaliada a adição de ácidos ou bases, junto ao solvente, no meio reacional, levando-se a um maior rendimento em biocrude. Ácido sulfúrico tem sido muito utilizado por apresentar boa eficiência em concentrações baixas (1 – 3%) e em temperaturas inferiores às utilizadas em reações com catalisadores básicos, sendo mais efetivos na liquefação da celulose (CONDEÇO et al., 2021; LANGE, 2018). Catalisadores básicos podem atuar na diminuição de fragmentos insolúveis e compostos de maior peso molecular, por auxiliar na liquefação da lignina. A adição de KOH em guaiacol resultou em uma significativa redução de compostos pesados no biocrude sem afetar de maneira significativa o rendimento em líquido, gás e sólido.

Aparentemente, a adição da base passa a ser neutralizada pela produção de ácidos carboxílicos na liquefação, resultando em seu consumo (MURTI, 2017; LANGR, 2018).

Diferentes solventes têm sido explorados por pesquisadores, já que o solvente desempenha papel crucial na liquefação térmica e, biomassas lignocelulósicas apresentam demasiada complexidade. Alguns critérios merecem atenção para a seleção de um solvente, como: ser capaz de produzir um alto rendimento em biocrude; ser facilmente recuperado; ter baixo custo e apresentar boas possibilidades de trabalho, como não gerar impactos no reator e não ser responsável pelo aumento excessivo da pressão. Tais critérios são, geralmente, avaliados ao se pensar na aplicação final do biocrude, mas nem sempre todos precisam ser necessariamente atendidos. Em alguns casos, a recuperação do solvente não precisa ser tão eficiente, desde que sua presença no biocrude se traduza em benefícios, como ser aproveitado na etapa de upgrading, ou ser interessante para alguma aplicação do produto líquido, participando na composição do biocombustível, como é o caso do etanol, que já é usado isoladamente como combustível (LANGE, 2018).

A tabela 3 apresenta vantagens e desvantagens em relação ao uso de alguns solventes no processo de liquefação.

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Tabela 3: Prós e contras para diferentes solventes no processo de liquefação (MURTI, 2017)

Solventes Vantagens Desvantagens

Água

• Recursos barato e abundante • Alto rendimento de carvão

• Reações rápidas em poucos

minutos • Condições severas de operação

• Não é necessário secar a matéria prima

Álcoois (Metanol, Etanol)

• Solventes doadores de

hidrogêncio • Reação mais lenta em

comparação a outros solventes

• Condições de operação menos severas (condições

sub/supercríticas são menores que a da água)

• O etanol é um solvente

ecologicamente correto e pode ser incorporado em plantas de bio-refinarias

• Perda de solvente devido à alquilação

• Redução da re-polimerização e re-condensação

• Mais barato que aromáticos e ácido fórmico

• Pode ser mais facilmente retirado por destilação por ser mais volátil

Compostos

fenólicos (fenol, guaiacol, catecol)

HCs(1-Metilnaftaleno, fenantreno, tolueno, tetralina, n-undecano)

• Baixo rendimento de carvão • Caro e poluente

• Os aromáticos são doadores de hidrogênio

• Instável, pode produzir carvão

• Reação mais lenta, podendo encontrar resíduo de biomassa não convertida

• Desoxigenação de lignina • Solvente talvez seja consumido

Ácido Fórmico

• Doador de hidrogênio in situ • Caro

• Rendimento baixo de carvão

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• Previne re-polimerização • Decomposição molecular do solvente

Solventes alcalinos

• Reações rápidas em poucos

minutos • Base pode ser consumida

• Desoxigenação via descarboxilação

• Etapa de

neutralização/acidificação após o processo de

liquefação é necessário

• Supressão da formação de

carvão • Corrosividade

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