4.4 Análise do Desenho Família-Estória com os adolescentes
4.4.3 Lucas (caso 3)
Título: “Família diferente de outros olhos”: “Uma família, tipo, não, todos pensam que uma
família é composta de pai, mãe, filhos, mas uma família não é feita disso. Tipo, feita de amizade, de
companheirismo. E esses dois tem bastante. (P): Que família é essa? (L): Pensei como penso em
uma família mesmo, uma mãe, um filho, mesmo tipo não tendo pai nem irmãos, eles são uma
O adolescente apresentou no primeiro desenho (Figura 9) uma família composta por duas
pessoas, destacando a diversidade das famílias atuais, compostas por apenas um genitor e um filho.
A figura central destacada é a mãe, representada como uma mulher mãe forte, que desempenha
vários papéis na família e supri as necessidades do filho: (P) Como que se sente o filho, que convive
com essa mãe, nessa família? (L) Aaah ele se sente bem, um filho normal, mesmo que nesse
desenho, nessa minha tentativa de representação, não tenha um pai, nem irmão, a mãe já faz o papel
de todas. O filho sente isso.
Lucas usou da racionalização para explicar a família apresentada, reforçando em vários
momentos tratar-se de uma família unida, que mantém o diálogo, sem entrar em contato com
sentimentos despertados dessa relação: (P) Por quê você escolheu essa concepção de família para
você? (L) Porque muitas pessoas acreditam que a família é composta de vários indivíduos, filhos,
mas não é isso, é parceria, é um grau de parentesco de conversa, de aliança, de brigas, tudo mais.
Mesmo sendo uma família de poucas pessoas, tudo isso existe.
A representação gráfica do desenho é imatura para sua idade, trazendo um reforço no
grafismo, principalmente na figura feminina, representativa de mãe, e a ausência de pescoço, o que
pode indicar, segundo Van Kolck (1984) uma grande dificuldade em coordenar os impulsos
intelectuais e agressivos, gerando muita ansiedade
Título: “Uma família que alcançou seus bens”: “Essa família, essa família ideal é uma
família que praticamente é realizada né? Tem uma casa, pai e mãe né? Filhos, cachorros, carro. Ela
praticamente já conseguiu o básico para ser uma família ideal né? É o praticamente hoje em dia tem
que ser né? Tem filhos, pai, mãe, cachorro.”
Na Figura 10 o adolescente apresentou a família voltada às questões materiais, a aquisições
de bens de consumo, a estabilidade financeira como o foco principal: (P) O básico seria o quê na
família? (L) Não o básico, o avançado assim, sabe? Praticamente o que todos querem alcançar
quando querem ter uma família. Casa, moradia, transporte, essas coisas.”.
Apresentou uma rotina voltada ao trabalho e estudo, procurando retratar o bom
relacionamento familiar, porém, com uma constituição familiar diferente da formação real do
adolescente. “É um bom relacionamento, mãe com filha, pai com filho. Todos se dão bem e... é uma
família ideal.”
Notou-se associações empobrecidas, o que pode indicar, segundo Villela (2013), repressão
na manifestação dos desejos inconscientes ou conteúdos manifestos.
Título: “Uma família forte”: “Tem uma pessoa que não está bem, mas que não está bem no
sentido doente. Se é uma família que alguém não está bem, se fosse em outro sentido não seria uma
família. Se a pessoa não está bem, tipo, eu represento assim uma pessoa doente, certo?”
Na produção da família em que alguém não está bem (Figura 11), Lucas mostrou-se muito
defensivo, procurando ressaltar que pensou em problemas de família apenas nas questões de saúde
orgânica. Há dificuldade do adolescente em entrar em contato com possíveis sentimentos de
angústia ou conflitos familiares: (L) […] Minha concepção de família é sempre uma coisa alta sabe?
Buscar sempre, é igual eu fico dizendo, harmonia, coisas boas. Se essa pessoa tava mal nesse
sentido, acredito que essa família não sabe certo a concepção de ser uma boa família, certo? Por isso
eu representei um hospital, uma pessoa mal no sentido de doente. (P) Mas você acredita que na
família, todo mundo está sempre bem? (L) Olha, uma família que tem alguém mal vai buscar deixar
essa pessoa bem. Mesmo com problemas, e nas coisas que estão acontecendo com essa pessoa, essa
família se mantém presente e sempre conversa, certo? E busca fazer a pessoa ficar bem.
O adolescente encontrou dificuldade de explanar sobre sua concepção de doença e apoio
familiar, evidenciando fantasias de doença e de cura, negando possibilidades de sofrimento psíquico
em sua produção. Há, como aponta Villela (2013) uma tentativa evasiva ante a angústia
desencadeada com a proposta do desenho.
Título: ** (Sobrenome da Família): “Uma família de cinco pessoas, eu, meus irmãos e meus
pais. Sou mais novo, meu irmão é do meio, tem 21, e meu irmão mais velho 25, meu pai, 51 e
minha mãe, 51. Essa é a nossa família. É isso.”
Em sua última produção (Figura 12), o adolescente retratou sua família, incluindo os pais e
irmãos, e novamente procurou reforçar que está inserido em uma família unida e com bom
relacionamento. Demonstrou preocupação com a avaliação psicológica e a percepção da psicóloga,
procurando reforçar apenas os conteúdos positivos da família.
Bom, como estou falando sobre o conceito de família, é por causa da minha
família. Isso você já deve ter percebido É uma família boa, todos tem
problemas, mas todos buscam conversar bastante, sair pra comer, pra jantar,
pra conversar, pra fazer várias coisas, atividades que se sintam bem, e
esquecem um pouco da rotina que ficam presos. (Lucas).
Somente ao final, sinalizou que apesar da proximidade dos familiares, pode haver pouca
coesão entre eles: (P): O que mais chama a atenção na sua família? (L): Aaah, uma família meio
desfalcada, que ela sempre se junta. Não para muito em casa, porque sempre está trabalhando ou
estudando. (P) Quando você fala desfalcada, você fala em que sentido? (L) Tipo, tem uma pessoa na
casa, outra sai. Aí, volta, e essa sai. Fica nesse vai e vem, nesse sentido.
Lucas também trouxe a problemática da acusação judicial, como o fato que marcou sua
família, porém, reafirmou a confiança que os mesmos depositam nele, supervalorizando tais
qualidades: “Bem, sempre minha mãe, meus irmão, não me veem com outros olhos. Eles acreditam
em mim, eles são uma família de verdade. Isso na minha casa não falta.”
Villela (2013) pontua ser comum alguns examinando resistirem em apresentar associações
nesta unidade, pois podem remetê-los de forma mais direta aos conflitos vivenciados na própria
família.
No documento
SANDRA REGINA MONTEIRO SALLES
(páginas 100-105)