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LISBOA, EXPANSÃO URBANA E SUA INSERÇÃO NO SISTEMA URBANO

2. GEOGRAFIA E LITERATURA: UMA PROPOSTA DE DIÁLOGO

2.6 LISBOA, EXPANSÃO URBANA E SUA INSERÇÃO NO SISTEMA URBANO

O destino de Lisboa encontra-se indissociavelmente ligado à sua localização geográfica. É na margem direita do estuário do rio Tejo que surge um pequeno aglomerado com origem pré-histórica, que virá a ser o embrião de Lisboa e será, posteriormente, objeto de ocupação lusitana, romana, muçulmana e cristã. Situada ligeiramente a sul da linha mediana que atravessa o país, junto à foz do Tejo, o maior rio da península Ibérica, navegável até quase à fronteira espanhola, tal fato assegurava-lhe o controle de um vasto território. A existência de um porto seguro, na costa atlântica exposta aos ventos de sudoeste, revelou-se determinante para o desenvolvimento da cidade. Desde o século XIII, ela representava um entreposto e lugar de passagem de mercadores e cruzados entre o Mediterrâneo e os portos da Europa setentrional. A importância da cidade viu-se acrescida com a constituição da nacionalidade e, em meados do século XIII, tornou-se a capital política e econômica do reino de Portugal.

Lisboa localizava-se inicialmente no alto da colina do Castelo, mas o crescimento demográfico e as atividades econômicas favoreceram a sua expansão na direção do rio. A cidade muçulmana já se desenvolvia fora das muralhas, ao longo das margens do Tejo, naquilo que corresponde hoje ao bairro de Alfama. A Idade Média assistiu à expansão de Lisboa, simultaneamente, para as áreas baixas e para as colinas, onde igrejas e conventos deram origem a núcleos habitacionais

autônomos. O comércio e a administração ocuparam desde cedo uma posição de relevância entre as funções urbanas. Mas foi na sequência dos descobrimentos marítimos que, no século XVI, Lisboa se converteu no empório de especiarias que passaram a invadir os mercados europeus.

Em 1754, a cidade de Lisboa compreendia os bairros de Alfama, Castelo, Mouraria, Rossio, Bairro Alto, Mocambo, Andaluz e Remolares. Era uma cidade caracterizada por uma malha irregular, com ruas apertadas e sinuosas. O comércio localizava-se junto ao rio e nas ruas que ligavam o Rossio ao Terreiro do Paço. No primeiro dia de novembro de 1755, um terremoto de grande magnitude, seguido de um maremoto, arrasaram a Baixa e alguns dos bairros envolventes, apagando da topografia lisboeta grandes palácios e construções como o Palácio Real (cuja recordação permanece na designação popular de Terreiro do Paço) e o Arsenal da Marinha, causando a morte de 20 000 dos 250 000 habitantes da cidade.

Devemos, assim, considerar duas fases no que se refere à dinâmica de crescimento de Lisboa: o desenvolvimento anterior a 1755; e a expansão que tem lugar a partir do novo centro reconstruído. Sob o ponto de vista morfológico, a cidade revela-se heterogênea, sendo de destacar: o núcleo antigo, com padrão irregular (em Alfama, na colina do Castelo e na Graça), que encontra na antiguidade do povoamento, na influência muçulmana e na topografia acidentada os motivos responsáveis; o plano ortogonal, resultado de ações planeadas, que surge inicialmente no século XVI, por ocasião da edificação do Bairro Alto, mas encontra a sua melhor expressão na reconstrução da Baixa destruída pelo terremoto.

Como escreve Santos (2008, p. 103),

A variedade dos traçados, as gerações de construções, esses pedaços do tempo cristalizados na paisagem urbana, significam muito mais que as preferências urbanísticas ou arquitetônicas de uma ou outra época: são o mosaico dos séculos mas representam também a sucessão das técnicas, toda a evolução da vida urbana, a soma do passado e dos modernos modos de ser, cuja incorporação não se faz sempre segundo o mesmo ritmo. É a todos esses aspectos que podemos chamar o centro da Cidade (…) – centro histórico, administrativo, turístico e de negócios.

O plano da Baixa Pombalina assume o formato de um retângulo alongado no sentido norte-sul e termina em praças de formato quadrangular. A Praça do Comércio, com a estátua equestre do rei D. José no centro, abria-se para o rio e funcionava como porta de entrada para quem chegava por mar (Figura 1).

Figura 1 – Mapa da Baixa pombalina.

Fonte: www.clix.pt

A norte, o plano terminava na Praça da Figueira, que se tornaria no mercado central da cidade, e no Rossio (Praça D. Pedro IV), que serviria de antecâmara para o Passeio Público, antecessor da Avenida da Liberdade.

No final do século XIX, o tradicional sentido de expansão da cidade ao longo das margens do Tejo infletiu para norte, num movimento iniciado com a abertura da Avenida da Liberdade em 1879 e, depois, da Avenida Almirante Reis. Essas vias seguiram o curso dos dois principais vales que convergem na Baixa (Figura 2). Durante muitos séculos, o centro administrativo e de negócios localizou-se na Baixa.

Figura 2 – A expansão urbana de Lisboa em vários momentos.

Nos anos sessenta do século XX, ele migrou para norte, num primeiro momento ao longo das avenidas referidas e, a partir de meados dos anos setenta, para as Avenidas Novas. No entanto, a Câmara Municipal e parte dos ministérios permaneceram até hoje na Praça do Município e na Baixa.

Beaujeu-Garnier (1983, p. 346-347), citando Soeiro de Brito, escreve a respeito da Baixa de Lisboa:

Reconstruída de maneira geométrica e uniforme, segundo um plano em grelha, depois do terramoto de 1755, oferecia, pois, ao desenvolvimento moderno condições homogéneas. Porém, o seu tamanho reduzido exigiu uma expansão que se fez linearmente, condicionada pelas possibilidades do relevo, e o novo centro estende-se para montante do primitivo vale. Este complexo centro, uma superfície de 33 ha, que não escapa à lei do despovoamento (-50% de residentes desde o princípio do século) nem à lei da concentração, diferencia-se pela repartição espacial das actividades, pela frequência, pelos horários dos utentes, pelo nível social. […] distinguem-se subzonas homogéneas: ao Sul, em redor e nas proximidades da Praça do Comércio, a administração é representada pelos Ministérios e pela Câmara Municipal; nas áreas circunvizinhas, os serviços financeiros, os bancos, as sedes sociais das grandes empresas exploram as possibilidades de relações espaciais e pessoais, assim como os contactos com a administração. […] Um pouco mais a Norte, predomina o comércio: esta actividade ocupa todos os rés-do-chão dos imóveis e, muitas vezes, o primeiro andar, deixando as actividades anexas (escritórios, depósitos, “fabriquetas”) para os andares superiores; os mais altos (quarto e quinto) são ainda, em muitos casos, residenciais.

Ao longo de todo o século XX, o crescimento demográfico foi largamente determinado pelo êxodo rural, um processo que se acelerou depois da II Guerra Mundial e culminaria na expansão, a partir dos anos cinquenta, da área urbanizada para além dos limites administrativos de Lisboa.

Em meados dos anos trinta, a área densamente construída da cidade correspondia apenas a um quarto da superfície total do concelho (8245 ha). Para além de uma ocupação relativamente intensa ao longo da margem do Tejo, com especial incidência na sua metade ocidental, havia a destacar a expansão para norte ao longo das Avenidas Novas.

Em termos demográficos, Lisboa atingiu o seu maior contingente, oitocentos mil habitantes, nos anos sessenta (Tabela 1), tendo perdido população a partir daí em favor dos concelhos envolventes da atual área metropolitana, a ponto de em 2001 registrar um valor inferior àquele alcançado no recenseamento de 1930.

Tabela 1 – Evolução demográfica do concelho de Lisboa. 1900 1930 1960 1991 2001 351210 591939 802230 663394 564657

Fonte: Recenseamentos Gerais da População, Instituto Nacional de Estatística.

Numa aproximação à hierarquia do sistema urbano português, verifica-se a posição superior ocupada, em termos demográficos e funcionais, por Lisboa e Porto. Assiste-se, assim, a uma forte bipolarização representada por essas duas metrópoles, que concentram aproximadamente metade da população portuguesa, a par de uma ausência de cidades de média dimensão e de polos de desenvolvimento no interior do país (GASPAR, 2003).

No entanto, com respeito ao Porto, Lisboa revela-se mais atrativa e dotada de

maior poder de decisão, ao mesmo tempo que concentra um maior número de instituições e funções polarizadoras (porto, aeroporto, universidades, hospitais, centros culturais e administrativos e instituições financeiras).

Por esse motivo, ela é, inquestionavelmente, a primeira centralidade do sistema urbano português, no que diz respeito tanto à atração de fluxos nacionais e internacionais, como de empresas e de imigrantes. Lisboa exerce um papel centralizador, que é simultaneamente causa e reflexo da ausência de cidades médias no resto do país, capazes de mobilizar setores inovadores e de promover o estabelecimento de outras áreas urbanas competitivas.