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TERRITÓRIOS E TERRITORIALIDADES GUARANI E KAIOWA:

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA GRANDE DOURADOS FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS – FCH

PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇAO STRICTU SENSU EM GEOGRAFIA JULIANA GRASIÉLI BUENO MOTA

TERRITÓRIOS E TERRITORIALIDADES GUARANI E KAIOWA:

DA TERRITORIALIZAÇÃO PRECÁRIA NA RESERVA INDÍGENA DE

DOURADOS À MULTITERRITORIALIDADE

Dourados/MS 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA GRANDE DOURADOS FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS – FCH

PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇAO STRICTU SENSU EM GEOGRAFIA

JULIANA GRASIÉLI BUENO MOTA

TERRITÓRIOS E TERRITORIALIDADES GUARANI E KAIOWA:

DA TERRITORIALIZAÇÃO PRECÁRIA NA RESERVA INDÍGENA DE

DOURADOS À MULTITERRITORIALIDADE

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia (Área de concentração: Produção do Espaço Regional e Fronteira), da Faculdade de Ciências Humanas, da Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Geografia.

Orientador: Prof. Dr. Jones Dari Goettert

Dourados/MS 2011

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BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________ Prof. Dr. Jones Dari Goettert (Orientador)

(Presidente da Comissão)

__________________________________________________ Prof. Dr. Levi Marques Pereira (Co-orientador - UFGD)

___________________________________________________ Profª. Drª. Silvana de Abreu (Membro UFGD)

__________________________________________________ Prof. Dr. Clifford Andrew Welch (Membro UNIFESP)

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Dedicatória

Dedico este trabalho a alguns pingos de meu oceano simbólico:

Aos meus pais Ilson e Julia pelo maior amor do mundo; Ao meu companheiro Rodrigo (peixe-boi) pelas diversas formas de amar que ultrapassam o distanciamento espaço-temporal; À minha irmã Giovana pelo grande amor que lhe tenho; Aos amigos Mieceslau, Roseline e Cirlani pela irmandade construída nas geografias do pé. De forma ainda mais especial, dedico aos Guarani e Kaiowa da Reserva Indígena de Dourados e dos acampamentos de re-existências e retomadas territoriais: Apyka‘y, Ñu Porã e Pacurity. A vocês agradeço os saberes e sabores por mim nunca experimentados até reconhecê-los como demasiadamente humanos. Obrigada pela receptividade e pelas palavras proféticas, que se apegando a Ñanderuvusu, podem, sim, mudar o mundo. Especialmente aos amigos Kaiowa Ñandesy Floriza e Kaiowa Ñanderu Jorge.

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AGRADECIMENTOS

Este trabalho se construiu no/pelo movimento de gentes, nos espaços de chegada e partida que me possibilitaram os mais simples e avassaladores encontros, desencontros e reencontros. A partir do movimento de des-re-territorialização, construímos multiterritorialidades de carinho e respeito. Assim, o agradecimento é uma simples expressão de generosidade.

Em Tupi Paulista

Primeiramente agradeço aos meus pais Júlia (Marmita) e Ilson (Papito), gentes simples que a partir dos meus quinze dias de vida nos encontramos. À minha mãe pelo exemplo de mulher que tanto admiro, e ao meu pai ―pelos devaneios loucos a me procurar‖... Como filha de coração que sou, agradeço a vocês por todo amor, por sempre estarem ao meu lado quando a distância se faz presente, pelos abraços, beijos, ensinamentos, sonhos, desejos, dificuldades, conflitos... Em suma, só posso sonhar com outras possibilidades de mundo, mais justa e igualitária, no qual me apego, porque vocês me encontraram e eu me encontrei em vocês.

Ao periquito, peixe-boi, boi, cabeça de mafagafo, sonhador, marxista, educador, geógrafo, louco, racional, Rodrigo, Simão, meu amor... Obrigada pela paciência, pela troca de saberes e sabores, pela ajuda constante durante a dissertação: pelas discussões teóricas, leituras de textos, por tudo que me ajudaste... Saiba que sem você a construção deste trabalho seria muito mais difícil. Mas, sobretudo, obrigada por me fazer feliz e estar sempre comigo.

Aos meus irmãos Marcos, Renato, Reginaldo e Giovana pelos momentos de alegrias e pelas vezes que me ausentei. Em especial à minha irmã Giovana por entender que às vezes era necessário estar longe. Minha pequena irmã (Zóio de Cobra), estaremos sempre unidas pelos laços do coração.

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À minha tia Luzia pelo carinho e apoio de sempre. Ainda, à cunhada Rose, à sobrinha Rafaela, ao sobrinho Ryan e as primas Daiara e Maraisa pelos momentos inesquecíveis de minha infância em Dracena.

À Dona Adelina e ao Senhor Zezinho por todo o apoio, carinho, afetividade e preocupação. Também ao Zezinho por me ajudar no trabalho de dissertação, digitando meus fichamentos e a intensa preocupação em sempre me ajudar. E aos primos Guto, Simone e Elaine pelo grande carinho e amizade.

A Luluka, Elder e Ademir, gentes que tanto me fazem rir, degustar guloseimas e pelo apoio de sempre. Ao Elder, meu amigo-irmão pancinha, bolinha... Obrigada por todo carinho, incentivo, por me deixar tão irritada, me fazer dar gargalhadas, até... (risos).

Ao nego Xande e à nega Lilica por toda amizade e irmandade, carinho, conversas, risadas, loucuras...

Aos amigos André (Pirçoso) e Marlon pelo apoio e carinho.

À querida Tânia, bibliotecária do Centro Cultural de Tupi Paulista, por ter-me despertado a prática da leitura. Obrigada pelas boas indicações de livros, em especial ―O pequeno príncipe‖.

Em Três Lagoas

Aos amigos da moradia estudantil da UFMS de Três Lagoas. De forma especial e carinhosa, agradeço a Katia, Jaqueline e Talita pelo quarto e comida compartilhada, pelas palhaçadas, loucuras, sonhos, lutas, viagens, despedidas, encontros, conflitos, pela amizade construída pela/na alteridade, por serem parte da minha vida...

Entre Tupi Paulista e Três Lagoas, com imenso amor e carinho, agradeço a minha família de Três Lagoas, Karina (Bruxa Keka), Jaqueline (Tartaratixã) e Luciano (Dente e/ou Dentiques). Obrigada pela amizade e irmandade, pelos ótimos momentos que passamos juntos, pelas dificuldades que tivemos que superar e pelo apoio durante a dissertação de mestrado. Ainda, ao Luciano, agradeço pela ajuda na construção dos mapas que compõem esta dissertação.

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Ao querido amigo Mieceslau Kudlavicz (Véio Miê), parceiro de sala de aula, amigo de luta, sempre preocupado com minha saúde, pelo carinho de sempre... Com você aprendi que outro mundo é possível, que é possível mudar, transformar o mundo, a começar com aqueles que estão em nossa volta. Ainda, agradeço a Sara, Belkis e Thiago pelo carinho, apoio e amizade.

A Gislani (Gis de Cera) do meu coração, pelo carinho, simplicidade, generosidade, pela presença na distância, por todo apoio, pelos grandes encontros....

Ao amigo Silvio, pelo carinho e por compartilhar comigo momentos desesperadores de provas durante a graduação que tanto nos atordoava. Nunca nos esqueceremos das provas do professor de Geologia Zé Luis.

Agradeço aos amigos Laís, Eduardo (Eduardinho) e Ivan por todo o apoio. À Laís, agradeço por estar sempre perto, embora a distância se faça presente; ao Eduardinho, valeu pelas saídas de campo em acampamentos e assentamentos de luta pela Reforma Agrária; ao amigo paulistano, sul-matogrossense e carioca Ivan, agradeço pelas conversas incríveis, pelas contribuições durante a dissertação.

Agradeço a todos os meus professores de graduação em geografia da UFMS/Três Lagoas. De forma especial, agradeço à amiga e professora Rosemeire Aparecida de Almeida (Rose), por todos os ensinamentos e orientações informais. Sempre me lembrarei do grande incentivo que me levou a tentar o mestrado em Dourados e estar junto aos Guarani e Kaiowa; ao professor e orientador de iniciação científica, Francisco José Avelino Júnior, mais conhecido como China. Obrigada pela oportunidade em desenvolver o projeto de Iniciação Cientifica no tocante aos conflitos agrários em Mato Grosso do Sul. Sabendo que estar na universidade integralmente é uma condição restrita a poucos alunos, havendo a necessidade de dividir o tempo dos estudos com o tempo de trabalho, agradeço pela oportunidade e confiança.

Agradeço aos camponeses e às camponesas sem terra que pude conviver na região do Bolsão sul-matogrossosense. Em especial, ao senhor e senhora Gente Fina do cinturão verde. A vocês agradeço a receptividade em receber-me em vossa casa, pelo ótimo caldo de cana, pelas deliciosas rapaduras, pela fartura de alimentos existentes na casa-quintal, pelas palavras de sabedoria.

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Em Dourados

Muito mais do que uma pesquisa acadêmica, este trabalho se fez construindo grandes amizades. Com imenso respeito e carinho, agradeço aos Guarani, Kaiowa e Terena da Reserva Indígena de Dourados e acampamentos de retomadas territoriais, que sempre se disponibilizaram em me receber em vossas casas, contar-me as trajetórias de vida entre um terere e outro, as boas gargalhadas, ensinamentos... Em especial ao Jorge e Floriza, por toda acolhida em vossa casa, pelas histórias, rezas, sobretudo, pela amizade; ao Geraldo, Odália, Alzira, Maciel, Jack, Rebeca e Estive pelos agradáveis momentos juntos; a Damiana e seu filho Nivaldo do acampamento Apyka‘y, expressão de re-existências nos entre-lugares do barraco de lona e a possibilidade de ―vigiar‖ seu Tekoha; Nelson e Antônia pelas risadas calorosas e momentos de brincadeiras; Antônia e Admiro pelas histórias fantásticas, pela reza e canto; ao Anastácio Peralta por apresentar-me à Reserva Indígena de Dourados; ao Zezinho e Faride do acampamento Laranjeira Ñanderu pelos ensinamentos e ótimos momentos com vocês compartilhados; aos Kaiowa Bonifácio, Priscila, Rogério, Madalena e Valdemir do acampamento Pacurity e Ñu Porã; aos meninos do Brô Mc‘s, com sua rima Guarani e Kaiowa, proporcionaram-me grandes reflexões; Ao Kaiowa Lírio e a Kaiowa Fátima por ter despertado em mim todos os caminhos percorridos juntamente aos Avá Guarani e Kaiowa... Em suma, sem vocês este trabalho não seria possível de ser realizado.

Ao professor e orientador Jones Dari Goettert que nos encontros da vida tornou-se um grande amigo. Lembro-me quando o conheci no encontro Sul-matogrossense de geografia em Três Lagoas. Posteriormente a este encontro, por muitas e muitas vezes nos encontramos pela/na amizade. Obrigada pelas sugestões que me proporcionaram avançar o olhar-olhares sobre os ―outros-eu‖. Ainda, pelas boas conversas, receptividade em receber-me em sua casa juntamente a sua família. Assim, obrigada Jones, Elaine, Pablo e Maju pelos momentos de alegrias, boas conversas e pelos laços de amizade.

Ao co-orientador deste trabalho, Levi Marques Pereira, agradeço pela disposição em sempre me ajudar, mesmo antes de uma orientação formal. Obrigada por todos os ensinamentos que me proporcionaram grandes reflexões, pela disponibilidade em atender-me em sua casa, pelas saídas de campo, pela compreensão, pela boa conversa e sugestões.

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A amiga-irmã, companheira de casa e pesquisa Roseline (Rosa), no qual agradeço por todo apoio durante a construção desta dissertação e por sempre estar ao meu lado quando mais precisava, principalmente nos momentos mais difíceis... Este trabalho foi construído a partir de nossas idas e vindas à reserva, acampamentos... Assim, partes dos olhares aqui escritos foram construídas por conversas e vivências compartilhadas, que sob a ajuda do ―santo fuscão amarelo‖ e das pedalas de bicicleta, vivenciamos grandes momentos e construímos uma grande relação de carinho e respeito.

À Ciriema, Ciriguela, Cirlani do meu coração. Obrigada por todos os momentos que esteve ao meu lado. É muito difícil falar sobre você, a grande ajuda que deste durante a dissertação de mestrado, possibilitando a criação de uma grande amizade. Como lhe disse uma vez, o mestrado, muito mais do que um título, me deu de presente uma irmã. Você é o outro lado, racional e louco, de meu ―eu‖.

A minha casa e família em Dourados, com imenso carinho e pelos ótimos momentos compartilhados, agradeço ao Carlos (Carlito), Fabiano (Mustela Furus), Leandro, Roseline (Rosa), Juliano (Juju), Luis Eduardo (Mineiro) e João (Gurizão). Cada um a seu modo, agradeço pela paciência nos dias de stress, pela alegria, festas, pelo abraço apertado, pelas boas conversas, por todo o carinho... Simplificando, nossos momentos ―em nossa casa‖ são inesquecíveis e sentirei muitas saudades.

Ao Marcelo, grande amigo e irmão caçula... Obrigada pelos diversos momentos que passamos juntos, pelo apoio, preocupação e o imenso carinho que tiveste comigo.

Aos amigos gaúchos Cássio (Cassito e Cassiolino), Tanize (Tamize), Joseana e Glaúcio por todo carinho, preocupação e ótimos momentos compartilhados. Ainda ao Cássio, agradeço imensamente pelos diálogos em torno das sociedades indígenas, pelo ótimo companheirismo nas aulas do mestrado e em minha vida como um todo, pelo apoio, parceria de sempre, pela amizade...

À amiga Lenir, agradeço por compartilhar comigo os grandes momentos em torno das disciplinas de mestrado em história, pelas boas conversas em torno dos Terena e suas lutas pelo território.

Aos amigos Thiago (Thiagão), Robson (Robin), Marcos Mondardo (Marculino Pintombo), Roger (Ursolino), Diógenes, Viviane (Buga), Elem (Cure), Dona Terezinha, Madalena (Madá), Wagner (Wagnão), Ana, Sullivan e Lenir. Dourados tornou-se um lugar onde

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posso considerar como minha casa, pois desde minha chegada vocês se tornaram, cada um a seu modo, grandes amigos.

À Comissão Pastoral da Terra de Mato Grosso do Sul, agradeço por toda a ajuda, momentos de discussão e apoio. De forma especial, agradeço a irmã Lucinda, Miê, Marcos, Vanilton e Roberto.

Entre a CPT e o mestrado, agradeço aos amigos Juliana, Vanilton e Amandinha. Foram ótimos os momentos que passamos juntos, compartilhando momentos de alegrias e tristezas... Obrigada pelas bobagens compartilhadas, pela grande ajuda durante o mestrado. Ainda à Juliana, obrigada por todo apoio desde os dias de prova de mestrado, acompanhadas de ansiedade diante do ―Santo Pendulo‖ (risos).

Ao Conselho Indigenista Missionário de Mato Grosso do Sul (CIMI/MS) por toda ajuda durante a dissertação de mestrado. Agradeço pela amizade, pela companhia em idas e vinda de Terras Indígenas e acampamentos de retomadas de territoriais indígenas. Em especial, ao Geraldo (Gerardino), Egon, Laila, Flávio, Lidiane, Leda e Rogério.

Aos professores do mestrado em geografia e história da UFGD que tanto me ajudaram no processo de construção e envolvimento com a pesquisa. De forma especial agradeço a Márcia Misuzaki, Graciela Chamorro, Protásio Paulo Lander, Antônio Dari Ramos, Sedeval Nardoque, Eudes Fernando Leite e Edvaldo Moretti. Ainda, agradeço aos professores Jorge Eremites de Oliveira e Silvana de Abreu por todos os apontamentos teórico-metodológicos no Exame de Qualificação.

Aos amigos do mestrado em geografia e história da UFGD e ao Grupo de estudos ―Outrosnós‖. A vocês agradeço pelas discussões que muito me ajudaram e os momentos de alegrias em nossas saídas de campo. Em especial agradeço ao Kaiowa Izaque João, Ana Cristina, Danilo, Karolina (Karola-Karolaine), Ricardo, Lenir, Alonso (Bil), Adriana, Daiana, Elias. Ainda, à Karolina, agradeço por toda ajuda durante a dissertação.

Ao Thiago Cavalcante agradeço pelas indicações de textos, pelas saídas de campo e pelos diálogos em torno dos Guarani e Kaiowa.

Aos técnicos administrativos da UFGD, Ivanir, Elaine, Danieli, Cleber e Bruno. Agradeço por toda disponibilidade em ajudar-me. Ainda ao Bruno, agradeço por todas as indicações de leituras, pelas coronas e pelos ótimos momentos de diálogos.

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Ao Angelo e Adelson, do Labgeo, agradeço por toda disponibilidade em ajudar-me na construção dos mapas que também compõem esta dissertação.

Outros “cantões”

Aos amigos de Nova Andradina, Cirso, Ana e Guilherme pelo carinho em receber-me em vossa casa, pelas boas conversas e pela preocupação em momentos que muito me afligiam.

Aos amigos João Cândido, Mauro (Maureques), Natacha (Nati), Gabriela (Gabi) e Isis do Mar. Obrigada por toda a ajuda, pelas ótimas contribuições em torno da dissertação de mestrado, pelas boas conversas e risadas pela/na amizade.

Agradeço a Mayara pela disponibilidade em transcrever minhas fontes orais e por compartilhar comigo, via e-mail, momentos importantes de nossa vida.

Agradeço a CAPES e a FUNDECT pela bolsa de mestrado. Foi através dela que tive a oportunidade de dedicar-me aos estudos e estar de forma mais intensa na Reserva Indígena de Dourados e acampamentos indígenas.

Em suma, agradeço a todos e todas que direta e indiretamente contribuíram para construção deste trabalho.

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―É bom essa história, essa história é comprido... que a gente fala isso daí, não tem fim. É bastante! Meu história é comprida‖.

Kaiowa Ñandesy Floriza Reserva Indígena de Dourados (2009).

―Tenho o privilégio de não saber quase tudo. E isso explica o resto‖. Manoel de Barros Menino do Mato (2010, p.241).

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RESUMO

Buscamos entender neste trabalho as relações socioterritoriais presentes vividas pelos Guarani e Kaiowa dentro e fora da Reserva Indígena de Dourados (Dourados – Mato Grosso do Sul), estabelecendo comparação com as relações socioterritoriais vividas no passado. Neste sentido, demonstramos as territorialidades vividas no modo de vida dos antigos - Tekoyma - e no novo modo de vida – Tekopyahu. Esse processo é marcado pelos movimentos de des-re-territorialização e de construção de territorialidades múltiplas – multiterritorialidade – e múltiplas temporalidades. Entendemos que há necessidade de considerarmos as novas formas de ser/estar no mundo a partir do movimento de desterritorialização de seus territórios tradicionalmente ocupados (Tekoha) e o processo de ―territorialização precária‖ nas reservas indígenas. Se partirmos da premissa de que os Guarani e Kaiowa sempre vivenciaram multiterritorialidades, as transformações no modo de viver, que têm como eixo central o ―encontro‖ e/ou desencontro com os não indìgenas - Karaí, as histórias-trajetórias passam a ser redefinidas juntamente com as novas espacialidades vividas. Desta forma, a partir da etnografia (observação participante), traçamos as multerritorialidades-multitemporalidades Guarani e Kaiowa analisando suas narrativas e buscando registrar os olhares sobre a Reserva Indígena de Dourados e sobre outras modalidades de territorialização (como os acampamentos) traçando as multiterritorialidades, identidades, fronteiras e tensionamentos engendrados pelo compartilhamento de territórios, marcado pela sobreposição de Tekoha e pelas fronteiras étnicas. A partir das relações de conflitualidades, há por parte de algumas famílias a busca por outras formas de reterritorialização que se constituem, principalmente, na construção dos laços simbólicos existentes com os territórios tradicionalmente ocupados. A busca pela reterritorialização faz persistir que existem indígenas em fundos de fazendas e mesmo em fazendas, nas cidades, em acampamentos de retomadas territoriais, acampamentos e assentamentos de Reforma Agrária, entre outras formas socioterritoriais de fazer-se Guarani e Kaiowa. As disputas em torno da ―questão indìgena‖ se dão, principalmente, pela apropriação social da natureza, marcadas pelos conflitos que envolvem o agronegócio versus a demarcação de territórios indígenas, fazendo-se no embate da constituição da propriedade privada da terra, dominada pelo modelo agrário-agrícola fundiário historicamente constituído no Brasil, e os territórios indígenas. As retomadas territoriais são redimensionadas em uma multiplicidade de estratégias de resistência e/ou re-existências, marcadas por muliterritorialidades de esperanças, de sonhos e de saudades. Sobretudo, entendemos que histórias-trajetórias indígenas se fizeram e estão se fazendo em uma ―simultaneidade de estórias-até-agora‖, opondo-se ao discurso ideológico de uma única história possível baseado nos fundamentos do pensamento do/no sistema-mundo moderno-colonial. Por isso, as multiterritorialidades Guarani e Kaiowa envolvem a interdependência entre passado e presente, buscando possibilidades de futuro nos preceitos do bem viver - Teko Porã.

Palavras-chave: Guarani e Kaiowa, Reserva Indígena de Dourados, Multiterritorialidades, Territorialização Precária, Retomada dos Territórios Tradicionais.

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RESUMEN

Buscamos comprender en este trabajo las relaciones socio territoriales vividas por los Guaraní y los Kaiowa dentro y fuera de la Reserva Indígena de Dourados (Dourados - Mato Grosso do Sur), estableciendo comparaciones con las relaciones socio territoriales vividas en el pasado. En esto sentido, demostramos las territorialidades vividas en el modo de vida de los antiguos - Tekoyma – y en el nuevo modo de vida – Tekopyahu. Este proceso es marcado por los movimientos de des-re-territorialização y de la construcción de múltiples territorialidades - multiterritorialidade - y de múltiples temporalidades. Así entendemos que existe la necesidad de considerar las nuevas formas de ser/ estar en el mundo a partir del movimiento de desterritorialização de sus territorios tradicionalmente ocupados (Tekoha) y del proceso del ―territorialização precario‖ en las reservas indìgenas. Además partimos de la premisa de que el Guaraní y el Kaiowa siempre vivirán multiterritorialidades, las transformaciones en la manera de vivir, que tiene como idea central el encuentro y/o desencuentro con los que no san indígenas - Karaí las historias-trayectorias pasan a ser redefinidas con las nuevas espacialidades vividas. De tal manera, a partir de la etnografía (observación del participante), analizamos las multerritorialidades-multitemporalidades Guaraní y Kaiowa y sus narrativas buscando registrar las miradas en la Reserva Indígena de Dourados y otras modalidades de territorialização (como los acampamientos) analizando as multiterritorialidade, las identidades, las fronteras y los tensinamente producidos para compartir el territorio, marcado por el superposición del Tekoha y por las fronteras étnicas. A partir de las relaciones conflictuales, has tenido por parte de algunas familias la búsqueda por otras formas de reterritorialização que se constituyen, principalmente, en la construcción de los lazos simbólicos existentes con los territorios tradicionalmente ocupados. La búsqueda por la reterritorialização hace persistir que existen indígenas en fondos/ o adentro de granjas, en las ciudades, en los acampamientos de disputa territorial, en los acampamientos y los asentamientos de la Reforma Agraria, entre otras formas socio territoriales a hacer sentirse un Guaranì y Kaiowa. Los conflictos alrededor de la ―cuestión indìgena‖ ocurren principalmente por la apropiación social de la naturaleza, marcada por los conflictos que envuelven el agronegócio contra la demarcación de los territorios indígenas, convirtiéndose en el choque de la constitución de la característica privada de la tierra, dominada por el modelo agrario constituidos históricamente en el Brasil, y las territorialização indígena. Las retomadas territoriales son redimensionadas en una multiplicidad de estrategias de resistencia y/o las re-existencias, marcadas por las multiterritorialidades de esperanzas, los sueños y los extrañamientos. Así, entendemos que esas historias-trayectoria indígenas si hacen y están haciendo una ―simultaneidad de historias hasta ahora‖, oponiéndola al discurso ideológico de una única historia posible basada en los fundamentos del pensamiento del / y en el mundo moderno-colonial del sistema‖. Por lo tanto, las multiterritorialidades Guaraní y Kaiowa implican la interdependencia pasada y actual en medio, buscando posibilidades de futuro en los precitos del bueno vivir - Teko Porã.

Palabras-Clave: Guaraní y Kaiowa, Reserva Indígena de Dourados, Multiterritorialidades, Territorialização Precária, Retomada de los Territorios Tradicionais

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO: CAMINHOS QUE PERCORREMOS ... 22 PRIMEIRO CAPÍTULO

O SISTEMA-MUNDO MODERNO-COLONIAL: BREVES CONSIDERAÇÕES EM TORNO DO “DESCOBRIMENTO” / DESENCONTRO DA AMÉRICA ... 41 1.1 – ―Conceituando‖ gentes e sociedades ... 43 1.2 - O pensamento ocidental ... 50 1.2.1- Multiplicidade de histórias-trajetórias nas ―simultaneidades de estórias-até-agora‖ no ―descobrimento‖ e/ou desencontro do ―novo mundo‖ ... 54 1.3 - Espaços-tempos do sistema-mundo moderno-colonial: a construção do outro ... 63 1.3.1- Inventando o ―novo mundo‖ e os outros ... 70 1.3.1.1 – A construção do outro e as sociedades indígenas falantes da língua guarani: os Ñandeva, Kaiowa e Mbya ... 80 1.4 – O sistema-mundo moderno-colonial e a imposição de novas territorialidades ... 85 SEGUNDO CAPÍTULO

ORGANIZAÇÃO SOCIOTERRITORIAL GUARANI E KAIOWA NO TEKOHA: ENTRE O TEKOYMA E TEKOPYAHU ... 104 2.1 – A relação espaço-temporal entre os Guarani e Kaiowa ... 105 2.2 – O território como categoria geográfica e como subsídio para compreender o Tekoha ... 116 2.3 - Organização socioterritorial no Tekoyma: as multidimensionalidades e multiterritorialidades do Tekoha e Tekoha Guasu ... 131 2.4 – A reza e a ampliação da multiterritorialidade Guarani e Kaiowa nas relações com a natureza e o sobrenatural - os Jará: a importância da apropriação simbólica dos seus territórios ... 145 TERCEIRO CAPÍTULO

A CRIAÇÃO DA RESERVA INDÍGENA DE DOURADOS: TERRITORIALIZAÇÃO PRECÁRIA E IMPOSIÇÃO DO TEKOPYAHU ... 159 3.1 – A criação da Reserva Indígena de Dourados e as novas formas de ocupação do território Guarani e Kaiowa ... 161 3.1.1 – A presença Guarani no Ka‘aguyrusu e na criação da Reserva Indígena de Dourados ... 178

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3.1.2 – A presença Terena no Ka‘aguyrusu e na Reserva Indígena de Dourados ... 183 3.2 – O processo de constituição da Reserva Indígena de Dourados enquanto um território precário ... 190 3.2.1 – As ocorrências de suicídios e assassinatos na Reserva Indígena de Dourados ... 202 3.3 – A construção de fronteiras e identidades socioterritoriais entre os Guarani, Kaiowa e Terena: ―Quem vive na Jaguapirú é quase branco... quem é da Bororó é Kaiowa de verdade‖212 3.3.1 - As fronteiras étnico-culturais e a construção de territórios/territorialidades entre os Guarani e Kaiowa ... 232 QUARTO CAPÍTULO

DA TERRITORIALIZAÇÃO PRECÁRIA À MULTITERRITORIALIDADE:

ESTRATÉGIAS DE RE-EXISTÊNCIAS ... 245 4.1 – As múltiplas identidades Guarani e Kaiowa... 246 4.1.1 - Os marcadores de diferenciação entre os Guarani e Kaiowa e a construção de multiterritorialidades a partir do artesanato ... 256 QUINTO CAPÍTULO

TERRITÓRIOS EM DISPUTA E AS MULTITERRITORIALIDADES NAS

RETOMADAS DOS TERRITÓRIOS TRADICIONALMENTE OCUPADOS: O TEKOHA ... 292 5.1 – ―O Kaiowa é mato, vive do mato‖: a necessidade de retorno ao Tekoha ... 294 5.1.1 - O ―discurso competente‖ do agronegócio - Ordem, Progresso e Desenvolvimento ... 302 5.2 – Modalidades de territorialização e as estratégias de luta pela retomada dos territórios tradicionais: a Reserva Indígena de Dourados e os acampamentos Apyka‘y, Ñu Porã e Pacurity ... 320 CONSIDERAÇÕES FINAIS

SEM TEKO NÃO HÁ TEKOHA E SEM TEKOHA NÃO HÁ TEKO ... 359 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA...367 ANEXOS...391

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Lista de Tabelas

Tabela I – Reservas criadas pelo SPI entre 1915 -1928 ... 162

Tabela II – População das Reservas Indígenas Demarcadas pelo SPI de 1947 - 1984 ... 176

Tabela III – Suicídios na Reserva Indígena de Dourados ... 204

Tabela IV – Assassinatos na Reserva Indígena de Dourados ... 208

Lista de Figuras

Figura I – Representação do Kaiowa Ñanderu Jorge em torno da multiterritorialidade do Tekoha Iguarussu ... 143

Figura II – Ka‘aguyrusu ... 165

Figura III - Representação do Kaiowa Ñanderu Jorge sobre a organização de Tekoha‘s nas proximidades da RID ... 167

Figura IV – Olhares do Kaiowa e Ñanderu Jorge sobre a organização socioterritorial da RID . 224 Figura V - ―Olhares Kaiowa‖ ... 227

Figura VI - ―Olhares Terena‖ ... 227

Figura VII - ―Olhares Guarani‖ ... 228

Figura VIII - Organização socioterritorial da família dos Kaiowa Ñanderu Jorge e Ñandesy Floriza na Reserva Indígena de Dourados (Jaguapirú) ... 241

Figura IX - Organização socioterritorial da família dos Kaiowa Ñanderu Admiro e Ñandesy Antônia na Reserva Indígena de Dourados (Bororó) ... 241

Figura X - Organização socioterritorial da família dos Kaiowa Ñanderu Admiro e Ñandesy Floriza em desenho da filha Laudeci na Reserva Indígena de Dourados (Bororó) ... 242

Figura XI - A Reserva Indígena de Dourados e a construção de multiterritorialidades Guarani e Kaiowa na produção e circulação do artesanato a partir de territórios-rede ... 260

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Figura XIII – Representação da mídia em torno das sociedades indígenas ... 311

Figura XIV – Panambizinho aos ―olhos‖ do desenvolvimento ... 313

Figura XV – Charge sobre disputas de territórios entre indígenas e camponeses sem terras ... 314

Figura XVI - As multiterritorialidades construídas no movimento de esparramo ... 323

Figura XVII – Área onde estava localizado o acampamento Apyka‘y antes do despejo ... 345

Figura XVIII - Localização do acampamento Ñu Porã ... 347

Figura XIX - Localização do acampamento Pacurity ... 352

Lista de Gráficos

Gráfico I – Ocorrências de suicídios em Terras e Reservas Indígenas em MS ... 204

Gráfico II – Ocorrências de assassinatos em Terras e Reservas Indígenas em MS ... 208

Lista de Mapas

Mapa I - Localização das Reservas Indígenas criadas pelo SPI entre 1915 a 1928 ... 163

Mapa II - Ocupação Tradicional Guarani em Mato Grosso do Sul ... 180

Mapa III - Ocupação Tradicional Kaiowa em Mato Grosso do Sul ... 180

Mapa IV– A conurbação existente entre a RID e a cidade de Dourados ... 200

Mapa V - Territorialização precária: a densidade populacional da Reserva Indígena de Dourados ... 203

Mapa VI – Localização das territorialidades Guarani e Kaiowa nas relações entre reserva e cidade de Dourados ... 285

Mapa VII – Disputas territoriais (ocupações de terras) fomentadas pelos movimentos socioterritoriais em Mato Grosso do Sul (2000-2008) ... 317

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Mapa IX - Território tradicionalmente ocupados pelos Guarani e Kaiowa ... 319

Mapa X - Localização dos acampamentos Guarani, Kaiowa e Terena no município de Dourados ... 338

Lista de Fotos

Foto I – Parte interna da Ogapysy e/ou casa de reza do Ñanderu Jorge e Ñandesy Floriza ... 157

Foto II - Caraguatá e Guaimbé ... 264

Foto III – Diferenciações entre Guarani e Kaiowa a partir do artesanato ... 265

Foto IV– Múltiplos produtos artesanais produzidos pelo Guarani e Kaiowa... 267

Foto V – Indígenas cruzando a Avenida Marcelino Pires em Dourados ... 291

Foto VI – Área onde estava localizado o acampamento Apyka‘y antes do despejo ... 345

Foto VII – Acampamento Apyka‘y ... 346

Foto VIII – Acampamento Ñu Porã localizando na área em litígio ... 348

Foto IX - Acampamento Apyka‘y: entre a cerca e o afasto ... 353

Foto X – Acampamento Apyka‘y: Reza em torno do Yvyra marangatu ... 355

Foto XI - Acampamentos Apyka‘y, Pacurity e Ñu Porã ... 357

Anexos

Anexo I – MPF arrendamentos na Reserva Indígena de Dourados ... 391

Anexo II – A Reserva Indígena de Dourados e a Missão Caiuá ... 392

Anexo III - Índios: mão de obra no canavial ... 393

Anexo IV – Famasul sugere segurança armada contra as invasões ... 394

Anexo V- Conflitos entre camponeses sem terra e indígenas ... 395

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Anexo VII – Tekoha Pindorocá (Representação elaborada pelo Kaiowa Ñanderu Jorge) ... 397

Anexo VIII – Tekoha Iguarusu (Representação elaborada pelo Kaiowa Ñanderu Jorge) ... 398

Anexo IX - Tem pão velho? - (Emmanuel Marinho) ... 399

Anexo X – Representação socioterritorial da família de Laudeci (Cedido pela professora do Projovem Roseline Mezacasa)... 400

Anexo XI – Representação do Kaiowa Ñanderu Jorge sobre a organização socioterritorial na RID ... 401

Anexo XII – Questionário estruturado trabalhado com os Terena ... 402

Anexo XIII – Questionário estruturado trabalhado com não indígenas ... 404

Anexo XIV ... 405

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Siglas

CAND - Colônia Agrícola Nacional de Dourados CANs – Colônias Agrícolas Nacionais

CIMI – Conselho Indigenista Missionário CPT – Comissão Pastoral da Terra

CUT/MS – Central Única dos Trabalhadores de Mato Grosso do Sul

FETAGRI – Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Mato Grosso do Sul FUNAI – Fundação Nacional do Índio

FUVI – Famílias Unidas do Vale do Ivinhema MPF – Ministério Público Federal

MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra RID – Reserva Indígena de Dourados

SPI – Serviço e Proteção ao Índio

TAC – Termo de Ajustamento de Conduta UNI - União das Nações Indígenas

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INTRODUÇÃO: CAMINHOS QUE PERCORREMOS

―Te mostro a vida de verdade, seja bem vindo a minha realidade, sei que quando eu passo me olha diferente e a gente luta pra manter a nossa crença. O homem branco trás doença, dizimou nosso povo, causou nossa miséria e agora me olha com nojo. Sou índio sim e vou até falar de novo Guarani, Kaiowa e me orgulho do povo. Esse povo que é guerreiro é batalhador o povo que resiste com força e com amor, amor pela terra querida, amor por seus filhos e filhas. Filhos e filhas marcados pela vida, mais de 500 anos uma ferida que não cicatriza. Vive em mim, a esperança de uma nova vida, vive em mim também por ti, irmão índio que ainda acredita também por ti. Sei que não é fácil levar a vida desse jeito fazer o que? Me rendo ou luto contra o preconceito,, sou índio sim, pobre, mas não burro como pensam esses sujeito, daquele jeito, continuo a minha sina sabendo muito bem que gerou minha ruína, 510 anos de abandono confinados em reservas que mal cabem nossos sonhos, pra nós o kit índio é o papel e a caneta, rimando na batida vou levando minha letra e não aquele kit que você pensa babaca, rindo com os amigos uma corda e uma ―baca‖, vai achando graça mais o papo aqui é sério você e sua cachaça mandou muitos pro cemitério, terra sagrada pra nós é Tekoha, fazendeiro ocupa não tenho medo de falar, de lá pra cá, guerras conflitos chegou a hora de luta pelo direitos dos índios‖. Música: A vida que eu levo - Brô Mc‘s1 e participação do grupo Fase Terminal.

A esperança e o sonho marcam a vida dos Guarani e Kaiowa, tanto na Reserva Indígena de Dourados (RID2) quanto em outros territórios por eles transitados e vividos, buscando garantias de direitos que propiciem o reconhecimento de sua humanidade junto à sociedade moderna-colonial. De diferentes formas e de diferentes jeitos e gostos, todos os homens e todas as mulheres do mundo clamam por melhores formas de viver, ou, como prefere os Guarani e Kaiowa, buscam pelo bem viver - Teko Porã.

Para entendermos este contexto, da busca pelo bem viver envolvendo os Guarani e Kaiowa, é necessário dizer que o estado de Mato Grosso do Sul conta com uma população

1

O grupo de Rap Brô Mc‘s é formado por Clemerson, Kelvin, New e Charlie da Reserva Indígena de Dourados. 2 Deste momento em diante, todas as vezes que nos referirmos a Reserva Indígena de Dourados iremos referenciá-la como RID.

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indígena estimada em 72.000 indivíduos3 e, deste total, 41.500 é referente à população Guarani e Kaiowa (SIASI/FUNASA/SESAI, 2010)4, em sua maioria vivendo em reservas indígenas demarcadas pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI).

Entretanto, é necessário acrescentarmos que os Guarani e Kaiowa se encontram vivendo em reservas e/ou Terras Indígenas, fundos de fazendas, acampamentos de Reforma Agrária, acampamentos de retomadas territoriais, nas cidades (principalmente nas periferias), entre outras modalidades territoriais (Levi Marques Pereira, 2006; 2007), nos permitindo dizer que os processos de territorialização entre estas sociedades são múltiplas.

Para compreendermos o processo de busca pelo Teko Porã entre os Guarani e Kaiowa partimos do contexto histórico de desterritorialização de seus territórios tradicionais e a reterritorialização em reservas indígenas. Elencamos ainda que, para muitas famílias, as reservas são lugares onde este modo de viver torna-se inviabilizado, marcado pelo modo incorreto de viver - Teko Vai, fazendo-se enquanto ―território precário‖, como é o caso da RID, por isso, buscam outras possibilidades de viver fora da reserva.

Esta relação nos permite dizer que a ocupação indígena ultrapassa as definições jurídicas do Estado Nacional que buscou demarcar ―lugares para os ìndios‖, demonstrando as capacidades múltiplas de territorialização entre estas sociedades, muitas vezes, também marcada pela precariedade. Entretanto, mesmo que precárias, estas formas de territorialização alternativa tornam-se, para algumas famìlias Guarani e Kaiowa, um ―lugar melhor para se viver‖, como elucida a Kaiowa Maria, pois permite a exclusividade familiar e étnica, além de facilitar as alianças políticas e a afinidade social.

Assim, para entendermos a presença Guarani e Kaiowa na sociedade sul-matogrossense, se faz necessário compreendermos como se deu o processo de espoliação de seus territórios tradicionalmente ocupados, sendo que este é marcado pela política de integração nacional que se deu a partir da ocupação dos ―espaços vazios‖ no inìcio do século XX. Neste contexto, o SPI criou entre os anos de 1915 a 1928 oito reservas para os Guarani e Kaiowa com a finalidade de liberar seus territórios para a ocupação e colonização não indígena.

3 Esta população se divide entre as sociedades Guarani, Kaiowa, Terena, Kinikinawa, Kamba, Ofaié, Guató, Kadiwéu e Atikum, segundo aponta os dados de Giovani José da Silva (2003) e Instituto Socioambiental (2010). 4 Estes dados são aproximativos, propiciando demonstrar um panorama geral da população indígena no estado de Mato Grosso do Sul. É necessário considerar que estes dados, majoritariamente, são referentes à população indígena nas áreas demarcadas, como as reservas e/ou Terras Indígenas, e não contemplam as múltiplas formas de territorialização entre as sociedades indígenas.

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Neste contexto, a criação da RID em 1917 (localizada no município de Dourados/MS) é consequência do processo de desterritorialização dos Guarani e Kaiowa de seus territórios tradicionalmente ocupados – Tekoha, na perspectiva de que os órgãos indigenistas oficiais, primeiramente o SPI e, posteriormente a FUNAI (Fundação Nacional do Índio), buscavam, de forma precária, impor a reterritorialização em reservas indígenas com a finalidade de que, em um futuro próximo, estas sociedades deixassem de ser indígenas e pudessem ser integradas a sociedade nacional, como não índios.

Dessa maneira, consideramos três momentos importantes para compreender as multiterritorialidades Guarani e Kaiowa. O primeiro momento foi constituído no espaço-tempo do modo de vida dos antigos e é representado na língua guarani pela palavra Tekoyma5

. Esse momento se encerra com o processo de desterritorialização dos Guarani e Kaiowa de seus territórios tradicionalmente ocupados. O segundo momento é iniciado na reterritorialização dos Guarani e Kaiowa nas oito reservas indígenas criadas pelo SPI, entre os anos de 1915 e 1928, entre elas, a RID, marcada pelo novo modo de viver – Tekopyahu, imposto aos Guarani, Kaiowa e Terena, que compartilham território entre si. E o terceiro momento é marcado pelas multiterritorialidades criadas como mecanismos de resistências ao processo de imposição da territorialização precária nas reservas, movida pela interdependência de antigos e novos modos de viver - Tekoyma-Tekopyahu.

Para compreendermos os movimentos dos Guarani e Kaiowa no espaço-tempo, que são marcados pelos processos de des-re-territorialização, consideramos a importância do conceito geográfico de território para melhor refletirmos acerca da dinamicidade destas sociedades. Partimos do pressuposto de que a construção/desconstrução/reconstrução dos territórios se dá pela/na passagem e/ou trânsito das gentes6 entre um lugar e outro e, neste movimento, pela/na disputas/conflitos inerentes à apropriação e/ou controle destes territórios. De forma que o território muda de lugar de acordo com o movimento das gentes e que esta mudança, muitas vezes, é envolvida por tensionamentos, já que promovem ―encontros‖ e desencontros de modos de ser, estar e pensar o mundo.

5 O sufixo Yma na língua guarani faz referência ao modo de vida dos antigos, ou seja, a junção da palavra Teko +

Yma, referencia o modo de vida dos antigos. Para Levi Marques Pereira (2004, p. 106) ―existe todo um conjunto de

personagens, narrativas, histórias e mitos que se fazem referência ao tempo dos antepassados reais e mìticos [...]‖. 6 Sobre o uso do termo ―gentes‖ discutiremos essa opção no inìcio do primeiro capìtulo.

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A dinâmica desses processos ocorre por meio das relações que as gentes estabelecem entre si, com/na natureza e com os aspectos imateriais (sobrenaturais, como é o caso dos Jará – donos de tudo). Assim, a constituição dos territórios é produto e, dialeticamente, produtores das relações materiais e simbólicas-cosmologicas que movem e viabilizam as sociedades reconhecer-se no mundo. Neste reconhecer-sentido, podemos dizer, em linhas gerais, que as territorialidades Guarani e Kaiowa se fazem pela/na mobilidade de viver entre-territórios, ou no viver entre-lugares (em aproximação a Homi Bhabha, 1998).

No movimento de ir e vir das gentes, se torna notório que as mesmas não conseguem viver sem território, pois, como propõe Rogério Haesbaert (2007), homens e mulheres necessitam, como relação intrinsecamente humana, territorializar-se. Portanto, homens e mulheres mudam e transitam por diferentes territórios, participando de outras territorialidades. Assim, vão criando e reinventando territórios-territorialidades, cruzando-se e entrelaçando-se entre o ―outro-eu‖, isto é, o processo é sempre transcultural e híbrido, ao mesmo tempo tenso e abarcando disputas entre modos de viver e de ser no mundo.

Neste sentido, elencamos ainda que as categorias geográficas de espaço, lugar e território nos possibilitam ampliar o debate em torno do processo de Territorialização-Desterritorialização-Reterritorialização (T-D-R), de modo que a partir desse movimento, pensamos a territorialização precária e as multiterritorialidades Guarani e Kaiowa. Desta forma, estas relações estão sendo feitas e/ou desfeitas, acionadas e/ou negadas, assim como a multidimensionalidade de diferentes modos de viver que possibilitam a construção e destruição de territórios, fronteiras e identidades múltiplas.

Deste modo, entendermos os Guarani e Kaiowa como gentes multiterritorializadores, sabendo que as multiterritorialidades vividas e construídas se dão no processo de construção e destruição de territórios. Contudo, não temos a pretensão de pensar estas relações dissociadas das temporalidades que envolvem e movem os homens e as mulheres do/no mundo, já que consideramos que, se há multiterritorialidades, é necessário que se considere as múltiplas temporalidades.

Logo, se existe uma espacialidade produzida pelas gentes que se movem no mundo, traçando suas territorialidades, este ir e vir é marcado pelo tempo, fazendo e desfazendo-se de distintas formas, já que o tempo não se faz da mesma forma em todas as sociedades. Como prefere Norbert Elias (1998, p. 41): ―as relações temporais, como se vê, são relações de nìveis

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múltiplos e grande complexidade [...]‖. Neste contexto, as temporalidades não são vividas da mesma forma em todas as sociedades, e que nem todas têm no controle do relógio e do calendário as mesmas formas de perceber a realidade em que vivem, viveram ou poderão viver, considerando que a configuração espaço-tempo se faz correlacionada e interdependente entre si.

Pensando esta relação no processo de construção de territórios, o território torna-se uma categoria fundamental para compreendermos as relações que envolvem os Guarani e Kaiowa no espaço-tempo, de modo que nossa compreensão em torno de sua organização socioterritorial parte da perspectiva da existência de múltiplos territórios, considerando que as relações socioterritoriais construídas hoje estão se fazendo de maneira interdependente com o modo de vida dos antigos - Tekoyma, fundamentalmente territórios do/no passado, constituído nos territórios tradicionalmente ocupados.

Assim, é a partir do passado, enquanto representatividade do Teko Porã, que conseguimos compreender as novas conjunturas espaciais vividas a partir da ―perda‖ dos territórios tradicionalmente ocupados e a consequente territorialização precária na RID, sendo que estes processos são concomitantes marcados nas narrativas Guarani e Kaiowa, permeadas pelas novas relações que lhes foram impostas, o novo modo de viver - Tekopyahu, assim como, a consideração do que eles acreditam ser o Teko Vai - modo incorreto de viver, complexificando a construção das multiterritorialidades.

O aparecimento do não indígena, participante da narrativa Guarani e Kaiowa como o ―branco‖ - Karaí, torna-se marca central da desorganização socioterritorial no Tekoyma. A partir deste momento, passamos a compreender o processo de desterritorialização Guarani e Kaiowa do Tekoha, e as novas formas de reterritoriorialização, sobretudo, a territorialização precária na RID e, deste modo, traçar as novas formas de multiterritorialidades, marcadas pela precariedade, mas também pela esperança e sonho de viver uma vida melhor. Para as famílias que estão reivindicando territórios - retomando Tekoha, esta multiterritorialidade é também marcada pela saudade.

Para refletirmos acerca dos territórios, é necessário pensarmos nas fronteiras e nas identidades, de modo que se o território é marcado pela multiplicidade, estes também se fazem marcando e demarcando múltiplas fronteiras e múltiplas identidades, fazendo-se e desfazendo-se no espaço-tempo. Não há como pensar os territórios, as fronteiras e as identidades indissociavelmente, mas, sim, há necessidade de compreender estas relações interdependentes,

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tendo em vista que a construção de fronteiras e identidades está substancialmente relacionada ao momento de construção de territórios e territorialidades.

Até chegar aqui

Partimos do entendimento de que só é possível pensar as histórias-trajetórias das gentes Guarani e Kaiowa associadas ao/aos olhar/olhares meus/nossos. Assim, este trabalho é, substancialmente, um modo de olhar, uma forma de agir, pensar e sonhar. Questões que acreditamos ser uma e não outra ―coisa‖ é tão somente um ponto de vista, e estão se fazendo e desfazendo, e assim como os territórios, também os nossos olhares estão em contínua transformação no espaço-tempo.

O primeiro contato com os Guarani e Kaiowa se deu a partir da universidade, por meio do curso de graduação em geografia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), campus de Três Lagoas. Assim, podemos dizer que foi por meio da universidade que desmitificamos grande parte do imaginário sobre as sociedades indígenas e sobre outros modos de viver, como os camponeses, os camponeses sem terra, os quilombolas, os ribeirinhos...

Desta forma, aprendemos por meio da universidade que a ciência é, explicitamente, um modo de pensar a realidade, e que a universidade não está fora da sociedade, não estando dissociada de modos diversos de estar e perceber o mundo. Por isso, aprendemos que os saberes científicos servem tanto para libertar os homens como para mascarar a realidade, podendo servir para a emancipação social ou para a ―prisão‖ de homens e mulheres que a constitui, como apontado por Ariovaldo Umbelino de Oliveira (2004).

Foi a partir da universidade que estreitamos nossas relações com a Comissão Pastoral da Terra (CPT-MS), por meio da amizade com um de seus agentes e estudante de geografia Mieceslau Kudlavicz, e assim conseguimos traçar nossas histórias-trajetórias com os homens e mulheres simples, como considera José de Souza Martins (2000), viabilizando os caminhos percorridos para a construção deste trabalho. Lembramos, como se fosse hoje, nossas inquietações em torno das relações de trabalho indígena na CBAA Destilaria de Açúcar e Álcool

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Debrasa7, marcadas pela superexploração e desrespeitos trabalhistas, também, compartilhada com o amigo Eduardo Parro de Oliveira. Neste momento, recordamos do Kaiowa Lírio, gente inesquecível, principalmente ao dizer-me que os Guarani e Kaiowa tinham mudado muito. Ainda conhecer a Kaiowa Fátima da TI Jarará, durante um encontro de formação da CPT em 2007, ampliou nosso universo de mundo. A partir destes dois momentos marcantes em nossa vida, descobríamos um mundo diferente de tudo o que havia vivido, de modo que ficamos encantados com os Guarani e Kaiowa, buscando de alguma forma estar perto deles, culminando na minha vinda a Dourados em 2009, como mestranda em geografia pela Universidade Federal da Grande Dourados. Foi nestes diversos encontros, que posso dizer que nos transformamos, ao menos um pouco, em Guarani e Kaiowa, considerando que carregaremos diversos ensinamentos, partes de histórias-trajetórias das nossas vidas.

Também, podemos dizer que nossos referenciais sobre as sociedades indígenas, infelizmente até aquele momento, estavam ainda distantes da realidade vivida. Pela universidade, conhecendo os ―indìgenas de papeis‖ a partir de textos acadêmicos, ficávamos a imaginar: ―quem são eles‖? Ainda não conseguimos responder tal provocação, pois acreditamos que é difícil definir o outro, mas podemos dizer que este outro é múltiplo e complexo. Nesta perspectiva, aprendemos pelo/no contato com os Guarani e Kaiowa o encontro com o ―outro-eu‖, passando a considerar que nos encontros e desencontros que vivemos e viveremos com as mais diversas gentes no mundo, que nós também somos ―o outro dos nossos outros‖, e que nossas perguntas devem, prioritariamente, perpassar o questionamento: ―quem sou eu no mundo dos outros‖?

A RID ampliou nossos universos de vida. Os primeiros contatos por meio do Guarani Anastácio Peralta nos levaram a conhecer os Kaiowa Ñanderu8 e a Ñandesy9 Jorge e Floriza, e ainda os Kaiowa Maciel, Odália, Geraldo e Alzira, no final de 2007, e a partir dele outros amigos

7

A CBAA Destilaria de Açúcar e Álcool Debrasa está localizada no município de Brasilândia, estado de Mato Grosso do Sul. As referências que traremos em torno dos Guarani, Kaiowa e Terena na empresa, se deu por meio de um trabalho acadêmico no ano de 2007, parte de um projeto de extensão: ―A expansão da indústria da cana-de-açúcar em Mato Grosso do Sul e o agravamento da questão agrária e trabalhista‖, 2007, coordenado pela Professora Rosemeire Aparecida de Almeida (UFMS/MS) em parceira com a Comissão Pastoral da Terra (CPT/MS).

8 A palavra Ñanderu, em síntese representa aquele que sabe rezar, é um Xamã, também pode ser referenciado a mulher, também chamado de Tamõi. Ainda aparece a representação da palavra Paĩ. Levi Marques Pereira (2004, p. 36), considera que é ―[...] aquele que tudo vê. Ver longe, enxergar o que está encoberto pelas aparências, discernir o que está para acontecer em termos de sucesso e desventura são atribuìdos indissociáveis da atividade xamânica‖. 9 Tem o mesmo significado que Ñanderu, contudo, Ñandesy é referente a mulher devido ao sufixo sy, significando nossa avó, chamada também de Jarí.

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Guarani e Kaiowa que me ensinaram a aprender a escutar e, fundamentalmente, a ouvir o não dito.

Nestes encontros com os outros, é difícil, em qualquer sociedade humana, dizer, em sua plenitude, quem se é, e, principalmente, quem são os outros? Há uma multiplicidade de jeitos e gestos de fazer-se humanamente, assim como há uma multiplicidade de olhar-olhares buscando decifrá-los, de modo que neste trabalho, é somente um modo, um ―olhar‖.

Contudo, ao acreditarmos que o trabalho acadêmico é um importante meio para que as gentes simples possam expressar seus olhares sobre o mundo, buscamos por meio da academia, priorizar as narrativas das gentes Guarani, Kaiowa e Terena, e que este trabalho, a partir de ―nossos olhares‖, se torne também ―olhares‖ deles, fazendo-se pelo/no ato de falar.

Neste contexto, o que tentamos, de alguma forma, é a compreensão do outro nas bases do reconhecimento nas suas diversas formas de fazer-se humano, pensando numa perspectiva libertadora de preconceitos nos delineamentos que pautam a garantia de direitos de sermos iguais na diferença. Logo, as experiências e aprendizados construídos juntamente a estas sociedades constituíram uma relação que pode ser traduzida por laços de amizade e respeito, sabendo mais do que nunca, como traz a obra literária de Antoine de Saint-Exupéry no livro ―O pequeno prìncipe‖, que em nossas relações com Outrosnós, ―o essencial é invisível aos olhos‖.

A construção do trabalho

Metodologicamente, este trabalho fez-se nas bases do que os antropólogos consideram ser a observação participante – a etnografia, utilizado como principal meio de compreensão do outro. No que concerne ao processo de construção do trabalho, houve uma interação social entre o pesquisador e as gentes envolvidas na pesquisa, no caso específico os Guarani e Kaiowa, além de indígenas Terena e não indígenas, de modo que estes foram imprescindíveis para a compreensão das relações sociais na RID, e também, as relações externas, tal como o perímetro urbano de Dourados, os acampamentos, as fazendas, entre outras modalidades territoriais vividas pelos Guarani e Kaiowa.

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Elencamos que as narrativas Guarani, Kaiowa, Terena e não indígenas, ocupam espacialidades distintas neste trabalho, pois apareceram com maior frequência os ―olhares‖ Kaiowa, principalmente dos Kaiowa Ñanderu Jorge e Ñandesy Floriza, sendo estes os principais interlocutores. Elencamos, também, que outros interlocutores apareceram muitas vezes direcionando nossos ―olhares‖ em torno dos marcadores de diferenciação entre Guarani, Kaiowa e Terena dentro e fora da RID, demonstrando as territorialidades em disputa, assim como os modos de viver de cada sociedade, envolvendo também, as relações com os não indígenas.

No que concerne à etnografia, Roberto Cardoso de Oliveira (2000) salienta a necessidade de um diálogo entre iguais, considerando haver um ―encontro etnográfico‖, pois não é só o pesquisador quem pergunta, questiona, observa, mas também as gentes pesquisadas que estão perguntando, questionando, interagindo com o pesquisador. Nestas relações poderão ser construídos laços de amizades e construção de parcerias, principalmente, no tocante às retomadas dos territórios tradicionalmente ocupados, havendo por parte daqueles que estão lutando pelo retorno aos territórios tradicionais, uma necessidade de falar aos outros sobre a saída e a necessidade de retorno aos Tekoha.

Segundo o mesmo autor, o trabalho etnográfico é construído em três momentos importantes, marcados pelo olhar, ouvir e escrever. Salientando que os dois primeiros momentos, o olhar e ouvir, estão diretamente interligados às relações sociais do pesquisador e a comunidade, enquanto o ato de escrever, através de relatórios de campo, de construção de trabalho científicos se dá ―fora‖ da comunidade, pois é marcado pelas relações que envolvem a universidade, as disciplinas que propiciam a construção do trabalho científico. Mas, que o mesmo não está e não é possível de estar dissociado do saber empírico, do estar junto às gentes que propomos, minimamente, compreender e traçar suas histórias-trajetórias de vida no espaço-tempo.

No tocante ao pesquisador, é necessário estar com a comunidade e participar da dinamicidade das relações que também passa a envolvê-lo, mas é necessário dizer, como propõe Roberto Cardoso de Oliveira (2000), que não basta participar e ouvir as trajetórias de vida, porque é explicitamente necessário ―saber ouvir‖, assim como ter discernimento do que escrever e o porquê escrever. Assim, acreditamos que nem todas as percepções de campo devem ser, necessariamente, transformadas em trabalho científico, de modo que algumas questões devem ser preservadas, já que algumas delas foram faladas e discutidas em um determinado momento, ditas para o pesquisador e devem se manter ―em segredo‖, como elucidam alguns Ñanderu e Ñandesy.

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Neste sentido, se partirmos a priori que na construção do trabalho há simultaneamente construção de amizades, laços de reciprocidade, algumas questões que participam do campo ―oculto‖ das relações entre pesquisador e as gentes envolvidas na construção do trabalho, no sentido de que ―é na vida cotidiana que a História se desvenda ou se oculta‖, como considerado por José de Souza Martins. (2000, p.12).

Nessas relações há encontros de saberes, de formas diferenciadas de viver e pensar o mundo a partir dos lugares-territórios construídos e transitados. Nesta troca de saberes, as palavras de Paulo Freire (1981, p. 29) contribuem para pensarmos as relações de encontro entre as gentes, no caso, o pesquisador e a comunidade envolvida em um trabalho acadêmico, de modo que o pesquisador, os homens e mulheres, ―[...] desafiados pela dramaticidade da hora atual, se propõem, a si mesmos, como problema. Descobrem que poucos sabem de si, de seu ―oposto no cosmos‖, e se inquietam por saber mais‖.

A etnografia propõe o estar com o outro e participar das redes sociais de interação familiar e trocar experiências de vida, de modo que há nestes diálogos negociações, em uma relação em que o pesquisador carregará um pouco deles na construção do saber e os mesmos carregaram um pouco do pesquisador. Lembrando-se das palavras da Kaiowa Ñandesy Floriza, ao dizer certa vez que nossas idas e vindas da reserva se deram construindo amizades. Ainda lembramos suas palavras ao dizer também ―vem sempre aqui, a gente espera. Quando demora fica com saudade...‖.

Acreditamos ser necessário dizer que estar com os Guarani e Kaiowa, e a partir deles desenvolver um trabalho científico, se dá pela opção política e ideológica que temos em trabalhar e estar com os homens simples, como sinaliza José de Souza Martins (2000, p. 11), ao considerar que os homens, e também as mulheres simples, ―[...] não só luta[m] para viver todo dia, mas que luta[m] para compreender um viver que lhe escapa porque não raro se apresenta como absurdo, como se fosse um viver destituìdo de sentido‖.

Pode-se dizer que em um trabalho etnográfico envolvendo o pesquisador e a comunidade, estes estão interagindo, construindo espaços de diálogos. Consideramos, ainda, que nestas relações há, fundamentalmente, uma escolha recíproca entre pesquisador(a) e as gentes indígenas e não indígenas, pois partimos do pressuposto de que se o pesquisador(a) escolhe com quem irá estabelecer maiores relações no espaço-tempo, as gentes também o escolhe para contar suas histórias-trajetórias de vida, passando a participar dos espaços de sociabilidade. Assim, é

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nesta perspectiva de interação, que traçamos e construímos os territórios, multerritorialidades e multitemporalidades envolvendo os Guarani e Kaiowa.

Acreditamos, ainda, no que concerne ao método etnográfico, que a prioridade é traçar as trajetórias vividas no espaço-tempo dos Guarani e Kaiowa desde a organização socioterritorial no Tekoyma, às novas formas de construção de territórios no Tekopyahu, buscando compreender as multiterritorialidades do passado e do presente, assim como a construção da viabilidade de futuro para estas sociedades, construídas no entrelaçamento com/no passado pelo presente. É o que consideramos ser uma ―etnogeografia‖, expressa pela/na necessidade de caminhar junto com as gentes que participam deste trabalho, geografando os espaços-tempos em que as gentes e as narrativas são fundamentalmente partes da construção de territórios, territorialidades, multiterritorialidades e multitemporalidades. Isto é, as relações em que as gentes se envolvem construindo territórios-fronteiras e identidades no espaço-tempo, movidas pelo caminhar, nas geografias do pé10, como propõe Ariovaldo Umbelino de Oliveira (1994).

Neste contexto, a etnogeografia nos possibilitou estar com os indígenas e envolver-se com eles, compartilhando suas histórias-trajetórias de vidas. De certa forma, o pesquisador ao estar com eles também cria possibilidades destas gentes estarem com o pesquisador. Assim, por diversas vezes, recebendo-os em nossas casas, compartilhando com eles momentos de alegrias e tristezas, diferentemente de uma relação unilateral do ir até eles, há interações sociais que possibilitaram eles ―virem até nós‖.

O trabalho com narrativas indígenas foi feito, fundamentalmente, utilizando-se a metodologia etnográfica como meio de registrar as histórias-trajetórias das gentes, amparada pela construção do relatório de campo. Em muitos momentos, foi utilizado o gravador de voz, principalmente registrando as narrativas dos Kaiowa Ñanderu Jorge e sua esposa Kaiowa Ñandesy Floriza. É importante elencar que a utilização do gravador de voz foi feita sem necessariamente termos um questionário estruturado para direcionar as perguntas e respostas, sendo que este só fora utilizado por três vezes.

10 Conversando com um camponês, no Bico do Papagaio, Maria Regina Sader pergunta sobre o que aprendiam de geografia. Em suas palavras: ―Eu perguntei se não aprendiam nada de Geografia. Não precisa, disse um deles, isso a gente aprende é no pé. Os igarapés vão pro Tocantins. Desce pro mar, é só olhá, né? No topo daquele monte não serve plantá. A terra é ruim. No baixo é boa. É no pé mesmo, andando e olhando‖ (apud OLIVEIRA, 1994, p.135). Assim, os Guarani e Kaiowa, constroem o seu saber socioterritorial, pois este se faz nas relações de interação entre eles a multidimensionalidade do espaço vivido.

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As narrativas foram de extrema importância, porque buscamos na medida do possível deixar as gentes falarem mostrarem suas histórias-trajetórias de vida, contudo, sem perder de vista que as narrativas aparecem na interferência e no recorte dado pela pesquisadora. Neste sentido, as narrativas se colocam no corpo do texto, buscando possibilidades de que outras gentes possam também interpretá-las, de forma que não haja apenas o olhar do pesquisador, mas o entrecruzamento de olhares marcados por aqueles que falam.

A partir desta reflexão, Sandra Regina Goulart Almeida (in SPIVAK, 2010, p. 14), em prefácio de ―Pode o Subalterno falar?", considera que:

[...] a tarefa do intelectual pós-colonial deve ser a de criar espaços por meio dos quais o sujeito subalterno possa falar para que, quando ele ou ela o faça, possa ser ouvido (a). Para ela [referindo-se a Spivak], não se pode falar pelo subalterno, mas pode-se trabalhar ―contra‖ a subalternidade, criando espaços no quais o subalterno possa se articular e, como consequência, possa também ser ouvido.

O trabalho com narrativas é de alguma forma um modo das gentes falarem, e se partimos da presunção de que todo ato de falar é sempre um espaço de negociação com o outro que propõe ouvir e/ou mesmo escrever, o trabalho construído pelo pesquisador é fundamentalmente um espaço que propicia as gentes falarem, e assim, possibilita ao leitor, ouvi-los. Desse modo, a narrativa é marcada pelo ato de falar e a interlocução com o outro em ouvir, mas, sobretudo, pela necessidade do saber ouvir e/ou escutar, a necessidade de discernimento em utilizar as narrativas no processo de construção da escrita. Logo, a narrativa é marcada pelas redes de sociabilidade, no sentido que o pesquisador e a pesquisadora, participa das histórias-trajetórias daqueles que falam, ao modo em que estes, também, participam da construção do trabalho científico, já que sem eles a construção deste trabalho não seria possível. Nesta relação, como pontua Jones Dari Goettert (2008, p. 32) ―[...] construímos, pelo trabalho nos lugares, também o meu direito de falar sobre os seus lugares‖. Por isso, as narrativas expressas são fragmentos de verdades, pedaços de histórias-trajetórias, alguns modos de interpretar a realidade vivida. Portanto, no que concerne ao poder de falar e ouvir, é necessário considerar que:

Os tempos e lugares surgidos na narrativa, ao sofrerem cortes longos e profundos – mas em alguns casos também rápidos e superficiais –, exprimem a construção de saltos que se constroem [...] entre os tempos de partida e de chegada [em movimentos migratórios] e, para deslocamentos que se sucedem, também de chegada e de partida. As datas e lugares assim dispostos podem, em um instante primevo, mostrarem-se desconexos e pouco reveladores, no entanto,

Referências

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