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4.3 Enfrentando o cotidiano do trabalho

4.3.3 Trabalhando em equipe

As atividades de cuidado são desempenhadas por meio da divisão de tarefas entre os turnos e também entra as cuidadoras de cada turno, de forma que ocorre uma distribuição das tarefas para melhor atender às necessidades das crianças. Assim, o trabalho é organizado em equipe, sendo que existe uma continuidade das atividades de um turno para o outro.

As atividades de cuidado às crianças, são organizadas dentro de cada turno, de forma que as cuidadoras vão se alternando para atender cada criança:

[...] hoje eu mudo, a colega dá o leite, a gente se organiza meio que assim (C4).

[...] a gente se organiza, então como a gente é umas quantas, uma pega um, outra ajeita aquele, e outra ajeita aquele outro (C5).

[...] a gente se organiza entre nós, umas trocam, umas dão banho, outra já vê lanche para noite (C7).

É que a gente divide, assim, é eu não atendo uma criança duas sempre na mesma noite, então a gente vai atendendo conforme eles chamam (C13).

Percebe-se que as participantes organizam a rotina de cuidados distribuindo entre si as atividades a serem realizadas durante o turno de trabalho. Essa forma de organização permite agilizar as tarefas buscando atender às necessidades da melhor forma possível.

Estudo de Lima (2012) também mostra essa característica de complementação do trabalho entre as cuidadoras, essas referem se revezar nos cuidados dispensados às crianças.

O trabalho conjunto, em que existe uma cooperação entre as cuidadoras pode ser observado em alguns relatos:

A gente trabalha em conjunto, nunca tem uma sozinha, uma ou duas, nós trabalhamos em conjunto e [...] a gente tem uma sintonia bem grande, porque uma criança está chorando, uma já vai já vai ver o que é, se uma não vai a outra vai, uma pergunta para a outra, gurias é leite, já tomou leite, já está trocada, e uma das gurias diz ‘ah troquei, ah não quis o leite’. Então, a gente se organiza em conjunto, ali a gente não trabalha separado nem tem como (C11).

Sempre combinando com quem está de plantão comigo, [...] sempre tentar combinar com quem está junto, às vezes está cansada, ‘bah vai tu porque não quer parar comigo’. Sempre a questão de chamar outra para auxiliar, quando tu sente que não tem uma resposta imediata, assim, ou já não está mais sabendo o que fazer, sempre combinar com quem está junto (C14).

O compartilhamento das tarefas de cuidado e o auxílio mutuo favorecem o desempenho do trabalho. Assim, pode-se perceber a cumplicidade e o companheirismo entre as cuidadoras, isso é muito importante para oferecer um cuidado integral e mais resolutivo. De acordo com Lima (2012) a flexibilidade no trabalho e a forma cooperativa da equipe são compreendidos como pontos positivos do trabalho pelas cuidadoras.

No turno da noite, por ser um período de 12hs, as participantes referem que se revezam no cuidado das crianças a partir da meia noite, para que seja possível descansarem um pouco:

No meu plantão tem quatro, está faltando uma colega hoje, porque ela está de folga, mas nós somos quatro. [...] até por volta da meia noite nós ficamos nós quatro ali, depois à noite nós vamos nos revezando, para uma poder descansar um pouco, ai a outra fica (C11).

Depois da meia noite a gente faz uma escala, se estão as 4, é 1 hora e meia para cada uma. Aí temos o horário de descanso, se estamos entre 2, a gente fica 3 horas, aí a gente fica ali (C5).

Percebe-se, nas falas das participantes, que durante à noite a equipe trabalha mais em conjunto demonstrando um entrosamento maior, o que pode estar relacionado ao maior tempo que passam juntas.

[...] essas gurias do meu plantão a gente tem uma interação muito boa, a gente trabalha na mesma linha de pensamento, até para cobrar uma da outra (C11).

[...] a questão de trabalhar em grupo, de saber o que que a outra pensa, ‘vamos fazer assim, não vamos fazer’. Acho que é sempre a questão de tentar trabalhar em equipe, eu acho que o plantão funciona melhor. As crianças, quando está tudo sintonizado [...] ficam mais tranquilas e tudo parece que é um efeito dominó. [...] a gente trabalha num grupo que todas tem a mesma linha de pensamento. Então, eu acho que as crianças reagem melhor, em sintonia (C14).

[...] meu plantão [...] é um plantão muito tranquilo, todas nós somos iguais para cuidar a gente pega junto (C15).

O cuidado realizado em conjunto, de forma compartilhada e sintonizada, possibilita maior estabilidade, de forma que isso se reflete também nas crianças, que ficam mais tranquilas quando a equipe trabalha de forma unida e integrada.

Estudo desenvolvido por Corrêa e Cavalcante (2013) mostra como o educador busca propiciar condições para garantir a qualidade do cuidado, exercendo um papel ativo. Assim, o educador é influenciado pelo ambiente físico e social, e também proporciona mudanças e alterações em sua estrutura.

Além do trabalho em cada turno, pode-se observar também a forma de organização do trabalho em equipe entre os turnos distintos, por exemplo com as escalas de banho, distribuindo os horários da manhã, tarde e noite:

O banho é por escala. Agora a gente tem crianças que tomam banho de manhã, crianças que tomam banho de tarde e crianças que tomam banho de noite (C4).

[...] a gente tem uma escala de banho, uns tomam de manhã, outros de tarde, outros de noite (C5).

[...] temos escala de banho, não são todos do banho da tarde, então temos uma escala de banho (C6).

A organização das atividades dentro de cada turno e entre os turnos busca manter uma rotina, para favorecer o desenvolvimento de todas as tarefas. Entretanto, embora exista uma continuidade no trabalho de um turno para o outro, as cuidadoras buscam realizar todos os cuidados no seu turno, passando as crianças com a troca de fraldas feita:

[...] então cada plantão entrega o seu plantão com as crianças trocadas (C6).

A maior parte das informações, do que ocorreu em cada turno, é repassada para o turno seguinte oralmente, entretanto, conforme afirma C7, existe um livro em que são realizados os registros de intercorrências:

Tem livro, geralmente no livro a gente passa se acontecer alguma intercorrência, [...], quando tem alguma, um deles está gripado, fez febre, não quis comer, vomitou, alguma coisa assim, a gente passa também no plantão, quando vai embora para colega saber (C7).

A troca de informações entre os turnos é imprescindível para que seja possível uma continuidade nas atividades de cuidado. Além disso, possibilita saber sobre as intercorrências e as necessidades prioritárias de cuidado, assim como condições específicas de cada criança. No estudo de Lima (2012) além das informações contidas nos relatórios, as cuidadoras utilizam a estratégia de se telefonarem diariamente, o que se configurou, para elas, em uma forma de cooperação crucial e imprescindível para o trabalho.

Embora existam turnos em que o grupo de trabalho tenha um relacionamento harmonioso e satisfatório, ocorrem também algumas dificuldades, como em qualquer grupo de trabalho. O transporte da criança para serviço de saúde é uma atividade, que de acordo com C7, muitas vezes, é transferida de um torno para o outro, o que pode piorar o quadro da criança:

[...] aqui tem muito, como em qualquer lugar, o empurra, empurra. O turno da noite não leva porque a prefeitura não tem carro, aí o turno da manhã não leva não sei porque, se tu vai chegar de tarde e deixar para o fulano no outro dia de manhã, alguém querer levar, vai piorar (C7).

As dificuldades enfrentadas no trabalho em grupo desmotivam as cuidadoras a realizarem suas atividades, pois, algumas vezes, com as faltas não justificadas de colegas, tem que assumir os encargos sozinhas:

[...] a nossa grande dificuldade é com o grupo de trabalho, não é com as crianças [...]o problema é o grupo que dificulta o trabalho, que aí tu já vem desmotivado. A criatura passou uma semana em casa, aí vem trabalha um dia, folga, [...] ficou só eu e uma [...], a gente trabalhou acho que uns dez dias sozinha. [...]. Para mim aqui a maior dificuldade é o grupo, não é a criança é o grupo, é o meu trabalho com o grupo que dificulta o trabalho com a criança. [...] Falta sem justificativa, sair meio dia, meia hora (C8).

C8 complementa, dizendo que, devido as dificuldades do trabalho com o grupo no seu horário, não tem mais prazer em ir trabalhar, vindo apenas para cumprir seu contrato:

Para mim hoje em dia assim, eu venho para cumprir contrato, tu não tem mais aquele prazer, [...] eu cansei, cansei, de ver as coisas e não adianta. [...]. Eu não sinto prazer mais (C8).

A qualidade de vida no trabalho está relacionada tanto aos aspectos subjetivos como “gostar da profissão e sentir-se bem no trabalho, como pelos quesitos das condições de trabalho e dos relacionamentos oriundos da atividade laboral” (BRACARESE et al., 2015, p. 547).

As dificuldades enfrentadas no cotidiano do cuidado da criança abrigada impõe ao cuidador uma série de sofrimentos, com o passar do tempo e a percepção de que não é possível alterar as coisas que não considera adequadas, o prazer do trabalho dá lugar ao sofrimento.

O trabalho em equipe mostrou-se, nesta subcategoria, com características diferentes entre os turno. Enquanto que no turno da noite as cuidadoras trabalham em conjunto, buscando a melhor forma de organizar as atividades e rotinas sempre auxiliando-se mutuamente, no turno da manhã as faltas e saídas de algumas cuidadoras geram uma sobrecarga para as outras, que devem suprir a demanda de trabalho. Além disso, algumas situações específicas como os encaminhamentos de saúde são deixados de um turno para o outro, o que pode acarretar no agravamento da condição de saúde da criança.

5 Modelo teórico “Percebendo o trabalho/cuidado com crianças