4.3 Análise das entrevistas com os pais
4.3.2 Relações interpessoais do adolescente
No caso 1, os pais não trouxeram queixas de João vivenciar bullying na escola, mesmo após
a saída da Unidade de Internação.
A mãe apresentou o filho como um adolescente calmo e colaborativo: “Ele é um menino
calmo viu? Até em casa ele não briga com ninguém. [...] Ele sempre fala: 'Deixa aqui gente, eu
mesmo faço.'. Ele não é de discutir, ele não é de brigar. Essa é a vida do João.” O pai destacou que
boas, amizades sadias”. Os pais negaram o envolvimento do adolescente com o consumo de
substâncias psicoativas, ou conflito com os pares. Apresentaram um João mais passivo, conformista
e pouco questionador.
No caso 2, a mãe reconheceu o filho como um jovem líder, que se destaca dentre os demais
adolescentes: “Ele tem, deu pra você ver que ele tem um ar meio superior.” Valorizou o papel de
sedutor do filho, destacando com orgulho a popularidade de Fabiano, e reforçando os
comportamentos machistas:
Sim, as meninas sempre em cima dele, muito assédio. Que agora eu cortei o
cabelo dele, porque ele tinha o cabelo aqui, liso. E desde pequeno, a
(coordenadora) falava “Mãe, pelo amor de Deus, o que a gente vai fazer
com o Fabiano dentro da escola, essa meninada tudo corre atrás de
Fabiano”,então eu acho que os meninos, sempre destacaram ele, sabe? “Ah,
o Fabiano é o cara.” Quando eu vejo que ele está muito pomposo, eu falo:
“Fabiano, menos.” (Mãe, caso 2).
Quanto a prática de bullying pelo filho, naturalizou o fato, reconhecendo contudo, que
Fabiano expõe a suposta vítima na escola: “Bullying todo mundo faz né, diariamente. Eu acho que
não, o único bullying pra mim, foi quando ele falou pra Amanda 'sua estuprada', dentro da escola.”
Novamente a mãe reforça os comportamentos de risco do adolescente, sem proporcionar
possibilidade de contenção e reflexão.
Os pais do caso 3, descreveram Lucas como um adolescente comunicativo, que mantém
grupos de amigos diversos, seja no bairro, na escola, nas práticas de esporte. O genitor descreveu o
filho como fácil de se relacionar: “Não é fechado, não tem assim, como posso dizer, é, intriga com
outros colegas. No bairro que nós moramos a convivência social dele é bem espontânea”.
A mãe também apontou tal espontaneidade como uma qualidade do adolescente, porém,
acredita que o envolvimento do filho no caso, e em especial, a amizade estabelecida com Fabiano,
tenha se dado na tentativa de se integrar ao grupo:
[...] Tanto é que eu nem sabia que era esse Fabiano que tinha a fama que
tinha. Eu sabia da existência desse menino, mas eu não sabia que ele era
considerado o “bam bam bam” da escola, como dizem. [...] Dizem, eu não
posso falar, a gurizadinha fala que tem medo dele porque ele tem aquela
fama de líder, entendeu? E eu não sei o porque. Eles jogam bola no campo,
com todo mundo, que é público, né, do bairro tal. E ele tem, esse menino
parece que tem uma… Espírito de liderança. E talvez por ser aceito logo que
chegou, o Lucas quis ser inserido no grupo, por isso ele ficou ali. (Mãe, caso
3).
Já no caso 4, a mãe descreveu Carlos como introspectivo, calado, que não manifesta seus
sentimentos. Inclusive evidenciou a dificuldade do filho em externar sua dor pelo luto paterno,
quando afirmou que Carlos não chorou:
[...] logo da morte do pai dele, ele só dormia. Eu levei ele na psicóloga, com
o encaminhamento da escola. A psicóloga falou pra mim que não era para eu
ficar incomodando ele, porque era o luto dele. Mas um luto que só dorme,
que não conversa, que não chorou? Eu não vi ele chorar. (Mãe, caso 4)
Contudo, a mãe relatou mudanças recentes no comportamento de Carlos, indicando uma
transição de postura mais passiva e contida, para uma mais ativa, o que pode indicar busca de
diferenciação e maior autonomia. Carlos em companhia de amigos, experimentou bebida alcoólica,
ultrapassou o horário estipulado pela mãe e passou mal ao chegar em casa.
As amizades são consideradas restritas. O amigo do tio é indicado como nova figura de
referência para o adolescente, e segundo a genitora, não há o consumo de drogas pelo adolescente.
No caso 5 o pai também retratou Benício como um adolescente instrospectivo, com pouca
rede de contatos, amigos restritos, que verbaliza pouco. Ao mesmo tempo, valorizou o fato do filho
não ter atritos com terceiros, ser obediente, principalmente com os familiares: “Ah, ele é um menino
bom, sem problemas, não tem problemas com ninguém, não cria problemas com ninguém. É um
menino obediente. Comigo é muito obediente.”
Há bom convívio com os irmãos, que segundo o genitor, são mais calados que o próprio
adolescente. “Ele vai pra casa dos meus filhos. Os meus filhos são tudo casado, tem casa própria, lá
eles ficam, conversam, brincam. E ele é o mais quieto, é o mais brincalhão da turma. Os outros é
quieto mesmo. Só te respondem, se você perguntar alguma coisa. Se não perguntar, passa sem falar
nada”.
Novamente o comportamento isolado e instrospectivo de Benício, é visto como naturalizado
pelo núcleo familiar, enquanto para o adolescente, reforça a questão de sua invisibilidade social.
Renato, do caso 6, foi apresentado pela genitora com dificuldades no relacionamento social,
isolamento, pensamento autoagressivos, tristeza, perda de amizades e fuga de casa. A mãe
queixou-se de que o adolescente a culpabiliza por tê-lo abandonado, deixando-o aos cuidados do avô.
A mãe reconheceu que suas várias internações e tentativas de suicídio contribuíram para o
agravamento do estado emocional e psicológico de Renato, porém, não conseguiu visualizar
alternativas para ajudá-lo.
Tem dia que eu tô bem, tem dia que eu não tô. E aí, o Renato passa por isso,
eu tento resolver os problemas dele, resolver das minhas filhas, mas não
aquela vontade de levantar e seguir em frente. To estudando e tudo, mas não
tenho sensação de vida, não tenho planos de vida. Eu acho que meus filhos
estão indo tudo comigo, pro buraco. O Renato eu sei que ele precisa de
mim. Como minha médica falou, “É nessa hora que ele mais precisa de
você, e você não pode ajudar, e você também tá doente, tá precisando de
ajuda.” E eu falei pra ela: “E eu vou deixar meu filho sozinho, passar por
isso?” (Mãe, caso 6).
Quanto à escola, enfatizou que o coordenador conversou sobre o adolescente: “Mãe, eu tô
sentindo que seu filho tá pedindo socorro. 'Como assim?' O seu filho está sofrendo demais. Seu
filho está pedindo ajuda, no olhar dele tá pedindo ajuda.”
Nota-se que a apatia apresentada pelo adolescente e seu constante isolamento, pode
representar mais do que um pedido de ajuda, mas uma desesperança que vem se tornando crônica.
Por fim, a mãe procurou enfatizar todo o sofrimento sentido pelo adolescente, mostrando
identificação pela dor do filho, assim como imobilidade diante da desesperança destacada em sua
fala.
Ele hoje em dia, é um guri que a gente não tem contato com ele. Ele vive em
outro mundo, ele sofre calado, ele sofre em silêncio. Não tem o pai, não tem
uma...só tem eu e ele vê a mãe dopada de remédio, vê eu internada... que
nem eu, quando tento o suicídio, eles implora pra mim acordar. É a vida que
a gente tá levando. (Mãe, caso 6)
No caso 7, os pais percebem Eduardo com boa interação social, vinculação positiva de
amizades, em especial, o primo da mesma idade. As atividades estão relacionadas às práticas
esportivas, pipa e bicicleta entre pares.
Nas entrevistas parentais, o genitor evidenciou dificuldades no comportamento do filho, no
período de 12 a 13 anos, quando houve reprovação escolar e envolvimento com grupos de
adolescente, sendo necessário mudá-lo de escola.
Entretanto, os pais não trouxeram queixas atuais de Eduardo quanto a interação social no
ambiente escolar, apenas dificuldade quanto a chegar atrasado, participação nas atividades e notas.
Em seu discurso, a mãe cobrou maior imposição de limites do marido, em relação ao filho: “Então...
na escola, eu tive até... o Eduardo é assim, pelo pai passar muito a mão na cabeça dele, ele não tem
tanta responsabilidade.” Os pais não fizeram referência ao consumo de substâncias psicoativas pelo
adolescente.
No documento
SANDRA REGINA MONTEIRO SALLES
(páginas 80-84)