• Nenhum resultado encontrado

LUGAR: ALGUNS CONCEITOS E UMA INEVITÁVEL PRESENÇA DO ESPAÇO

2 LUGAR, TEXTOS E DESENHOS: DO CONCEITO AO MÉTODO

2.1 LUGAR: ALGUNS CONCEITOS E UMA INEVITÁVEL PRESENÇA DO ESPAÇO

Como se sabe, o conceito de lugar é compartilhado por diversas áreas do conhecimento, desde as interessadas somente em seus atributos geométricos, até outras preocupadas em melhorar a vida das pessoas, através da criação de “bons lugares”. Neste vasto espectro, incluem-se disciplinas como a matemática, a geografia, a antropologia, a filosofa, além da arquitetura e do urbanismo. Nesse sentido, Lineu Castello (2005) lembra que o conceito de lugar pode sofrer uma interpretação psicológica, antropológica, arquitetônico-urbanística, e assim sucessivamente. Cada disciplina busca entender o lugar de acordo com um conjunto próprio de visões e instrumentos de análise, de modo que parece impraticável – e não é nossa intenção – chegar a uma conceituação única de lugar. No entanto, uma breve incursão por algumas dessas abordagens parece válida, na medida em que revelam recorrências no sentido de lugar. A constatação mais preliminar a que se chega, em qualquer investigação sobre o lugar, é a inevitável menção ao termo espaço. Em qualquer glossário, o primeiro geralmente aparece como parte integrante do segundo. Mas o que, de fato, distingue um do outro? O próprio dicionário antecipa: a presença do indivíduo, e mais ainda, sua identificação com o espaço. Os estudiosos, em geral, seguem nessa mesma direção. Para o geógrafo Yi-Fu Tuan (1983), espaços se transformam em lugares quando são inteiramente familiares ao indivíduo. Segundo o autor, somos, a primeira vista, indiferentes a qualquer espaço. Porém, a medida que o conhecemos, passamos a atribuir-lhe valor. Ou seja, além da dimensão espacial, o autor nos lembra aqui de uma indissociável passagem do tempo na constituição do lugar. Tempo que também é matéria do antropólogo Marc Augé (1994), para quem espaços relacionados à curta permanência e a rápida circulação se tornariam, de modo inverso, em não-lugares.

Entre os filósofos interessados pelo tema, a figura de Martin Heidegger talvez seja a mais proeminente. Sua obra, como se sabe, extrapola os limites da própria filosofia para se disseminar em outras áreas do conhecimento, como a teoria da arquitetura. Seus escritos teriam sido responsáveis, alega Adrian Forty (2000), pela substituição do termo “espaço” por “lugar” em certos círculos arquitetônicos por volta dos anos 196014. Para Heidegger, em termos gerais, é a presença de um sujeito, e sua experiência de habitar, que transformam o espaço em lugar. “Habitar” torna-se assim um conceito indispensável para aqueles que seguem na esteira do seu pensamento, a exemplo de Gaston Bachelard, que evidencia a casa como signo de habitação e proteção – “a casa é nosso canto no mundo” (197415, p. 358) –, numa tentativa de aproximar da arquitetura os constructos do filósofo alemão.

Norberg-Schulz (1980), recupera tempos depois a ideia de habitar de Heidegger, quando afirma que o lugar é a concreta manifestação do habitar humano. Para o autor, o genius loci, noção emprestada dos romanos, estaria presente naturalmente no lugar, garantindo-lhe, a priori, uma certa qualidade ambiental, também chamada de atmosfera ou aura. No entanto, é só com a presença humana, e a sua capacidade de habitar, que o lugar passa a ser

compreendido como um “fenômeno total” – uma ideia-chave na obra de Norberg-Schulz –, no qual coisas concretas e experiências existenciais são elementos inseparáveis.

Para Montaner (2001), os conceitos de espaço e de lugar são claramente diferentes. O

primeiro tem uma condição ideal, teórica, genérica e indefinida. O segundo possui um caráter concreto, empírico, existencial e articulado. O autor joga com uma concepção de espaço moderna, que vai de Durand à Kahn passando inevitavelmente pelo Estilo Internacional, na qual a sensibilidade ao lugar seria irrelevante. Já o retorno à ideia de lugar no discurso arquitetônico de meados do século XX seria fruto de uma certa “cultura do organicismo”, desenvolvida primeiro na obra de Wright e em seguida nas propostas dos arquitetos nórdicos encabeçados por Aalto. Nesse contexto, para o autor, “a ideia de lugar diferencia-se da de espaço pela presença da experiência. Lugar está relacionado com o processo fenomenológico da percepção e da experiência do mundo por parte do corpo humano” (MONTANER, 2001, p. 37).

14 À época, o arquiteto holandês Aldo van Eych escreveu: Split apart by the schizophrenic mechanism of

determinist thinking, time and space remains frozen abstractions (...). A house should therefore be a bunch of places – a city a bunch of place no less (EYCK, 1961, citado por FORTY, 2000, p. 271).

A distinção entre espaço e lugar continua em trabalhos recentes, como a tese de Castello, na qual o lugar aparece como um espaço qualificado, “percebido pela população por motivar experiências humanas a partir da apreensão de estímulos ambientais” (2005, p. 17). E ainda em Reis-Alves, para quem “o espaço só se torna um lugar no momento em que ele é ocupado pelo homem, física ou simbolicamente” (2007).

Em que pese as abordagens distintas – aqui brevemente explicitadas em alguns enunciados –, há concordância em pelo menos um ponto: o entendimento do lugar como um espaço que se transforma e se distingue a partir da presença do indivíduo, que não só o ocupa, mas também o qualifica, dotando-o, ao longo do tempo, de valores e significados.

Por outro lado, estes enunciados apontam para a amplitude das ideias que orbitam em torno do lugar, fato que, para os limites do presente trabalho, desencoraja a busca por uma

conceituação única do termo. Assim, parece menos comprometedor, e muito mais apropriado às nossas intenções, inquirir o que o lugar pode ser, ao invés de o que é o lugar.

Com base nesta premissa, e aceitando as indicações provenientes da literatura aferida, optamos por operar com uma noção de lugar assente nas diferentes escalas que ele pode assumir e, a partir destas, nos elementos e atributos que lhes dão substância, como explicamos a seguir. Entender o lugar em escalas permite, também, uma abordagem mais abrangente do tema na obra de Lucio Costa, na medida em que engloba as diversas variações de significado que o termo apresenta ao longo da trajetória, e em meio aos documentos, do arquiteto.