O adolescente que praticou o abuso sexual e responde judicialmente pelo ato denunciado, é
inserido em um universo jurídico diferenciado do adulto, com legislações específicas, que sofreram
modificações no decorrer dos anos.
Santos (2004), a partir de um levantamento histórico, aponta que a expressão “menor” tinha
suas primeiras menções ligadas às leis criminais do Brasil Império. Transita do espaço jurídico para
o discurso social no final do século XIX, sendo utilizado quando se referia às crianças nascidas em
camadas sociais desfavorecidas. A expressão "menor" assumia um viés de controle político,
segmentando certos setores sociais, em que as crianças consideradas bem-nascidas eram tratadas
diferente das potencialmente perigosas.
Os dois Códigos de Menores que existiram no Brasil, em 1927 e 1979, tinham como
entendimento que apenas os “menores” em “situação irregular” seriam alvo da tutela do Estado, não
existindo distinção entre crianças e adolescentes que precisavam de medidas de proteção e aqueles
que necessitavam de reeducação. O juiz de menores poderia aplicar a mesma medida para ambos os
casos (Brusius & Gonçalves, 2004).
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) surge com o grande aparato
jurídico-institucional para a tutela dos menores e consequente intervenção sobre as famílias, trazendo as
figuras jurídicas do juiz, promotor, advogado ou defensor público e a responsabilização das
administrações locais, nas questões da Política Social. Assim como a importância de equipes
multidisciplinares, com a atuação do psicólogo, no atendimento aos adolescentes (Santos, 2004).
O ECA é composto por dois livros, sendo que o livro I trata dos direitos fundamentais de
todos os menores de 18 anos, como: saúde, família, educação, cultura, lazer, trabalho, entre outros.
Já o livro II refere-se às crianças e aos adolescentes em situação especial de risco que necessitem de
políticas específicas de proteção e medidas socioeducativas. Nesses dois componentes fica marcada
a necessidade de proteção ao desenvolvimento bem como o reconhecimento de potencialidades
desse grupo populacional, sua autonomia e protagonismo (Areco, Silva & Matias, 2010).
Em busca de avanços na área, em 18 de janeiro de 2012 foi sancionada a Lei nº 12.594, que
institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), com o intuito de
regulamentar a execução das medidas socioeducativas destinadas aos adolescentes que praticam
atos infracionais, alterando o ECA entre outras leis.
O SINASE define parâmetros de atendimento, enfatizando ações de educação, saúde e
profissionalização, além da formação das equipes interdisciplinares e as estruturas das unidades de
internação (Brusius & Gonçalves, 2004). Para responsabilizar o adolescente, são utilizadas as
medidas socioeducativas, as quais permitem processos de reestruturação e ressignificação dos
sujeitos que cometeram atos infracionais (Costa, 2005).
Essas medidas são aplicadas a autores de atos infracionais e estão divididas em seis direções:
Advertência: é a primeira forma descrita no ECA, que consistirá em uma repreensão verbal com a
presença do responsável e a formalização através de uma assinatura dessa repreensão; Obrigação de
reparar o dano: ocasionado ao patrimônio público, ou por vezes, restituir a vítima; Prestação de
serviços à comunidade: realizando tarefas gratuitas por um período de até seis meses; Liberdade
assistida: o adolescente terá o auxílio e acompanhamento de um profissional no desempenho de
suas tarefas do cotidiano; Inserção em regime de semiliberdade e Internação em estabelecimento
educacional, que são os casos de delitos de maior gravidade, que podem ocorrer nas perdas de
direito parcial ou completo de sua liberdade, cabendo ao juiz respeitar a peculiaridade de cada
indivíduo (Lei, 1990).
A tomada de decisão do encaminhamento do adolescente, deverá levar em conta alguns
fatores para balizar as medidas como: o nível de desenvolvimento em que ele se encontra, a
natureza da infração e as condições oferecidas pelo Estado para o cumprimento dessas medidas
(Costa, 2005).
A prestação de serviço à comunidade propicia ao adolescente em conflito com a lei a
oportunidade de um corte em sua trajetória, favorecendo condições para que ele construa outros
laços e aposte em novos caminhos (Araújo & Santos, 2008). Contudo, teóricos como Costa (2005) e
Boll (2014) discutem acerca da aplicabilidade dessas medidas, e suas reais funcionalidades.
Pontua-se que, da forma como vem ocorrendo sua aplicação, não conPontua-segue alcançar a realidade do
indivíduo, deixando de lado suas bases e desconsiderando o nível de desenvolvimento e o meio ao
qual ele está inserido.
As medidas sofrem grandes embargos, pois além de todas as dificuldades enfrentadas, se
defrontam com a falta de estrutura física que inviabiliza as atividades dos trabalhadores desse
contexto, tornando instituições que deveriam ser socioeducativas e pedagógicas apenas meras
réplicas de uma penitenciária comum (Francischini & Campos, 2005). Outro principal entrave que
acaba por inviabilizar a efetividade das ações, consiste na barreira metodológica e na falta de
experiências dos profissionais, especializadas para esse contexto. No sistema se encontram
inúmeros profissionais pouco capacitados para atuar nessa realidade (Costa, 2005).
Em relação ao adolescente que pratica o abuso sexual, a problemática se identifica, pois,
como aponta Ikuma, Kodato e Sanches (2013, p. 9), “Há uma hierarquização das práticas delitivas,
os atos infracionais que envolvem violência sexual e delação de pares são condenados pelo grupo.”
De acordo com o Código Penal, que foi alterado pela Lei 12.015 de 2009, o Art. 217
considera: “Estupro de Vulnerável” a conjunção carnal ou ato libidinoso com menor de 14 (catorze)
anos. Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas acima, com alguém que, por
enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou
que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. O ato infracional é descrito como um
crime ou contravenção penal (art. 103 - ECA) assim, o adolescente responde por “Estupro de
vulnerável”, quando realiza alguma prática desviante, de cunho sexual, com menores de 14 anos.
Independente ou não do consentimento da vítima, o adolescente poderá ser responsabilizado pela
sua conduta, respondendo a medidas socioeducativas pertinentes a cada caso.
O peso do termo “estuprador”, por vezes é trazido nos atendimentos com esses jovens. Em
meio aberto, temem o tratamento social e como serão tratados em futuras abordagens policiais.
Penso et al. (2012) pontuam que a relação com a polícia é percebida pelo adolescente como
vigilância dos maus atos praticados, ou exercício de castigo, não de proteção. Assim, o adolescente
tende a ser reduzido à sua prática infracional, sendo desconsiderado em suas particularidades e
potencialidades.
3. Método
Trata-se de estudo exploratório, utilizando o delineamento de estudos de casos múltiplos. Yin
(2015) define o estudo de caso como a investigação empírica de um estudo contemporâneo em seu
contexto de mundo real, e este estudo pode incluir tanto o estudo de caso único quando de casos
múltiplos. No estudo de casos múltiplos, pode-se tirar um conjunto único de conclusões, nos
cruzamentos de casos.
No documento
SANDRA REGINA MONTEIRO SALLES
(páginas 34-38)