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Ocupação Tradicional Kaiowa em Mato Grosso do Sul

A partir deste período, os Guarani sofrem um expressivo processo de desarticulação socioterritorial, é que parte da monopolização do território Guarani e Kaiowa para explotação da erva-mate, que utilizou a mão de obra indígena, trouxe como consequência a dispersão de familiares para o trabalho nos ervais. Ainda, neste momento, têm-se no início do século XX a criação das reservas indígenas pelo SPI. Estes fatores indicam o conjunto de transformações que ocorrem nos territórios tradicionalmente ocupados pelos Guarani e Kaiowa, transformando seus modos de viver, que culminou na re-territorialização Guarani na RID.

Ainda, outras frentes migratórias Guarani se fazem na reserva, correlacionadas ao papel das igrejas pentecostais107, tendo como expressividade a Missão Caiuá108. O Kaiowa João (2010) relata que os Ñandeva chegaram junto à missão no final da década de 1920 e início de 1930, em referência a família Souza, sendo estes, oriundos de São Paulo.

107

Segundo Gedeon Freire de Alencar (2008, p. 774-775), o pentecostalismo é fundamentalmente um ―Movimento religioso evangélico onde há manifestações chamadas pentecostais, expressão dos dons espirituais como profecia, cura, falar em lìnguas estranhas‖. Socialmente, o pentecostalismo alcançou majoritariamente as classes de baixa renda e pouca escolaridade. Atualmente, ―[...] já existe uma presença quantitativa de pentecostais em classes sociais mais altas, além do processo de ascensão social muito enfatizado no neopentecostalismo‖.

As igrejas pentecostais na RID são, assim, aqueles tradicionalistas, como a Deus é Amor. E as neopentecostais, são igrejas que tem como base a Teologia da Prosperidade, como a Universal do Reino de Deus entre outras (CAMPOS, 2008). Contudo, é necessário considerar que algumas igrejas pentecostais têm utilizado de alguns mecanismos das igrejas neopentecostais.

108 Segundo Carlos Barros Gonçalves (2009, 123) a Missão Evangélica Presbiteriana, conhecida como a Missão Evangélica Cauiá, foi fundada em 1929 na RID. Como ainda demonstra o autor, a missão adquiriu na década de 1930 duas áreas de terras em lados opostos à reserva. A primeira sendo uma área de 1.020 hectares a cerca de duas léguas da reserva, estando nas proximidades da mesma, onde esta não satisfez e/ou supriu os requisitos básicos para uma efetiva instalação. E a segunda, visando ―[...] o desenvolvimento a contento dos objetivos evangélicos, os missionários compraram uma área menor e mais próxima ao posto Indígena e à vila de Dourados entre 1931 e 1932. Somente com esta última iniciaram os trabalhos de construção fìsica da Missão [...]‖.

A aquisição de terras por parte da missão, também foi negociada com o General Marechal Cândido Rondon que havia procurado pela Missão para ajudar na instalação da mesma. Assim, durante uma reunião, realizada em 15 de junho de 1929, o general havia dito que ―[...] durante sua próxima visita à região matogrossense aproveitaria a oportunidade para visitar a Missão, tendo prometido fazer tudo o que estiver ao seu alcance para ajudar a Missão na aquisição do terreno sem a cláusula referida [...]‖. (GONÇALVES, 2009, p. 192) (ver Anexo II).

No contexto de hoje, é necessário elucidar o papel das igrejas evangélicas na vida dos Guarani, Kaiowa e Terena na RID, tendo em vista que segundo Graciela Chamorro (2011), em 2008 havia 36 igrejas evangélicas na aldeia Jaguapirú, acreditando que este número seja ainda maior. Ainda considerando as igrejas na Bororó, este número poderá ser duplicado.

Ainda é importante dizer que, segundo Levi Marques Pereira (2004, p. 141), no lugar onde instalou-se a Missão Caiuá (a partir da narrativa do Ñanderu Tingasu), ―[existia] um tekoha pavêm que ia dos fundos da Missão Caiuá, ao lado da atual reserva de Dourados, e seguia o curso do rio Laranja Doce e seus córregos afluentes até o rio Brilhante, englobando populações de várias parentelas (casas comunais) articuladas por líderes cujo prestígio se estendia por várias parentelas – tekoha -, mas que em seu conjunto reconheciam a orientação de um grande líder religioso –

tekoha ruvicha pavêm. Essas parentelas foram expulsas dos locais em que viviam entre décadas de 1920 e 1960,

sendo reunidas nas reservas de Panambi, Panambizinho e Dourados. Ele diz ter nascido na casa comunal de um xamã conhecido como Luis, nos fundos da Missão, numa área situada ao lado da atual reserva de Dourados. Ainda segundo sua informação, o tekoruvicha também era denominado de ñe‘engararuvicha, cuja tradução aproximada seria o ―senhor das palavras‖, tinha como incumbência ―comandar toda essa região‖.

Então, tem uma leva de guarani que eles vêm de São Paulo, que é esses do... (Souza) esses parente do..., aqui parente do Cláudio. Do Marcelo de Souza, esses pessoal é..., vem dos tupi, vem de São Paulo. A família do..., a família inteira do Marcelo de Souza, do Claudio, eles falam que veio, tanto é que quando houve uma tensão aqui eles levaram o pessoal lá pro Paraná. Na aldeia do Paraná, que eles vem do Paraná.

Segundo Marta Coelho Castro Troquez (2006, p. 36-37), a partir dos relatos do Reverendo Orlando Andrade da Missão Caiuá,

[...] chegaram nestas terras por volta de 1920 uma família Guarani, os Souza, vindos do litoral brasileiro. Rev. Orlando teria conhecido Olegário de Souza o qual lhe contou que tinha vindo com seus pais de ―uma terra ao lado do mar‖ [...]. Este registro coincide com o ―depoimento‖ da senhora Julia (80 anos) filha de Olegário109. Dona Júlia afirmou que sua família foi a primeira família Guarani (Ñandeva) a chegar na Reserva de Dourados. Segundo ela, seu pai e irmãos, teriam ficado cerca de um mês a cavalo para Campo Grande a fim de garantir para sua família um pedaço de terra na área reservada em Dourados. De acordo com Dona Júlia, seu pai e seus tios, teriam vindo da região de Sorocaba ―fugidos‖ para Dourados.

No que concerne ao papel da Missão Caiuá na RID, há uma considerável interferência no modo de vida das populações indígenas em condição de reserva110, pois tinham como fundamentos desta interferência, os projetos civilizatórios do órgão indigenista oficial de integração dos índios à comunhão nacional, em que a igreja e a educação escolar aparecem como apoio destes fundamentos. Renata Lourenço (2008, p. 137) faz a seguinte afirmação acerca do papel da escola e da igreja:

[...] o objetivo fundamental da educação escolar era tornar os índios definitivamente homens/mulheres (cidadãos) úteis à Nação, que vivia ―a lutar contra a falta de braços para a lavoura‖ com tantos ―filhos selvagens‖ a serem ―instruìdos‖. A Igreja cabia, em muita paciência e obstinação desses missionários, que se ―privaram‖, como ―heróis‖, das comodidades da vida.

109 Irmão do pai de Marçal de Souza. 110

A Missão Cauiá teve e tem um trabalho extremamente importante junto às populações indígenas. Embora tenha interferido entre muitos aspectos na organização cultural destas sociedades, foi esta que, muitas vezes, criou mecanismos de ajudar esta sociedade, exemplo este é a diminuição da taxa de mortalidade entre os Guarani e Kaiowa na reserva. Em 1977, Loide de Andrade, na época uma das pessoas responsáveis pelo trabalho desenvolvido pela Missão Caiuá, informa que no período da criação do PI Francisco Hortas, entre os Kaiowa habitantes da região de Dourados, registra-se um alto índice de óbitos, provocados, principalmente, pela desnutrição, tuberculose e DSTs (SILVA apud VIETTA, 2007).

Neste contexto, retomando a reflexão acerca da história do processo de territorialização precária dos Guarani à RID, pode-se dizer que antes mesmo da criação da reserva, a primeira frente migratória provavelmente tenha se dado no início do século XX e, posteriormente, a este momento tem-se uma frente migratória de Guarani com a atuação da Missão Caiuá na RID.

3.1.2 – A presença Terena no Ka’aguyrusu e na Reserva Indígena de Dourados

―Bom, o que eu... Assim, pelo que eu percebo, nesse tempo que eu andei lendo essas tese acadêmica do pessoal da UFMS mesmo [...]o pessoal pesquisador né, a gente nota que o que tem registrado é que os TERENA chegaram aqui em 30, né? Em 1930, década de 20... Mas, até a gente se questiona isso, porque, por exemplo, eu tenho... eu tiro por mim né, eu tenho 49 anos né, eu nasci em 60, tá, e o pai também nasceu aqui. Voltando pro lado do tronco do meu pai né... aí o pai nasceu em 38... aqui também. E o avô dele, o pai dele também nasceu aqui, aí vamos supor que o pai dele tivesse... que casou com 15 anos. Aí voltando pra trás mais o calendário vai dar o que? 38 menos 15 vai dar... 19, né? Acho que é 19, né? 19 anos (Aqui dá 23 anos). Aí já são, no caso 1919, o avô dele né, o pai dele, nascimento do pai dele. Mas o pai dele também nasceu aqui. E aí? Supõe de novo que ele casou com 15 anos, jogando só no entorno de 15 anos que menos que isso aí era impossível de um pai e uma mãe dar uma mulher pra alguém casar na época. Aí já vai descer pra 1904, então em torno de 1900 alguns TERENA já devia tá aqui. Mas isso não tá confirmado nas tese... pra eles tá falando que é 1920, 1930, mas que não tá assim muito, sei lá, eles têm que pesquisar [...]‖.

Kaiowa João Reserva Indígena de Dourados (Bororó), 2010.

―Aqui também é nosso lugar‖ Terena Gabriel Reserva Indígena de Dourados (Jaguapirú), 2010.

De antemão, devemos recolocar a narrativa de João no espaço-tempo, partindo do contexto de que os Terena são descendentes dos Chané, Guaná e/ou Chané-Guaná, falantes da língua Aruak, do tronco linguístico Aruak, que, tradicionalmente, ocupavam a bacia do Rio Paraguai na região do Chaco e do Pantanal, juntamente com os Kinikinawa e Laiana

(BITTENCOURT; LADEIRA, 2000; VARGAS, 2003; EREMITES DE OLIVEIRA; PEREIRA, 2007; LADEIRA, 2010).

A desterritorialização destas sociedades de seus territórios tradicionalmente ocupados se deram anteriormente ao processo de ―descontrole‖ territorial Guarani e Kaiowa. Vera Lúcia Ferreira Vargas (2003) considera alguns fatores históricos que envolvem os Terena, tais como: as frentes migratórias dos Terena advindos do Chaco paraguaio à territorialização no sul do antigo Mato Grosso, a participação desta sociedade na guerra entre o Paraguai e a Tríplice Aliança e, posteriormente, o pós guerra.

Referente à desterritorialização Terena do Chaco Paraguaio, a autora assinala que ―[...] aconteceu principalmente devido a questões econômicas que envolviam, a região e os interesses dos colonizadores que viam essa sociedade e as demais como empecilhos para os seus interesses, uma vez que elas ocupavam aquelas terras [...]‖ (VARGAS, 2003, p.45). Posteriormente a este processo de desterritorialização, a guerra entre o Paraguai e a Tríplice Aliança é compreendida como o segundo e principal momento deste processo de desterritorialização e dispersão dos Terena no sul de Mato Grosso, nos propiciando entender a presença Terena nas proximidades da RID.

No contexto da Guerra entre o Paraguai e a Tríplice Aliança, esta marcou profundamente a história dos Terena, que aliados aos brasileiros sofreram ataques e represálias por parte das tropas paraguaias. É quase certo que as ―aldeias‖, então existentes na região dos rios Miranda e Aquidauana desapareceram e, consequentemente, houve o refúgio destas sociedades nas serras de Maracajú e Bodoquena. Ao final da guerra, em 1870, os Terena começaram a voltar para suas antigas aldeias, que, por sua vez, foram destruídas durante a Guerra contra o Paraguai e estavam sendo disputadas pelas frentes de colonização e ocupação, em geral, por oficiais desmobilizados do exército brasileiro e comerciantes que lucraram com a guerra e que permaneceram na região (VARGAS, 2003).

Neste contexto, Circe Maria Bittencourt e Maria Elisa Ladeira (2000, p.77) explicam que ocorriam conflitos entre os Terena e a novas frentes de ocupação, como os fazendeiros, assinalando que ―[...] havia muita exploração dos proprietários brancos sobre o trabalho dos Terena [...]‖, e que este momento da história Terena é lembrado e/ou conhecida como Tempos de Servidão, demonstrado a partir da fala do Terena João Menootó Martins.

O pessoal daquela época tinha medo porque ainda se lembrava do patrão que os chicoteava na fazenda. Quem se atrasava para tomar chá de manhã era surrado... foi o finado meu avô quem me contou. Como castigo o pessoal tinha que arrancar o mato com as próprias mãos. Quando a comida estava pronta, eles mediam toda a sua tarefa. Eram quinze braças de tarefa e, mesmo não terminando a tarefa do dia, de manhã mediam outra tarefa, que acumulava (apud BITTENCOURT; LADEIRA, 2000, p. 77).

Nesta perspectiva, os Terena desterritorializados de seus territórios tradicionalmente ocupados pelas frentes de ocupação para o antigo estado de Mato Grosso, se dispersaram na mesma proporção em que sofriam o impacto da perda de seus territórios tradicionalmente ocupados, podendo a partir daí sinalizar a presença Terena na RID, considerada na narrativa do Kaiowa João (2010).

Então eu, na minha opinião sabe, algumas família Terena, eles deveriam tá por aqui em torno de 1900. E não só pro lado do tronco do meu pai, mas assim também os Silva, a família Silva, a família Reginaldo, que era legal também você entrevistar eles, a família Silva, a família Reginaldo... são esses três, que era os Terena que tava aqui na época [...] Pode sê por causa da guerra (referente a guerra do Paraguai e a Tríplice Aliança), mais não só os Terena, mas também os Kinikinawa, Bororo, tava aqui...

A partir da narrativa de Vilson (2010) percebemos, também, a mobilidade dos Terena no período pós-guerra.

[...] Era em função da Guerra. Porque o certo eu acredito assim, porque a comunidade ela se abre toda vez que ela toma uma pressão. É quase que um Big Brother assim, o Big Brother às vezes tá tenso assim, e quem que eles vai eliminar? Eles elimina o que é mais pentelho. O mais né, aquele que eles vai botar no paredão. Então, quando há mais tensão, assim, os mais pentelho que num tá muito satisfeito, ele acaba saindo. Eu acredito que minha família teve alguma tensão, alguma coisa, né. Essa informação eu presumo que seja assim. Então eles desce, eles começa a descer, e eles passa vários anos até chegar aqui. Tinha gente recém nascido lá e eles chega aqui com três anos. Lá é Miranda. Eu já não sei se no caminho, minha vó falava né, pelo jeito na saída. Agora não sei quanto na saída, né, se ainda na aldeia ou já no trecho, né. E eles saem e desce, vem pelo Rio Nabileque, desce, né, desce no Rio Branco, e tal, e vem pelo Rio Paraguai e se instala, acho que eles para um pouco ali no Chaco Paraguaio. Lá dentro do Paraguai mesmo. E de lá que eles sobem e vem por aqui no Laguna, ali por onde passou a batalha do Lopes, né. Franscisco Fernando Lopes, e ai sobe até chegar aqui. Itaum, é Itaum ainda ficou um pouco deles. Lá ficou uma, duas ou três famílias que você vê que tá, vira o volta eles tão lá, né. Mas, que, que, esses índios quer aqui, eles ficam olhando, fica lá, onde, porque lá é onde ficou um grupo também, Itaum, né. E ai o grupo maior veio pra cá. [...].

Na vinda... da minha família, né (está relacionando a chegada no que entende hoje por RID), da família do meu vô, eles vinha, eles desce do Chaco Paraguaio, depois da Guerra do Paraguai, né, em 1867, né. Depois que acaba a guerra do Paraguai, eles desce no Chaco. E do Chaco eles vêm até aqui na... Chega aqui em Dourados, e eles entra aqui pela Picadinha. Então, eles se instalam exatamente lá aonde é o Bororó, mais precisamente ali perto... agora num tem mais Calipau, primeiro tinha um Calipau ali.

Segundo a narrativa de Vilson, os primeiros Terena ocupavam os fundões do que compreende ser hoje a RID, nas proximidades da escola Araporã, sinalizando que havia ―[...] uma área de mato grande, tinha um Calipau ali‖, sendo este um ponto de referência ao sinalizarem a presença Terena anteriormente à passagem de Marechal Candido Rondon com a rede de linhas telegráficas utilizando a mão-de-obra Terena.

Estas narrativas tornam perceptíveis que a guerra entre o Paraguai e a Tríplice Aliança possivelmente foi o estopim do ―descontrole‖ territorial dessas sociedades. Desterritorializados de seus territórios, estes vão se refugiar nos fundos de fazendas como sem terras e sem condições mínimas de reprodução sociocultural nos preceitos tradicionais de sua organização. Na memória dos Terena, descendentes daqueles primeiros que chegaram à reserva, é consenso dizer que neste momento histórico passaram por muitas dificuldades e tiveram que recriar condições socioculturais para continuarem a viver. A narrativa de João (2010) demonstra esta dificuldade:

[...] os Terena tava aqui na reserva, minha mãe, a vó conta isso... Ah, conta que ficou tudo bagunçado, num sabia pra onde ia mais, ai veio aqui. Ai, nisso daí, foi ficando, ficando... [...]. tem muita gente que fala que foi o Rondon que trouxe, mas num foi, ele trouxe, mas ai já foi a segunda leva, minha vó conta isso [...].

A partir da narrativa de João, visualizamos o papel de Marechal Candido Rondon em propiciar a vinda dos Terena à reserva, que liga-se a sua passagem na década de 1920. Mas, é corriqueiro, entre muitos autores, demonstrarem a presença Terena na reserva após este momento, incentivados pela política do órgão indigenista oficial, como é relatado por Olívio Mangolin (1993, p. 23): ―[...] na década de 1930, um grupo de ìndios Terena (famìlia Aruak), habitantes de uma região mais ao norte do estado foi levado para a área indígena de Dourados pelo antigo SPI, com o objetivo de civilizar os Guarani [e Kaiowa] ali localizados‖. Entretanto, na contramão deste consenso, relatos de Terena, Guarani e Kaiowa na reserva, constatou-se outra realidade. Ainda nas palavras de João (2010) ao sinalizar a presença Terena, no final do século XIX e início do século XX, na região onde se estende a RID, este sinaliza que:

Eu acho que... o que eu poderia confirmar pra você é que a família Machado, a família Silva e a família Reginaldo, esses eram... não sei, eu não saberia a época que eles estavam aqui, mas só que baseando pro lado do meu pai, voltando o tempo atrás, eu acho que em 1900 eles estavam aqui, já.

Os Terena, não sendo tradicionalmente do Tekoha Guasu Ka‘aguyrusu, salientam que estão nesta região antes mesmo da criação da RID, fazendo menção à organização socioterritorial dos Kaiowa e Guarani, já estavam vivendo nas proximidades do que compreende a reserva hoje, havendo tensionamento muito intenso do que compreende a presença Terena na RID antes mesmo de sua criação, de modo que os Kaiowa tendem a dizer em sua maioria que os Terena chegaram com a passagem de Rondon pela região com as redes de linhas telegráficas pela região. Segundo Circe Maria Bittencourt e Maria Elisa Ladeira (2000), a instalação de redes de linhas telegráficas sobre o comando de Rondon, utilizou primeiramente a mão-de-obra Bororo e, posteriormente, a Terena, quando já se encontravam em território Guaicuru e Terena, aparecendo à concepção de que este seria o segundo grupo de Terena que chegou à reserva. O Terena Vilson (2010) salienta que:

A segunda [referente ao segundo momento de chegada dos Terena na RID] foi com o Rondon, isso ai a segunda a gente já se lembra, né, o pessoal. Porque como tava, né, um pessoal novo ai que veio dos Terena de lá e tal. Na época, na época quando eu nasci, já tinha vindo essa leva, né. Veio em 59 e eu nasci em 61. Mas se comentava, né. Olha esse fulano, é novo ai. E tinha a situação de num aceitar, né. Eles num aceita muito e a tensão que tem é com esse grupo que veio de lá, né.

O Kaiowa João, ao sinalizar a década de 1950, possivelmente tenha considerado outras frentes de migração de Terena para a reserva, como a família Terena do Sr. Gabriel que chegou à reserva na década de 1950, assinalando que ―quando chegô, já tinha Terena aqui‖. O que nos possibilita deduzir que esta fosse a terceira geração de Terena migrando para a reserva, sendo a primeira dispersa pela região, a segundo e a terceira como parte dos incentivos do órgão indigenista oficial – o SPI. Referente à segunda geração, Roberto Cardoso de Oliveira (1976, p.87) assinala que:

[...] parece que somente depois de 1917 é que começaram a chegar à Reserva famílias Terêna, provenientes do alto da Serra de Maracajú. Tudo indica que as primeiras famílias foram atraídas para lá pelo Coronel de Engenharia Nicolau Bueno Horta Barboza, então Inspetor daquela região, com o objetivo de estimular a lavoura Kaiwá pela reconhecida eficiência do trabalho Terêna. As

famílias, que continuariam a chegar a Francisco Horta, seriam atraídas por seus parentes, que muito bem se acomodaram junto aos Kaiwá.

Nesta configuração, observa-se que na narrativa de João (2010), estas frentes migratórias distinguem-se entre si. Considerando os primeiros Terena que chegaram e/ou já estavam no entorno da reserva, também assinala que:

É diferente dos outro, porque esses outros Terena eles também não tinha assim essa vocação de cultivar a terra, inclusive aqui o trigo (...), tem um pouco de soja, um pouco era o... tanto a missão, tanto a Funai [...]. Trabalhou mais com

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