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Localização das Reservas Indígenas criadas pelo SPI entre 1915 a

No contexto da criação das reservas, faz-se necessário elencar a figura de Marechal Candido Rondon, dirigindo a Comissão de Linhas Telegráficas e Estratégicas de Mato Grosso ao Amazonas, denominado posteriormente de Comissão Rondon, que buscava no contexto da integração do território nacional a pacificação de indígenas93. A partir desta ação e dos contatos

entre indígenas e a Comissão Rondon, em 1910 cria-se o SPILTN (Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais), que possibilitou a criação de reservas indígenas94. Este órgão em 1911 foi reformulado, visando prioritariamente o tratamento específico com as sociedades indígenas, criando o SPI95, e a partir de 1967, transformou-se na Fundação Nacional do Índio (FUNAI96).

Nesta perspectiva, segundo Renata Lourenço (2008) cria-se por meio do decreto nº 404, de 03 de setembro de 1917 a RID. Contudo, a mesma só foi devidamente titulada e registrada em cartório em 14 de fevereiro de 1965, na folha 82 do livro nº 23, no Cartório de Registro de Imóveis na Delegacia Especial de Terras e Colonização de Campo Grande. Reservada como uma área territorial de 3.600 hectares de terras, constando nos documentos do SPI que a criação da reserva se fez com a finalidade para abrigar os Kaiowa, sendo esta a população predominante e tradicional da região.

93 ―A Comissão Rondon fora uma aplicação prática, consciente, das ideias de Comte no terreno militar: a utilização pacífica do Exército no desbravamento dos sertões interiores, na construção de obras civis, como a linha telegráfica: na realização de objetos humanísticos, como a proteção ao índio. É, pois, de Comte que vem a inspiração para esta epopeia dos sertões brasileiros: um corpo de tropa que, avançando em território habitado por índios hostis, se nega a fazer uso das armas, mesmo quando atacado, em nome de um princìpio de justiça‖ (RIBEIRO, 1996, p.155).

94 Darcy Ribeiro (1996, p. 280), comparando as diferentes etapas de integração dos indígenas à sociedade nacional, em meados de 1900, demonstra que nos primeiros registros e/ou contatos dos não indígenas com as sociedades indígenas no processo de integração nacional e avanço das fronteiras de expansão, categorizando por troncos lingüìsticos: ―[...] os Tupi, representados em 1900 por 52 grupos, foram reduzidos a 26; os Aruak, que eram 37, reduziram-se a 23; os Karib passaram de 32 a 22; os Jê, de 27 a 18. Os demais grupos de nossa amostra caíram de 82 para 54‖.

95 Apesar desta reformulação, segundo Lourenço (2008), somente em 1918 o Serviço de Localização de Trabalhadores Nacionais é transferido para outra competência.

96 Segundo Ana Valéria Araújo (2006, p. 31) ―No final da década de 60, o SPI enfrentou uma avalanche de denúncias sobre irregularidades do patrimônio indígena, em especial dos recursos naturais das terras indígenas. Em função disso, o governo federal prometeu esclarecer as denúncias, punir os culpados e criar um novo órgão que faria tudo de modo diferente. De concreto, porém, fez muito pouco. Acabou por extinguir o SPI em 1967, anunciando a criação de um novo órgão para centralizar a prestação de serviços aos povos indígenas. É aí que surge a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), com competência para exercer o papel de tutor dos índios e, dentre outras funções, ―garantir a posse permanente‖ das terras habitadas pelos ìndios e o usufruto exclusivo dos recursos naturais nelas existentes‖. Neste sentido, pode-se dizer que a criação da FUNAI (Fundação Nacional do Índio), sendo esta, o órgão indigenista oficial responsável pela proteção e garantia de direitos das sociedades indígenas em todo território nacional, prosseguiu com bases semelhantes às do antigo órgão indigenista oficial. Contudo, embora esta tenha grandes problemas instituições, a mesma é extremamente importante para as sociedades indígenas, principalmente no que tange a garantia de direitos constitucionalmente reconhecidos.

Contudo, segundo Marina Evaristo Wenceslau (1990), a solicitação da área para criar a reserva se deu em meados de 1910, ano este que é criado o SPI. Este fator não é uma coincidência, mas, sobretudo, elucida que o órgão indigenista oficial, antes mesmo de sua atuação formalizada como SPI, sabia do contingente populacional indígena nesta porção territorial desde o final do século XIX e início do século XX, assim como do avanço das novas frentes de ocupação em seus territórios tradicionais. A localização da RID se inseria como parte do território extenso Kaiowa, denominando de Ka‘aguyrusu (ver Figura II).

Figura II – Ka’aguyrusu

A criação da RID tinha como finalidade o deslocamento dos indígenas de seus territórios tradicionais para dentro das reservas. Assim, um conjunto de te‘yi, pertencentes a diversos Tekoha, ―fora‖ do Ka‘aguyrusu, foram também reterritorizados em condição de reserva, ou seja, diversos te‘yi que não estabeleciam relações sociais de afinidade e laços políticos passaram a compartilhar o território da reserva.

Ainda, a partir de Levi Marques Pereira (1999; 2004) percebemos que a criação da reserva não considerou os padrões socioterritoriais Guarani e Kaiowa, tendo em vista que nas proximidades da mesma, não tinha grandes ocorrências de fluxos d‘água suficientes que propiciassem os padrões socioterritoriais Guarani e Kaiowa, o que inviabilizava a ocorrência de moradias fixas, Oypysy e/ou ogapysy. Por isso, esta área que corresponde a reserva era tradicionalmente utilizada, principalmente, na coleta e caça de alimentos.

A representatividade da Oypysy está diretamente relacionada à presença de moradias, o que não era ocorrente na espacialidade do que compreende a RID. Segundo considera Fábio Mura (2006, p. 334), referente à moradia Guarani e Kaiowa, é que as mesmas eram construções ―[...] utilizadas pelos Kaiowa como residência, hoje denominadas ogapysy (de oga ypy sy, ―casa mãe das origens‖), destinadas a uso ritual e como sìmbolo de diferenciação étnica [chamada também de oca e com maior frequência como casa de reza]97‖. Os lugares onde se encontrava

Oypysy eram os espaços que os Guarani e Kaiowa utilizavam como espaços de morada, fato este que não era ocorrente no momento em que foi criada a RID, de modo que esta era fundamentalmente utilizada como um lugar de passagem (ver Figura III).

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Oga é correspondente a casa, muitas vezes traduzidos como Oca. Fábio Mura (2006, p. 334) considera que ―Embora não seja obrigatório, os ìndios indicam essas construções como o lugar mais apropriado para se conservar os chiru (em forma de cruz)‖.

Figura III - Representação do Kaiowa Ñanderu Jorge sobre a organização de Tekoha’s nas proximidades da RID

Fonte: Trabalho de campo realizado pela autora, 2010. Figura modificada pela autora.

Segundo Jorge, os Tekoha estão nas proximidades do que ele representa como sendo a divisão da reserva, marcada por pontos vermelhos. Na proximidade tem um conjunto de Tekoha, como: Iguarussu, Urucuí, Cuchuí Iguá e Tatuí. Representa também um Tekoha antigo denominado aldeia velha (lugar onde sua mãe morou durante um tempo), sendo banhada pelo Córrego Farinha Seca. É necessário dizer que este lugar é próximo à residência de Jorge na RID, e de certa forma demonstra a necessidade do grupo em manter relações de proximidade com os territórios tradicionalmente ocupados98. Jorge considera que este lugar em que compreende a reserva, não eram lugares privilegiados para a construção de ogapysy, pois havia poucas e escassas cabeceiras de córregos, mas era muito utilizado para a caça e coleta.

98 Esta relação deve ser melhor pesquisada, pois quem escolhia os lugares em que cada família iria ocupar na reserva era o capitão, figura esta que iremos discutir em outro momento neste capítulo.

Assim, considerando que não havia ocorrência de moradias no que compreende a RID, a aldeia velha, que ficava muito próxima da divisão da reserva, e talvez dentro do que concerne a reserva hoje, pudesse ser utilizada como um espaço de passagem, pode-se dizer de ―trânsito‖ que interligava um Tekoha a outro, possibilitando a comunicação entre eles.

Entendemos que a criação da RID em nenhum momento considerou os fatores socioterritoriais Guarani e Kaiowa, pois fundamentalmente não considerou que a escolha de moradias relacionava-se com a localização de água corrente e nascente de água potável, demonstrada por Levi Marques Pereira (2004). Isso não significa que a reserva não tinha nenhuma cabeceira de água, mas que não tinha de forma suficiente para a construção de moradias. A partir do Kaiowa João (2010), indo ao encontro das colocações do Kaiowa Ñanderu Jorge, salienta que a área territorial do que compreende hoje a RID era organizada socioterritorialmente da seguinte forma:

E aqui não era, isso daqui não era um... não era aldeia, isso aqui era uma terra na verdade devoluta. A aldeia tava mais pra região de Cambé, Eldorado, um pouco mais pra região de [...] sabe, porque aqui não tem água. Aqui sempre foi esses riachinho, e os indígenas nunca tavam [...] aqui na verdade eu acho que é um lugar de caça.

Em linhas gerais, a criação da RID, se deu pela aglomeração indígena nesta região, não só pela ocupação tradicional Kaiowa, mas também pela aglomeração de indígenas trabalhando na extração da erva mate à Companhia Matte Larangeiras99. A explotação da erva-mate pelos Guarani e Kaiowa trouxe alguns problemas referentes a espacialidade vivida por estas sociedades em seus territórios tradicionalmente ocupados, já que toda área concedida à Cia para explotação da erva é parte do território tradicionalmente ocupado por estas sociedades, pois até o significado da palavra erva-mate (Ilex paraguariensis) na língua guarani, significa Ka‘a (folha e/ou erva), sendo uma expressão da identificação e reconhecimento do que entendemos ser os Guarani e Kaiowa (Ka‘agua – aquele que veio do mato e/ou da erva), sendo parte indissociável de sua territorialidade no mundo.

99 As concessões de terras à Companhia Matte Larangeiras desde 1882, tendo sua primeira concessão de terras feita pelo estado de Mato Grosso, através do Decreto Imperial n° 8.799 (9/12), a Tomaz Larangeira, passando este a deter a exploração dos ervais ―[...] nos limites da Provìncia do Paraguay, entre os rios Amambahy e Verde, e pela linha que desses pontos for levado para o interior, na extensão‖. (CORRÊA FILHO apud MORENO, 2007, p. 87). Ainda a mesma tinha o direito de usufruto dos ervais e de posse da terra.

Esta relação é demonstrada por Jorge Eremites de Oliveira (2005, p.11), ao sinalizar que:

[...] Ao contrário do que muitos possam supor, esses ―ervais nativos‖ devem corresponder a paisagens de origem antrópica, isso é, humanizadas, haja vista que sua constituição deve estar diretamente associada a práticas de manejo agroflorestal comuns entre grupos indígenas de língua guarani. Ervais assim somente ocorrem na região platina, em áreas de ocupação imemorial e tradicional de povos nativos como os Kaiowa, Ñandeva e Mbyá, cujos antepassados aqui chegaram há séculos ou milênios, os mais antigos ao redor do início da Era Cristã. Estudos realizados em outras regiões brasileiras, como nos cerrados, Amazônia, Pantanal e planalto meridional, por exemplo, comprovam que paisagens aparentemente naturais, na verdade são antrópicas.

Os territórios tradicionalmente ocupados pelos Guarani e Kaiowa possibilitaram a criação das reservas, que naquele momento estavam sendo monopolizados pela Companhia Matte Larangeiras, como apontam Levi Marques Pereira e Jorge Eremites de Oliveira (2009). O Kaiowa Ñanderu Jorge (2011) salienta que muitos índios iam para o trabalho e demoravam muito tempo para retornar, calculando em torno de seis meses. ―[...] Meu pai conta... ia pra lá o índio, fica lá seis meses. Ia pra Caarapó, é, Rio Brilhante [...] era longe esse daí, enquanto num acabava, ficava. A muié, a muié fica em casa, num vai junto [...]‖.

Pode-se ainda dizer que no contexto das relações de trabalho entre indígenas e Companhia Matte Larangeiras, esta tenha sido uma das primeiras responsáveis pela desarticulação dos Guarani e Kaiowa nos seus Tekoha. Portanto, concordamos com Eva Maria Luis Ferreira (2007, p.71) de que: ―para boa parte dos Kaiowa e Guarani, o trabalho nos ervais parecia se constituir como uma oportunidade de interação com os novos sujeitos sociais, com os quais passam a, compulsoriamente, compartilhar o território que dispunham até então com exclusividade [...]‖.

Segundo Katya Vietta e Antônio Jacó Brand (2004, p. 221), ―[...] o trabalho na colheita da erva-mate foi certamente responsável pelo deslocamento de inúmeras famílias e núcleos populacionais inteiros, tendo em vista a colheita em novos e por vezes distantes ervais. Por isso, ao que parece, atingiu pouco a sua estrutura social interna [...]‖. Ainda, os autores consideram que a formação das primeiras fazendas, no final do século XIX e início do século XX, tampouco trouxeram grandes problemas para a organização socioterritorial Guarani e Kaiowa, porque as mesmas ―[...] se instalaram nas regiões de campo entre Amambaì, Ponta Porã e Bela Vista [...], pois, os Kaiowa e os Guarani localizavam suas aldeias, preferencialmente, nas regiões de mata‖.

Contudo, durante o monopólio dos territórios tradicionais à Companhia Matte Larangeiras, esta também se colocou impossibilitando frentes de ocupação, em que as bases estendiam-se ao domìnio privado sobre os territórios Guarani e Kaiowa, tendo em vista que ―[...] a companhia mantinha sua polícia própria para evitar a entrada de colonizadores brasileiros, que pudessem por em risco seu monopólio‖ (FOWERAKER apud BRAND, 1997, p. 51 - grifo nosso).

Para entendermos porque a Companhia Matte Larangeiras não precisou se territorializar e expropriar os indígenas para continuar reproduzindo/acumulando capital é necessário entendermos o que Ariovaldo Umbelino de Oliveira (1997; 1999; 2004) e José de Souza Martins (1981) explicam acerca do desenvolvimento do capitalismo no campo100. Estes autores vão afirmar que existe um desenvolvimento contraditório do capitalismo, que para se desenvolver é necessário que este se alimente de relações sociais não-capitalistas, como são as relações indígenas, camponesas e quilombolas.

Isto porque, segundo José de Souza Martins (1981), somente em alguns setores da produção agrícola é que ocorre a expansão das relações capitalistas de produção, no caso, as mais lucrativas ao capital, destinadas, principalmente, à exportação (commodities). Portanto, em alguns setores não compensa ao capital se tornar proprietário de terras e, portanto, territorializar-se. Quando ocorre este processo dizemos que houve a monopolização do território pelo capital monopolista, ou ainda, a territorialidade do capital sobre os territórios não-capitalistas (indígenas, camponeses, quilombolas...). Nesse caso, o indígena, camponês, quilombola não é expropriado. Assim, quando o capital monopoliza o território, ele cria/recria/redefine relações não-capitalistas. Ele abre espaço para que essas gentes se reproduzam enquanto grupo social. Embora ocorra uma disputa territorial pelo controle das formas de uso desses territórios quando o capital incorpora sua territorialidade em territórios camponeses, indígenas, quilombolas (OLIVEIRA, 1997; 1999; 2004).

No caso específico, os Kaiowa e os Guarani conseguem neste processo continuar existindo e se reproduzindo material e culturalmente. Mas, ocorre uma redefinição dessas relações pelo capital, pois estes estão sendo subordinados ao capital que precisa dessas gentes

100 Aqui estamos redefinindo o que estes autores discutiram acerca da reprodução da classe camponesa no capitalismo contemporâneo brasileiro, pensando no estudo de caso específico acerca dos territórios Guarani e Kaiowa. Sendo que esses autores discutem a sujeição da renda camponesa ao capital e não a utilização de mão-de- obra indígena pelo capital.

para se reproduzir. Em última instância, este processo impede o processo de ―desterritorialização absoluta‖.

Esse caso se difere de quando ocorre o processo de ―territorialização do capital monopolista‖, em que o capital se desenvolve de maneira plena. É quando o capital destrói o processo de produção/reprodução territorial camponesa, indígena, quilombola. Nesse processo, o capitalista é o proprietário industrial e o proprietário fundiário ao mesmo tempo. É nessa lógica que se instala o agronegócio, caracterizando a paisagem do campo com a lógica da produção agrícola do capital mundializado, ou seja, um mar de cana, soja, laranja, pastagem (digamos assim, ―mar de monocultura‖) (OLIVEIRA, 2004).

Em linhas gerais, podemos dizer que a monopolização das terras dos Guarani e Kaiowa para Companhia Matte Larangeiras, possibilitou que permanecessem em seus territórios tradicionalmente ocupados, fato este, que passa a ser mudado a partir das novas frentes de ocupação do território, a partir de políticas integracionistas do Governo Federal de ocupação do Norte e Centro-Oeste do Brasil, a partir do século XX. Este projeto de integração se consolidou na contramão da exclusividade de monopólio das terras pela Companhia Matte Larangeiras, embora esta ―[...] tivesse seguido até 1943, ano em que o então Presidente da República, Getúlio Vargas, criou o Território Federal de Ponta Porã e anulou os direitos da Companhia. [...]. E, em 1947, o então governador Dr. Arnaldo Estevão Figueiredo cancelou o contrato com esta companhia [...]‖ (BRAND, 1997, p.87).

As políticas públicas de integração territorial tiveram um papel expressivo na formação e re-territorialização dos Guarani e Kaiowa para as reservas. Se por uma lado é a partir de 1950 que o processo de desterritorialização Guarani e Kaiowa de seus territórios tradicionalmente ocupados torna-se mais intensa, podemos dizer que a criação das reservas no início do século XX é parte de um processo de colonização e ocupação do território tradicional destas sociedades. Pois, como já considerado por Katia Vietta e Antônia Brand, já no final do século XIX ocorria um processo de formação de fazendas nos territórios Guarani e Kaiowa sobre a monopolização da Companhia Matte Larangeiras.

Assim, partindo do contexto de que o declínio da exploração da erva-mate foi parte de um projeto de liberação de terras para colonização, diferentemente da concessão dada pelo Estado à Companhia Matte Larangeiras a ―usar‖ o território, as novas frentes de ocupação tiveram como base primordial a constituição da propriedade privada. Este fato pode ser

correlacionado à criação da primeira reserva criada pelo SPI em Amambaí, em 1915, indo ao encontro à primeira crise da Companhia Matte Larangeiras, em que o Estado, não renovando o arrendamento para a exploração ervateira sobre uma área total de terras de 1.440.000 hectares, através da Lei nº 725, de 24 de setembro de 1915, demonstra e elucida que era necessário liberar as terras para novas frentes de colonização (BRAND, 1997).

Segundo João Edmilson Fabrini (1996, p. 47), as novas frentes de ocupação- colonização já estavam sendo encaminhadas pelo Estado a partir do final do século XIX. Contudo, é no século XX que as novas frentes de ocupação tornam-se mais frequentes indo na contramão do controle territorial da exploração ervateira pela Companhia Matte Larangeiras. Ainda segundo o autor:

O sul de Mato Grosso do Sul foi ocupado através de duas frentes colonizadoras. Uma das mais antigas, formada por imigrantes vindos do Rio Grande do Sul no final do século XIX e início do XX, que buscavam áreas de campos para a prática da pecuária e a atividade ervateira, em áreas de topografia mais elevada na Serra de Amambaí próximo aos limites com os Estados de São Paulo e Paraná, em área onde predominavam as florestas. A ocupação dessa última área foi feita basicamente por paulistas, paranaenses e nordestinos, no processo da ―frente pioneira‖ para o oeste.

A partir do declínio da Companhia Matte Laranjeira há mudanças muito mais significativas nos modos de apropriação e controle territorial Guarani e Kaiowa, comparado ao tempo do monopólio destes territórios pela Companhia Matte Larangeiras. Os Guarani e Kaiowa não só perderam a exclusividade de viver em seus territórios, mas foram obrigados a ―sair‖ deles, aparecendo na condição de reserva proposto pelos órgãos indigenistas oficiais, como o único caminho possível de re-territorialização Guarani e Kaiowa, seja pelo SPI e, posteriormente, a FUNAI. Desta forma, a partir de 1950 o avanço das frentes de expansão e pioneiras para integração do Centro-Oeste e Norte do Brasil se delineou desconsiderando a presença indígena. A partir das considerações de Lylia da Silva Guedes Galetti (2000, p. 105) sobre ―espaços vazios‖, esta negação da presença indìgena foi também uma estratégia de que ―fazia-se necessário ocupar o sertão‖.

El ojo de la civilización expressa primorosamente a visão predominante entre estes ―homens cultos‖, quase sempre europeus que, entre a segunda metade do século XIX e as primeiras décadas do XX, movidos embora por interesses diversos, penetraram nestas regiões remotas. Sensibilidade já meio embotada na sua capacidade de ver paisagens e admirá-las, imaginação atada ao tempo das

realizações capitalistas, ao poder da ciência e da técnica, sinais da natureza superior de seu próprio mundo, eles imaginaram estes espaços vazios, reservas de inesgotável abundância, à espera de que a civilização deles se apossasse.

É por meio desta negação do indígena que se estabelece o processo de ocupação e integração nacional para as regiões Norte e Centro Oeste que culminou em um processo de desterritorialização das comunidades indígenas e de territorialização do capital no campo. Tendo em vista que estes fundamentos,

São todas ideias que de certa forma terão sua concretização iniciada ainda na

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