• Nenhum resultado encontrado

3.6 Análise dos dados

3.6.1 Logística de tratamento dos dados

Primeiramente, os dados coletados nas entrevistas em áudio, cujo total somou 7 horas 42 minutos e 2 segundos, foram transcritos na íntegra. A entrevista com maior duração teve 52 minutos e 9 segundos, enquanto que, a mais curta teve, 14 minutos e 49 segundos, tendo-se uma média de 30 minutos. A transcrição dos áudios resultou em um total de 164 páginas, sendo que a entrevista mais curta teve cinco páginas e a mais longa 17 páginas, tendo-se uma média de 11 páginas. Para cada entrevista, selecionou-se uma cor diferente, para auxiliar a visualizar os dados e compará-los posteriormente uns com os outros.

Após a transcrição, as entrevistas foram codificadas linha a linha, conforme exemplo# a seguir retirado da entrevista de C13:

linha Entrevista transcrita Código

74 75

Entrevistador: Tu podia me contar como é trabalhar com a criança abrigada?

76 77 78 79 80 81

C13 (cuidador): Ah eu posso. É difícil, não é fácil tu chega, tem cada história aqui, cada criança tem uma história diferente, e é meio complicado até, depois tu te apega e ai eles vão embora, são adotados ou voltam para a família, é meio complicado.

Sendo difícil, não sendo fácil

Chegando, tendo cada

história aqui

Cada criança tendo uma história diferente, sendo meio complicado

Depois te apegando e ai eles indo embora, sendo adotados ou voltando para a

família, sendo meio

complicado 82

83

Entrevistador: tu podia me descrever o que é meio complicado nisso?

84 85 86

C13 (cuidador): É meio complicado a gente lidar, tu eles chegam pra ti tu cuida da banho alimenta, ai tem aquele vinculo, aquele vínculo com aquela

Sendo meio complicado a gente lidar

Eles chegando para ti, tu cuidando, dando banho, alimentando

87 88 89 90 91

criança, tem até a hora que vai embora e tu fica pensando, se não estava doente, se não estava com febre, será que ficou bem, e quando vão embora assim, são adotados ou voltam pra família a gente sente muita falta.

Tendo aquele vínculo, aquele vínculo com aquela criança, tendo até a hora que vai embora

Ficando pensando, se não estava doente, se não estava com febre, será que ficou bem

Indo embora assim, sendo adotados ou voltando para a família a gente sente muita falta

92 Entrevistador: muita falta? 93

94 95

C13 (cuidador): Por um lado é bom, porque né, qual é a criança que merece estar dentro de um abrigo, ninguém merece.

Sendo bom por um lado, porque qual é a criança que merece estar dentro de um abrigo, ninguém merece

Figura 3: Quadro com exemplo de codificação inicial, linha a linha, das entrevistas transcritas. Fonte: Gabatz, 2016. #Destaca-se que neste momento as falas foram preservadas tal como transcritas, para

serem codificadas linha a linha. Posteriormente, na apresentação dos resultados as falas foram corrigidas.

A partir da codificação das informações das entrevistas, conforme demonstrada na figura 3, que resultou em 310 páginas e 9342 linhas, realizou-se a primeira organização das categorias, na codificação focalizada, construídas a partir dos memorandos.

Com o memorando o pesquisador pode identificar os processos, suposições e ações ocultos nos códigos e categorias, além disso, auxiliam a definir que códigos podem gerar categorias analíticas (CHARMAZ, 2009).

A seguir apresenta-se a codificação focalizada da entrevista de C13, nessa pode-se observar as categorias iniciais, em negrito, e os memorandos, que auxiliaram na construção das categorias:

Categorias prévias Memorando

Percebendo o trabalho como positivo

Sendo bom por um lado, porque qual é a criança que merece estar dentro de um abrigo, ninguém merece (quando é adotado)

Aprendendo a dar mais valor para a família Tendo que... sei lá ajudar o próximo sempre que puder

Ajudando o próximo

Tendo muita gente que tem os pais e mães que os filhos estão aqui porque não podem

Não sendo porque não querem dar, sendo porque não tem condições

O trabalho do cuidador parece ser percebido com prazer, com compromisso, com dificuldades Considerando o que é positivo no trabalho e suas dificuldades, quais são os símbolos e

significados atribuídos pelos cuidadores ao trabalho com a criança

Então a gente podendo ajuda.

Os pontos positivos sendo te tornando uma pessoa melhor

Adquirindo experiência, trabalho, vida

Aprendendo aqui até mesmo para cuidar da minha filha

Percebendo o trabalho como compromisso com o outro

Eles chegando para ti, tu cuidado, dando banho, alimentando

Tendo aquele vínculo, aquele vínculo com aquela criança, tendo até a hora que vai embora

Ficando pensando, se não estava doente, se não estava com febre, será que ficou bem

Chegando às sete horas, dando banho, geralmente já jantaram

Dando o leite e brincando com eles

Fazendo alguma atividade, assistindo desenho Botando eles para dormir, tendo uns que dormem fácil, tendo outros que tem que ficar do ladinho do berço, até eles pegarem no sono

Eles já sabendo, chamam e tem que ficar do ladinho do berço até eles pegarem no sono

Tendo outros bebês que tem que embalar

Tendo que dar uma embaladinha até eles pegarem no sono

Eles sendo tranquilos

Tendo uns que são mais difíceis de pegar no sono, ai dormindo

Tendo o horário de troca de fralda, horário de leite na madrugada

Na hora de sair vendo se está tudo em ordem, trocando de novo, dando leite

Acreditando que tem que cuidar assim, da higiene, da alimentação

Tendo que dar atenção, um carinho

Tendo uns que pegando no colo eles já vão se encostando a cabecinha

Não tendo como, tendo que dar uma atenção Interação achando que interagir com eles a hora da brincadeira, na hora do banho

Interação brincando ali com eles

Vínculo acreditando que na hora que estão com uma dor, com sono

Fazendo um carinho para dormir, tendo o negócio do bico, do cheirinho

Trabalhando tudo isso ai, meio que adivinhar assim Ele dormindo de bico, tomou mamadeira antes de dormir

Pegando um vínculo com ele

Sabendo que está ali para proteger para cuidar Achando que com o passar do tempo, a experiência Indo lá ele estaca na UTI ainda, ele tinha um quadro clínico

Vindo a enfermeira me entrega aquele bebezinho nos braços, e ai para mim ficou como um filho Ela me entregando para eu cuidar e passei a noite inteira com ele, ele com dor e chorando

Ele dormindo no meu peito

Dormindo pela primeira noite no meu peito e eu meio que me mexia para por ele no berço e ele abria o berreiro

Me apegando a ele assim

Ele vindo para casa [...] me apeguei bastante a ele Sendo as brincadeiras, festa, carinho um com o outro

A gente conhecendo o que que fizeram de tarde Os maiores falando e os pequenos mais ou menos A gente conversando muito com eles

Achando que é isso, dar carinho, dar atenção

Percebendo o trabalho com dificuldades

Sendo difícil, não sendo fácil

Chegando, tendo cada história aqui

Cada criança tendo uma história diferente, sendo meio complicado

Depois te apegando e ai eles indo embora, sendo adotados ou voltando para a família, é meio complicado

Sendo meio complicado a gente lidar

Indo embora assim, sendo adotados ou voltando para a família a gente sente muita falta

Tendo que se acostumar Se acostumando com o tempo

Os primeiros sendo brabo, depois a gente vai se acostumando

Sendo difícil, mais ai tu tem que fazer o teu trabalho Podendo levava todos para casa, mas não tem como

Sendo complicado, sendo difícil Tendo que ir levando

Sendo um serviço

Chegando aqui era muito complicado

Sempre cuidado de criança, trabalhando em escolinha, mas a realidade é outra

Na escolinha chegando a mãe mando o lanchinho, tendo hora para isso para aquilo, aqui não

Tendo os horários, tudo

Não sabendo se a criança toma leite com açúcar, se essa criança não toma leite com açúcar

As dificuldades são oriundas tanto dos déficits do sistema, quanto da estrutura da qual a criança vem com ambiente sem estrutura e hostis

Nesta categoria embora não se questionasse sobre vínculo e apego, o trabalho com a criança é percebido com relação ao apego e ao vínculo

Ai sendo bem complicado

Tendo que ir meio que jogando, até pegar o jeitinho deles, ou até eles se adaptarem ao teu jeito

Ele indo embora foi bem difícil

Chegando em casa me lembrava dele e sonhava Chegando a sonhar com ele

Sendo bem complicado assim, porque até hoje não fiquei sabendo mais notícia

Ai ficando difícil

Procurando não se apegar a outra criança Procurando cuidar dos outros não se apegando Distribuindo meu carinho para todos, do que para uma criança só

Pirando

Chegando a pirar porque tinha foto em casa As pessoas vindo me perguntar eu ficando mal Depois ficando superando

Nunca mais vendo, não tendo mais contato Tendo que lidar com essa perda

Não sendo meu, tendo que botar na cabeça toda hora que não era meu

Trabalhando essa parte do vínculo A gente não podendo se apegar

Entrando me apeguei nesse gurizinho, quando ele saiu eu senti muito, então tem que avaliar

Sendo que depois a gente fica mau

Vendo muitas colegas passar por isso também Sabendo que aqui é o teu trabalho

Saindo para rua tem que meio que esquecer assim, senão piora

Sendo complicado

Te apegando numa criança e sofrendo depois Eles indo embora

Não ficando aqui para sempre

Percebendo as consequências da institucionalização para criança

Achando que é isso assim, dar uma atenção, porque eles estão aqui sem pai, sem mãe, sem irmão

Ainda mais sendo bebezinho pequeno, eles

mamavam e passam a noite chorando por causa do peito, por causa da mãe

A gente tendo que puxar ali, porque não tem muito o que fazer com criança de abrigo

Passando praticamente o dia inteiro aqui dentro do abrigo

Tendo um passeio ou outro lá de vez em quando Não conhecendo o mundo lá fora

Tendo os que a gente sai para ir no médico, eles ficam olhando os carros, para eles sendo novidade

da criança#

Percebendo o trabalho como uma experiência desconhecida#

Trabalhando em equipe

A gente se revezando assim, para não ficar toda a noite acordada

A gente se dividindo

Não atendendo uma criança, duas sempre na mesma noite

A gente atendendo conforme eles chamam

Figura 4: Quadro com codificação focalizada (categorias prévias geradas a partir dos códigos).

#Essas categorias prévias não tiveram falas correspondentes desta cuidadora, no entanto estiveram

presentes nas entrevistas de outras cuidadoras.

Após a etapa apresentada na figura 4, os dados das 15 entrevistas foram comparados entre si e criadas as categorias finais, conforme apresentado nos resultados. Ressalta-se que após a codificação, foram retomadas as falas conforme nas entrevistas, não estando mais no gerúndio.

Os dados foram ainda complementados com as observações estruturadas realizadas, que somaram um total de 14 dias perfazendo um total de 17 horas e 34 minutos. Desses dias de observação, cinco foram no turno da tarde, com 5 horas e 50 minutos; três foram no turno da manhã, com 3 horas e 59 minutos, e as outras seis foram à noite, com 7 horas e 55 minutos. Destaca-se que a noite é dividida por dois grupos diferentes, sendo que em cada noite (noite 1 e noite 2) intercalam-se as cuidadoras, portanto houve três observações em cada noite. Ressalta-se que o número de dias e horas em que cada turno foi observado diverge, devido às folgas e faltas, e como o previsto era observar pelo menos uma vez cada díade de cuidador e crianças, foi necessário acompanhar o turno da tarde por um período de dois dias a mais, do que os outros turnos.

Na primeira categorização, selecionou-se todos os códigos das entrevistas, individualmente, analisando-se, construindo e reconstruindo as categorias prévias que emergiram dos dados oriundos das informações coletadas com as participantes. Posteriormente, juntou-se todas as categorias prévias, oriundas da codificação de todas as entrevistas, o que resultou em um documento com 83 páginas que foi impresso e reanalisado, organizando-se novamente as categorias.

De posse das categorias prévias, os dados foram reorganizados, adotando-se a partir dessa etapa os relatos diretos das participantes e não mais os códigos.

Esses dados foram reorganizados em categorias centrais e subcategorias, em que as falas foram inseridas para esclarecer as categorias que emergiram dos dados, sendo então interpretadas.

Após essa etapa, os relatos foram refinados, retirando-se os excessos que não contribuíam para a compreensão dos símbolos e significados atribuídos pelas participantes ao seu processo de formação de vínculo e interação com as crianças, complementados pelas informações das observações.