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A localização geográfica das escolas e sua interferência no desempenho em provas padronizadas

Os instrumentos de avaliação implantados na década de 1990 contribuíram para a definição de parâmetros de qualidade e incrementaram novos modos de regulação sobre a escola e o professor. Além disso, a exposição exagerada dos dados divulgados possibilita a ordenação hierárquica das escolas por meio de rankings de desempenho que se tornam verdade absoluta, além de desconsiderar variáveis como relações sociais e de moldar a realidade, ao produzir uma imagem parcial do sistema educacional brasileiro. Diante de tal panorama, pretendeu-se incluir a variável localização geográfica das escolas para verificar se é possível estabelecer relação com o rendimento das instituições. Dessa forma, este capítulo é dedicado à apresentação dos dados obtidos.

Existem diversos instrumentos cujo objetivo principal consiste na investigação ou “avaliação diagnóstica” do desempenho escolar dos estudantes brasileiros. Castro (2000) aponta que os instrumentos de avaliação visam a observar os acertos e erros das reformas educacionais, a disseminação dos resultados obtidos e a consequente transparência das informações, bem como desenhar um cenário que possibilite a formulação e reformulação de políticas públicas.

Como visto no capítulo anterior, a Prova Brasil/Saeb é um dos instrumentos de avaliação da educação básica que, além de avaliar, por meio de testes padronizados, o desempenho em Língua Portuguesa e Matemática de alunos da 4ª e 8ª série do ensino fundamental, aplica questionários socioeconômicos com o propósito de coletar informações como o perfil dos alunos e dos professores, os dados demográficos, as condições de trabalho, além dos climas acadêmico e disciplinar da escola, dos recursos pedagógicos disponíveis, da infraestrutura e dos recursos humanos.

Assim como no Brasil, nos Estados Unidos, com o decreto Nenhuma criança deixada para trás, aplicaram-se testes em todos os estados para avaliação do desempenho dos alunos. Estudos realizados nos EUA também apontam para a importância das condições sociais na avaliação. Marchant e colaboradores (2006) consideraram as características demográficas do período entre 1992 e 2002 na avaliação de leitura, escrita, matemática e ciências, visando a examinar a relação

entre os elementos demográficos e o desempenho dos alunos no teste. Buscou-se uma análise das diferenças nas características demográficas dos estudantes, levando em conta renda da família, instrução do pai e afiliação étnica. Os resultados indicaram que as características demográficas podem influenciar de maneira positiva ou negativa no desempenho dos alunos.

Para a realização desta pesquisa foram selecionadas todas as escolas municipais de São Paulo de 1ª a 4ª série. Optou-se por analisar o desempenho de alunos da 4ª série na prova de Língua Portuguesa, uma vez que no final dessa etapa os alunos deveriam estar completamente alfabetizados, de acordo com o que dita a LDB.

A localização de cada escola foi feita tomando-se por referência o IEX, elaborado pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Seguridade e Assistência Social da PUC/SP, que busca verificar as discrepâncias de condições de vida na cidade de São Paulo.

Das 527 escolas municipais de Ciclo I, 461 realizaram a Prova Brasil/Saeb em 2007. De acordo com o Ministério da Educação, algumas escolas não realizam a prova por não apresentarem número suficiente de alunos. Levantou-se a pontuação média em Língua Portuguesa de cada uma das 461 escolas e a porcentagem de alunos distribuídos de acordo com a classificação de desempenho na prova: abaixo do básico, básico, adequado e avançado.

Em relação ao IEX, as escolas foram organizadas em dois blocos: Grupo A – escolas localizadas em regiões com IEX positivo e; Grupo B – escolas localizadas em regiões com IEX negativo. Para tal, levou-se em consideração a escala de -1 a 1, excluindo-se as escolas oriundas de distritos cujo IEX é exatamente zero por não estarem localizadas no polo negativo e nem no positivo. Portanto, das 461 escolas foram excluídas 7, totalizando 454. Dessa maneira, obtivemos o seguinte número de escolas distribuídas nos dois grupos: Grupo A (IEX positivo) = 33 escolas e; Grupo B (IEX negativo) = 325 escolas. Dentro dos dois grupos realizou-se divisão da escala em três subgrupos de acordo com uma gradação da pontuação do IEX.

Ao dividirmos as escolas municipais em dois grupos, de acordo com a variável IEX, a primeira coisa que nos chama a atenção é a distribuição desigual de escolas por região. Nas regiões onde o IEX é positivo, isto é, regiões de maior inclusão e menor exclusão, existe um total de 33 escolas da rede municipal. Em contrapartida, nas regiões onde o IEX é negativo, isto é, regiões com menor inclusão

e maior exclusão, existe um total de 421 escolas. Portanto, observa-se que nas regiões com IEX negativo há aproximadamente 12 vezes mais escolas que nas regiões com IEX positivo. Com base no mapa de inclusão e exclusão, observa-se o quanto São Paulo é discrepante na oferta de qualidade de vida em todos os seus distritos, condição esta de um país extremamente desigual cujas exclusões sociais são próprias do modo de produção e acumulação capitalista (Sposati, 2002).

A Prova Brasil, em sua “avaliação diagnóstica”, classifica o desempenho dos alunos em quatro níveis, levando em consideração diferentes competências básicas, conforme já mencionado: abaixo do básico, básico, adequado e avançado. Neste caso, considera-se somente o desempenho em leitura, já que a escrita não é contemplada no Saeb, uma vez que questões de interpretação de texto são privilegiadas.

Tanto no Grupo A como no Grupo B a maioria dos alunos se concentra no nível básico. No entanto, quando observamos o nível abaixo do básico verifica-se que há mais alunos do Grupo B; quando se observam os níveis adequado e avançado verifica-se maior concentração no Grupo A.

Tabela 1

Distribuição das escolas da RME (4ª série do EF) em função da proficiência de seus alunos e de acordo com o IEX do distrito de sua localização

Grupo Total de escolas

Abaixo do básico

Básico Adequado Avançado

A 33 21,75% 40,33% 29,63% 8,29%

B 421 35,76% 38,79% 20,87% 4,58%

Fonte: Inep/MEC

No caso da tabela a seguir, ao compararmos os subgrupos A1 e B1, é interessante notar que apesar de A1 possuir mais alunos no adequado quando comparado ao B1, o grupo A1 é composto por uma única escola, possuindo somente 8% dos alunos no nível avançado. Isto mostra que a escola localizada na região mais incluída não possui nem 10% dos seus alunos no nível avançado e nem 50% no adequado. Apesar disso, quando comparado aos subgrupos extremos de inclusão/exclusão, nota-se grande diferença na distribuição de alunos no abaixo do básico, já que as escolas localizadas nas regiões mais excluídas possuem o dobro de alunos neste nível, se comparadas ao A1.

Tabela 2

Distribuição dos alunos oriundos de escolas localizadas em distritos mais incluídos (A1) e mais excluídos (B1) de acordo com a proficiência em Língua Portuguesa

Grupo Total de escolas

Abaixo do básico

Básico Adequado Avançado

A1 1 18% 42% 32% 8%

B1 134 39,80% 39,05% 17,52% 3,63%

Fonte: Inep/MEC

Na tabela 3, ressalta-se que os subgrupos A2 e B2 são aqueles que não estão localizados nos extremos. É justamente no B2 onde há o maior número de escolas. É possível conjecturar que nos bairros que compõem o grupo B2 está localizada a maior parte da população do município de São Paulo, pois se trata de distritos extremamente populosos como Perus e Sapopemba, o que pode explicar o maior número de escolas. Quanto ao desempenho, observa-se que é no subgrupo dos mais incluídos (A2) que há maior distribuição de alunos entre básico, adequado e avançado. Novamente nos mais excluídos há uma porcentagem maior de alunos no abaixo do básico.

Tabela 3

Distribuição dos alunos oriundos de escolas localizadas nos subgrupos A2 e B2 de acordo com a proficiência em Língua Portuguesa

Grupo Total de

escolas Abaixo do básico Básico Adequado Avançado

A2 8 19,40% 42,08% 29,03% 10%

B2 209 36,40% 38,75% 20,55% 4%

Fonte: Inep/MEC

Na Tabela 4 notamos que os subgrupos A3 e B3, localizados próximos do valor 0 de IEX, não são tão discrepantes quanto ao índice, que se aproxima de zero, e quanto à distribuição no nível de desempenho. Apesar de as diferenças entre os grupos A3 e B3 serem menores, ainda assim, observa-se que as escolas em regiões mais incluídas apresentam resultados melhores: no grupo A3, verificam-se mais alunos com nível adequado e avançado e menos alunos no nível básico e abaixo do básico em comparação com o grupo B3.

Tabela 4

Distribuição dos alunos oriundos de escolas localizadas nos subgrupos A3 e B3 de acordo com a proficiência em Língua Portuguesa

Grupo Total de escolas

Abaixo do básico

Básico Adequado Avançado

A3 24 27,86% 36,92% 27,85% 7,36%

B3 78 31,06% 38,56% 24,53% 5,85%

Fonte: Inep/MEC

A análise dos dados das tabelas apresentadas permite afirmar que quanto mais distante são os subgrupos, maior a discrepância no desempenho. Para melhor verificar a diferença entre os subgrupos, a Tabela 5 ilustra a diferença da porcentagem de alunos distribuídos nos níveis de desempenho e nos subgrupos.

Tabela 5

Comparação do total de escolas e distribuição dos alunos de acordo com o nível de proficiência em Língua Portuguesa e com o IEX do distrito de sua localização

A B A1 B1 A2 B2 A3 B3 Total de escolas 33 421 1 134 8 209 24 78 Abaixo do básico 21,75% 35,76% 18% 39,80% 19,40% 36,40% 27,86% 31,06% Básico 40,33% 38,79% 42% 39,05% 42,08% 38,75% 36,92% 38,56% Adequado 29,63% 20,87% 32% 17,52% 29,03% 20,55% 27,85% 24,53% Avançado 8,29% 4,58% 8% 3,63% 10% 4% 7,36% 5,85% Fonte: Inep/MEC

Podemos analisar a tabela acima quanto ao número de escolas. As regiões mais excluídas (B) possuem maior número de escolas municipais, com 388 unidades a mais. O oferecimento de vagas é maior nas regiões mais excluídas, porém no extremo da exclusão (B1) o número de escolas é menor do que no grupo intermediário (B2).

A diferença da distribuição dos alunos no nível abaixo do básico é maior entre os subgrupos extremos (A1 e B1). O subgrupo B1 possui 21,8% a mais de alunos no nível abaixo do básico que o subgrupo A1. Observa-se também que quanto mais próximo do IEX 0, isto é, quanto menor a distância entre os subgrupos, menor é a diferença na porcentagem de distribuição de alunos no nível em questão: B2 apresenta 17% a mais que A2 e B3 apresenta 3,2% a mais que A3. Observando os

grupos A e B na sua totalidade, nota-se que é no nível abaixo do básico que ocorre a maior diferença: o grupo B apresenta 14,01% de alunos a mais nesse nível.

O confronto entre os subgrupos intermediários (A2 e B2) expõe a maior diferença quanto ao nível básico e avançado. É interessante notar mais uma vez que é no subgrupo B2 que se encontra o maior número de escolas. Isso pode indicar que o fato de existirem mais escolas nas regiões excluídas não necessariamente está relacionado a um ensino melhor. Tal fato leva ao questionamento das práticas de ensino nas escolas e levanta a questão de que a quantidade não necessariamente está relacionada à qualidade.

Já no confronto entre os subgrupos A1 e B1, encontramos a maior diferença da distribuição dos alunos no desempenho adequado, sendo que nas regiões mais incluídas há 14,48% a mais de alunos no nível adequado quando comparado a regiões mais excluídas. Também se observa que a diferença diminui quando não há tanta discrepância no IEX: A2 com 8,48% a mais e A3 com 3,32%.

Não houve diferença significativa entre os subgrupos A3 e B3, provavelmente pelo fato de que as regiões não possuem, igualmente, tanta discrepância no índice de inclusão/exclusão, sendo próximas na escala do IEX. Porém, podemos verificar que a localização pode influenciar de maneira positiva ou negativa no desempenho dos alunos.

A quase universalização do ensino fundamental realizada na década de 1990 e, em contrapartida, o crescimento da porcentagem de analfabetos funcionais ilustram a sociedade irracional em que vivemos, pois “ao mesmo tempo em que se integra cada vez mais, gera (sic) tendências de desagregação” (Adorno, 1995b:122). A ideologia da racionalidade tecnológica e a supremacia da técnica tornam cada vez mais acessíveis dados que são construídos socialmente e não fatos reais (Minhoto, 2009). Isso ocorre com os dados estatísticos que são utilizados como o retrato da realidade, porém que podem ser manipulados ou simplesmente mostrar uma visão parcial ou distorcida, não condizendo com o todo.

A classificação em quatro níveis de habilidades de leitura, como já ressaltado, possibilita, a partir da leitura do boletim fornecido pela Prova Brasil/Saeb, verificar a distribuição dispersa dos alunos. Ao olharmos para o boletim de cada escola e analisarmos a porcentagem dos alunos em cada nível de habilidade, como foi feito na presente pesquisa, verifica-se que, do número total de escolas municipais de São Paulo, 77,13% das crianças estão no nível básico de leitura, isto é, reconhecem e

identificam informações simples. Dessa maneira, passadas duas décadas da universalização do acesso à educação, a escola pouco contribui para superar a pseudoformação e a alienação. Tal fato corrobora a afirmação de Adorno (1995a) em que o autor destaca que, mesmo com educação, o homem permanece alienado.

A localização da escola em regiões excluídas pode levar a certo isolamento territorial e, consequentemente, dificultar as relações entre os indivíduos e outras instituições além da escola, pois eles não têm acesso a experiências que poderiam promover a formação. Portanto, apesar do atendimento da necessidade de maior número de escolas públicas, a localização destas em regiões pobres não garante que as oportunidades educacionais e formativas caminhem na direção da formação cultural. O isolamento social e a distância da escola em relação a outras instituições culturais – mantidas ou não pelo poder público, como parques, cinemas, clubes etc. – podem exercer impacto negativo na escolarização dos alunos atendidos por elas, uma vez que as possibilidades de adaptação e integração na sociedade diminuem. Por outro lado, há uma ambivalência nessa situação. Nas regiões mais pobres as escolas passam a ser a referência principal em termos culturais, pois são o único espaço disponível para a população, o que aumenta sua importância. Se as condições de trabalho dos professores e a infraestrutura oferecida, por exemplo, não forem as adequadas, a pressão que essa situação exerce sobre a formação dos alunos tende a ser mais acentuada.

De qualquer maneira, é importante enfatizar o caráter adaptativo da formação. como apropriação subjetiva da cultura, ela implica adaptação e resistência. Adorno (1995b) dá a devida atenção para a adaptação como fator militando a favor da desbarbarização, que deveria ser um dos objetivos principais da educação. Entretanto, a precariedade gerada pela concentração da pobreza dificulta muito esta tarefa, porque é mais difícil mobilizar uma formação para a desbarbarização quando as regiões com alto índice de exclusão não oferecem condições mínimas sequer para adaptação.

Tudo isso se expressa nos resultados alcançados pelos alunos diante daquilo que o próprio poder público estabelece como sendo o mínimo necessário em termos de apropriação do conhecimento transmitido pela educação escolar. As competências básicas esperadas na Matriz de Língua Portuguesa de 4ª série abordam diversas habilidades. Em síntese, pode-se definir aquilo que se espera dos alunos nos seguintes termos:

a) Abaixo do básico: reconhecer e localizar informações explícitas; b) Básico: localizar e interpretar informações explícitas;

c) Adequado: conferir sentido a partir do reconhecimento de informações explícitas e implícitas;

d) Avançado: inferir, classificar, comparar e relacionar informações.

No nível abaixo do básico é esperado que o aluno seja capaz apenas de localizar informações explícitas e reconhecer elementos gráficos, identificar finalidade e estabelecer relação de causa e consequência a partir de textos curtos. As mesmas habilidades são esperadas no nível básico, com a diferença que é a partir de textos longos; além disso, há a cobrança de reconhecimento de informações implícitas em um texto, compreendendo o que está subentendido ou pressuposto no texto. No nível adequado deve-se, além de localizar a informação principal do texto, conferir sentido, apreendendo significados mais gerais. É no nível avançado que há a necessidade de uma maior complexidade vocabular, além de compreender a intenção do autor, estabelecer relação sinônima das palavras e identificar a parte primária e secundária dos textos. O aluno deve também reconhecer novos sentidos para as palavras e compreender o sentido conotativo e simbólico, isto é, não apenas identificar a ideia como também ler as entrelinhas. Também é esperado que saiba distinguir e classificar os fatos apresentados pelo autor.

Ora, essas habilidades definem o que significa estar alfabetizado ao final da 4ª série do Ensino Fundamental. No entanto, é interessante notar que tais habilidades avaliam também o quanto o aluno é capaz de se adaptar, respondendo de maneira satisfatória aquilo que lhe é cobrado. Quando se observam as provas padronizadas aplicadas, evidencia-se que em nenhum momento é dada a oportunidade para o aluno expressar sua opinião ou posicionar-se, pois são valorizadas habilidades tais como localizar a opinião de um determinado personagem num trecho, habilidades essas ligadas à leitura e não à escrita ou à produção de textos. Geralmente, os textos são descritivos e possuem quatro parágrafos, sendo que a resposta já pode ser identificada no primeiro. O modo como são elaboradas as questões da prova e as habilidades valorizadas priorizam o momento da adaptação. Por exemplo:

“Você já tentou pegar um galhinho seco e ele virou bicho, abriu asas e voou? Se isso aconteceu é porque o graveto era um inseto conhecido como “bicho-pau”. Ele é tão parecido com o galhinho que pode ser confundido com o graveto...”

A pergunta, de múltipla escolha, é: O bicho-pau parece com: a) florzinha seca; b) folhinha verde; c) galhinho seco; d) raminho de planta. (Fonte: Inep/MEC)

Outro texto utilizado é a bula de um remédio apresentando a composição do medicamento, informações ao paciente, indicações, contraindicações, efeitos colaterais e posologia. Questiona-se ao aluno o que a palavra composição indica.

A habilidade de inferir uma informação implícita foi avaliada, numa das questões, por meio da interpretação de uma passagem de ônibus na qual estava escrito somente o horário de partida (23h30min). Questionava-se se o passageiro iria iniciar a viagem à noite, à tarde, de madrugada ou pela manhã.

Tais questões servem para ilustrar o que é cobrado dos alunos e, consequentemente, o que é considerado ensino de qualidade, um ensino que promove a adaptação do sujeito seja para localizar informações em um texto, compreender uma bula de remédio ou saber a que horas o ônibus irá partir.

Diante de tais constatações, observa-se que as condições em que a escolarização acontece não favorecem a formação, pois esta pressupõe alguma adaptação do indivíduo à cultura. Ao analisarmos os resultados alcançados pelos alunos, com quase 60% dos alunos no nível abaixo do básico, nota-se que essa adaptação não acontece.

Os dados apresentados neste capítulo permitem dizer que a educação, tal como são definidas suas prioridades pelo poder público, contribui para a manutenção da ordem social assentada na dominação. No processo formativo, prevalece o momento da adaptação, ainda que as condições dadas para que esta ocorra não sejam as mesmas para todos, situação que pode ser observada pelas habilidades cobradas nos testes padronizados. O que é privilegiado nas questões e na descrição das habilidades classificadas como básicas e até adequadas para um indivíduo viver em sociedade são habilidades que denotem o quanto ele está treinado para replicar; não há espaço para questionamento nem chance para elaborar e vislumbrar situações diferentes. Um indivíduo que é adaptado à sociedade é aquele que identifica e reproduz na sua própria vida a lógica da

autoconservação e a própria opressão a qual está sujeito, mas nem isso é permitido aos alunos de escolas localizadas em bairros com pouca ou nenhuma infraestrutura e sem instalações que possibilitem o acesso dos indivíduos à cultura.

Fruto da racionalidade tecnológica, os resultados das avaliações em larga escala divulgados pelo Inep/MEC moldaram a realidade cotidiana da escola, como vimos anteriormente. Porém, tais resultados são construções intencionais carregadas de distorções (Minhoto, 2009). Isso posto, mesmo sendo corretos, os dados podem ser usados de maneira sensacionalista ou interessada, dando margem a interpretações enviesadas. Os dados estatísticos podem ser manipulados de acordo com objetivos comerciais, sociais ou políticos e apresentados de forma a fazer com que se acredite na mensagem que se deseja promover. As avaliações educacionais, mecanismos de gestão e monitoramento do sistema de ensino, avaliam, além do desempenho dos alunos, como já destacado, as condições de infraestrutura e recursos humanos de cada instituição. Porém, a divulgação dos resultados se atém única e exclusivamente ao desempenho do aluno, sendo esta a expressão de uma totalidade que desconsidera os fatores sociais e educacionais que podem contribuir para uma escola de qualidade.

O conceito de ideologia da racionalidade tecnológica e a educação sob a perspectiva da teoria crítica da sociedade permitem compreender melhor tal fenômeno, uma vez que a racionalidade tecnológica define a percepção das pessoas sobre a realidade. Conforme foi salientado, não são os verdadeiros interesses humanos, mas os do capital, que prevalecem (Crochík, 2003:16). Marcuse (1999) aponta que a tecnologia, na sociedade industrial, exerce a função de reprodução do sistema, isto é, um sistema que perpetua a dominação. Para o autor, a economia racionalizada e mecanizada, centrada na eficiência e na produção de mercadorias, permite o predomínio da tendência ao conformismo e enseja a