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O LUGAR DO PSICÓLOGO NO CT DIANTE DOS DISCURSOS SOBRE A

3. DA DISCIPLINA À PALAVRA: O TRABALHO DO PSICÓLOGO COM ADOLESCENTES

3.2 O LUGAR DO PSICÓLOGO NO CT DIANTE DOS DISCURSOS SOBRE A

A partir do modo como desenvolvemos a compreensão das questões que envolvem a rotina do trabalho no CT, pensamos que o psicólogo precisa refletir sobre sua atuação e para quais fins ele está engajado ao ouvir e acolher a fala do adolescente e de seus respectivos responsáveis. Assim como entender as reais demandas de uma solicitação de avaliação e seus encadeamentos, identificar que este sujeito tem suas peculiaridades e experiências sem negligenciá-lo ou julgá-lo pelo seu modo de vida e dificuldades. Diferentemente do trabalho do conselheiro tutelar, que prima por fiscalizar/averiguar a vida do adolescente e do papel escolar, focado no desenvolvimento cognitivo/pedagógico, o psicólogo que se permite

caminhar por este percurso dentro da assistência social, deve se indagar por quais meios e mecanismos poderá atuar para que garanta os direitos destes sujeitos respeitando suas diferenças.

Na adolescência, a perda da autoridade parental e conquista de outros espaços, comumente é sentida pelos pais como denúncia de algo que não vai bem em sua relação com os filhos e traduzem em ações o que naquele momento não coube em palavras, causando possíveis conflitos. Em relação a isso, Jucá e Vorcaro (2018) afirmam que é necessário ter a “delicadeza de reconhecer que a adolescência não é a mesma para todos” (p. 249) e por isso é preciso ter uma sensibilidade para não cair na generalização de classificá-los como rebeldes. É nessa lacuna da perda da autoridade, de ressignificações e de novas referências que chega, muitas vezes, ao conselho tutelar o adolescente encaminhado pela escola, marcado por seus atos “rebeldes”, palavra observada com muita frequência nos relatórios escolares. Dessa maneira, este sujeito se depara com o conselheiro tutelar e posteriormente com a equipe técnica, sem sua opção de escolha ou fala, ficando evidente um conflito e uma resistência que foi sendo elaborada a partir de sua não escolha de estar neste lugar de “infante”14

.

Isso nos remete à atuação do psicólogo dentro do conselho tutelar, supondo que este deveria visar, através da entrevista psicológica realizada na sede deste órgão, a possibilidade do sujeito formular questões a respeito de sua história e de seu futuro. Trabalho que busca, sobretudo, viabilizar a fala e a elaboração desses pontos pelo sujeito para além da realização de encaminhamentos burocráticos.

Recorreremos agora a um recorte de um caso encaminhado pela escola com queixa de rebeldia ao conselho tutelar. Um adolescente foi agendado para a realização de uma avaliação psicológica, entretanto ele não compareceu junto com sua mãe. Ao ser questionada sobre a ausência dele, a genitora alegou que ele estava “com medo de ser preso” pelo conselho tutelar, pois segundo seus familiares e outros ao seu redor alegaram que ele seria “detido” por “provocar brigas na escola”. responsável continuou informando que seu filho “tinha medo” do órgão de proteção: “meu filho tem medo, não quer vir. Eu não sei se falaram algumas coisas de prender, eu não sei, entendeu?”. Posteriormente, o adolescente compareceu

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Infante: termo usado frequentemente pelo vocabulário jurídico, que remete ainda aos tempos da monarquia, significando criança, menino; em Portugal e Espanha, filho de reis, porém não herdeiro do trono.

pontuando que a escola “não permitia” que ele desenvolvesse seu “estilo/arte do rap” nos intervalos da escola, e com isso, ele se sentia “massacrado” pelas ordens da direção escolar e pelos inspetores.

Percebemos aqui dois fatores importantes para nossa discussão. O primeiro se baseia na fala da mãe ao pontuar que “meu filho tem medo, não quer vir”, em que fica marcado o desconhecimento acerca das funções do conselho tutelar e principalmente o papel a ser desempenhado pelo psicólogo dentro deste órgão por parte de algumas esferas, atribuindo a este órgão um papel de vigilância e punição, o que pode minimizar a procura pelo serviço para ações de promoção de garantia de direitos. Desta maneira os familiares acabam recorrendo a este órgão em situações predominantemente de denúncias, onde os direitos das crianças e dos adolescentes, em grande escala, já foram violados, ou ainda decidem buscar ajuda na tentativa de que a equipe técnica, em especial o psicólogo, possa “corrigir ou conter os adolescentes rebeldes”15

, ou seja, de uma agência de controle e disciplina e ratificando, assim, os meros encaminhamentos burocráticos.

Tais crenças tendem a gerar o afastamento desse público adolescente da rede de apoio e a sustentar decisões que podem ocasionar rupturas dos vínculos, como a institucionalização de adolescentes (BRITO; ROSA; TRINDADE, 2014). O segundo ponto está relacionado à queixa do adolescente ao ser privado de demonstrar seu “estilo/arte do rap” nos intervalos escolares. Com relação a isso, observamos que, muitas vezes, parece difícil para a escola lidar com saberes não escolares que os adolescentes apresentam, assim como admitir que o âmbito escolar é importante na vida de alguns sujeitos para “além do aspecto conteudista” (COUTINHO, 2019). Entra em cena, então, o mal-estar quando o adolescente não se encaixa nos parâmetros educativos universais. Por conseguinte, ao propor o deslocamento da discussão acerca dos impasses na escola esvaziando a crença no adolescente “problema” para abrir espaço ao adolescente como “enigma”, outinho apud Rezende (2019) afirma que a “valorização do discurso cient fico não é acompanhada por uma ciência com atitude investigativa, mas, sim, por uma tendência atual de transformar tudo em objeto classificável, consumível e acessível ao entendimento” (p. 354).

Contudo, não recuamos de nossa posição de indagar, a partir de outra

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Com frequência o conselho tutelar é visto como um órgão de punição, fiscalização e modificador de comportamento (ZAMORA, 2016).

perspectiva do sujeito, como este se apresenta e faz furo nas práticas instituídas, inserido na dimensão universalizante das leis, políticas públicas e práticas burocráticas, algo do singular. Isso nos evoca a refletir: existem caminhos que levam em conta a dimensão do sujeito adolescente? O que fazer com o mal-estar provocado pelos adolescentes segundo a afirmação da escola? Parece-nos, aqui, que quanto mais estes adolescentes são “calados” pelas formas de intervenção adotadas pelas diversas instituições que lidam com eles, mais apresentam entraves em relação à autoridade escolar e em alguns momentos não conseguem dialogar sobre seus impasses.

4. METODOLOGIA, TRABALHO DE CAMPO E DIÁRIOS DE EXPERIÊNCIA

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