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REPENSANDO O DIÁLOGO ENTRE A ESCOLA E O CONSELHO TUTELAR: UMA EXPERIÊNCIA COM A PSICANÁLISE

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

GÉSSICA ALVES DA SILVA

REPENSANDO O DIÁLOGO ENTRE A ESCOLA E O CONSELHO TUTELAR: UMA EXPERIÊNCIA COM A PSICANÁLISE

Niterói-RJ 2020

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Géssica Alves da Silva

Repensando o diálogo entre a escola e o conselho tutelar: uma experiência com a psicanálise

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Educação da Universidade Federal Fluminense (PPG-Educação/ UFF) como requisito para obtenção do Título de Mestre em Educação (Linha2 – Linguagem, Cultura e Processos Formativos)

Orientadora: Profª. Dra. Luciana Gageiro Coutinho

Niterói-RJ

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SILVA, G. A. Repensando o diálogo entre a escola e o conselho tutelar: uma experiência com a psicanálise. 2019. 83 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Niterói, 2020.

Aprovado em: ___/___/______

Banca Examinadora

________________________________________

Profa. Dra. Luciana Gageiro Coutinho (Orientadora) Universidade Federal Fluminense (UFF)

________________________________________

Profa. Dra. Fernanda Montes Universidade Federal Fluminense (UFF)

________________________________________

Profa. Dra. Cristiana Carneiro

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Para todas as crianças, adolescentes e jovens que foram atravessados

por percalços rudes e difíceis, no desejo que encontrem atos acolhedores

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A todos os conselheiros tutelares, professores e técnicos que acolheram essa pesquisa, pela confiança, delicadeza e disponibilidade que tiveram ao relatar sobre os percursos e entraves.

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AGRADECIMENTOS

Agradecer é o ato de demonstrar gratidão, de reconhecer a orientação, a ajuda, o carinho, o companheirismo e amizade de alguém. E quantas pessoas foram importantes nesse percurso. Assim, são muitas as pessoas a quem preciso me referir neste texto pela realização deste trabalho.

À Luciana, pela confiança, apoio, instrução e por estar comigo nessa caminhada que muitos diziam que era tão solitária. Pelo amparo, sugestões e incentivos na construção dessa dissertação sempre contribuindo para um olhar mais claro e proveitoso da escrita, pelas muitas possibilidades e caminhos que me abriu. Pela generosidade de sua orientação, pela sensibilidade em acolher quando necessário e em demonstrar a importância de sustentar a ética e o engajamento quando nos colocamos a escrever e a ouvir.

À Profa. Cristiana, pela atenção e pela leitura cuidadosa deste texto desde quando era apenas um projeto de qualificação, que instigou o seu desenvolvimento, contribuindo grandemente para um olhar mais minucioso sobre qual era minha real inquietação no desenvolvimento dessa dissertação. Pelo legado de seu trabalho, que continua a inspirar tantos outros como este.

À Profa. Fernanda, pela sensibilidade de sua escuta-leitura deste texto, que deu prumo e segurança através das pontuações que foram ditas na qualificação. Pela generosidade de suas contribuições deste processo e por me ajudar a pensar e a resgatar durante a qualificação qual era minha implicação subjetiva na construção desse texto.

A todos os docentes e funcionários da pós-graduação em educação-UFF, que me lembram do valor fundamental da universidade pública, gratuita e de qualidade para todos(as). À equipe da coordenação da pós-graduação, pela disponibilidade e atenção de sempre.

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Aos meus colegas de trabalho no conselho tutelar, em especial a Lubna, Vanessa e Renata por me auxiliarem nas horas mais difíceis do meu percurso profissional e pessoal, pelas trocas de experiências a cada dia.

À escola municipal e a todos os envolvidos, equipe técnica, equipe pedagógica, alunos, pais, psicólogos que me ajudaram e contribuíram para o desenvolvimento desta pesquisa. Aos adolescentes e seus familiares, em especial, pela confiança e momentos de reflexão tanto na vida profissional quanto na pessoal, mostrando-me a sensibilidade no olhar e na escuta. Pela disponibilidade de tempo e espacinho que cada um abriu em sua agenda para que essa pesquisa fosse realizada.

Agradeço também as psicólogas Mônica e Cris por estarem sempre me apoiando e me incentivando durante todos os nossos encontros entre cafés e bolos.

Ao grupo de estudos Tecendo Redes que contribuíram fortemente para uma maior compreensão dos temas envolvendo a adolescência e seus desafios, assim como uma sensibilidade ao me deparar com a vulnerabilidade social de muitas famílias.

Aos amigos queridos que estiveram comigo durante essa jornada, pois olhar para esse percurso é lembrar de vocês e dos nossos (des)encontros com muito carinho. Agradeço em especial a Amanda, Abigaiu, Ingrid, Luci, Hugo, Tainara e Gabi por sempre estarem ao meu lado me apoiando e me acolhendo nas horas mais oportunas.

A toda família Vianna, por estarem sempre dispostos a me ajudar, me apoiando e auxiliando nas horas necessárias. Em especial ao Daniel por me proporcionar momentos leves e tranquilos.

Aos meus primos queridos que também fazem parte da minha vivência pessoal e acadêmica, em especial a Anacelli, Marcelli, Bruna e Edgar, por serem sempre presentes mesmo longe.

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Aos meus avós que me criaram e sempre estiveram presentes em minha vida. Agradeço em especial aos meus queridos avós Jarbas e Waldemar que já partiram, mas que deixaram muitos ensinos e saudades.

Ao meu irmão, Douglas, pedaço tão grande e forte de mim. Pelo nosso laço que se torna cada vez mais forte com o passar dos anos mesmo reconhecendo nossas diferenças. Por me mostrar a leveza da vida nos momentos mais tensos, tristes e felizes.

Aos meus queridos pais, Leila e Cláudio, por terem me proporcionado vivências e experiências tremendas, em que fizeram emergir sonhos. Agradeço imensamente o carinho, o amor e o acolhimento mesmo estando longe de casa, me apoiando e torcendo por cada passo dado e conquistado. Agradecê-los nunca será o suficiente.

Agradeço a Deus pelo auxílio nesse percurso, pelo potencial e perseverança que me concedeu para finalizar essa etapa.

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Às vezes nos esquecemos de que os abusos podem permanecer “desconhecidos” por longo tempo, até serem publicamente

revelados e que as pessoas podem ver a miséria e não percebê-la, até a própria miséria se rebelar.

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RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo discutir e problematizar as demandas que se apresentam ao conselho tutelar de Itaboraí/RJ pela escola, nas quais adolescentes são descritos como os “responsáveis” por conflitos e desordem no âmbito escolar. Pretende também, a partir de uma leitura pautada na psicanálise e em autores das ciências sociais, questionar a atuação do psicólogo no conselho tutelar (CT) frente a tais demandas. Parte da constatação de que as demandas de encaminhamento que chegam ao CT por parte da escola são muitas vezes entendidas de forma isolada e individualizada, sem levar em conta outras esferas nas quais os adolescentes estão inseridos. Ao entrarem em cena questões que envolvem a vulnerabilidade social/familiar, a escola se sente despreparada para trabalhar com o que identifica não pertencer ao campo pedagógico. A cultura da medicalização e dos “especialismos” que tem se disseminado, chega também à escola. Desta forma, a marginalização juvenil e a judicialização também se fazem presentes na escola, pois é ali que esses jovens/adolescentes passam a maior parte do tempo. Recorrendo à psicanálise, esta dissertação busca alargar a compreensão do mal-estar instalado entre a escola e o CT diante dos adolescentes que não respondem da forma esperada. Na contramão de propostas universalizantes, propõe-se aqui operar uma escuta a fim de verificar a que e a quem esses atos cometidos dentro da escola se referem, o que poderia modificar o olhar sobre a atuação do psicólogo no CT e sobre as práticas desta instituição. A proposta desta pesquisa-intervenção é acompanhar alguns casos de adolescentes encaminhados pela escola ao CT através de entrevistas com o adolescente e os familiares, visitas à escola e reuniões com a equipe pedagógica.

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ABSTRACT

This research aims to discuss and problematize the demands that are presented to the tutelary council of Itaboraí / RJ for the school, in which teens are described as the “responsible” for conflicts and disorder in the school environment. It also intends, based on a reading based on psychoanalysis and social science authors, to question the psychologist's role in the tutelary council (TC) in face of such demands. It starts from the observation that the demands of referrals that arrive at the TC by the school are often understood in an isolated and individualized way, without taking into account other spheres in which the adolescents are inserted. When issues involving social / family vulnerability enter the scene, the school feels unprepared to work with what it identifies as not belonging to the pedagogical field. The culture of medicalization and the “specialisms” that has spread, also reaches the school. In this way, youth marginalization and judicialization are also present at school, as this is where these young people / teens spend most of their time. Using psychoanalysis, this dissertation seeks to broaden the understanding of the discomfort between the school and the TC in the face of teens who do not respond as expected. Against universalizing proposals, it is proposed here to operate a listening in order to verify to what and to whom these acts committed within the school refer, which could modify the look on the psychologist's performance in the TC and on the practices of this institution. The purpose of this intervention research is to follow up some cases of teens referred by the school to the TC through interviews with the teenager and family, visits to the school and meetings with the pedagogical team.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CT – Conselho Tutelar

CAPSi – Centro de Atenção Psicossocial infanto-juvenil CEAM – Centro Especializado de Atendimento a Mulher CF-88 – Constituição Federal de 1988

CRAS – Centro de Referência de Assistência Social

CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

FICAI – Ficha de Comunicação do Aluno Infrequente LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação

NAPEM – Núcleo de Atendimento Psicopedagógico da Educação Municipal PAIF – Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família

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ÍNDICE DOS QUADROS

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...16

1. LEIS, DIRETRIZES E MAPEAMENTOS 1.1 A FUNÇÃO DO CONSELHO TUTELAR JUNTO À EDUCAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS... 25

1.2 PONTO DE (DES)ENCONTROS: CUMPRIMENTO DA LEI OU MERA BUROCRACIA? ... 31

2. A ADOLESCÊNCIA E O CAMPO JURÍDICO: DESAFIOS E TENSÕES NAS DEMANDAS AO CONSELHO TUTELAR 2.1 FAMÍLIA E CONSELHO TUTELAR- DEFESA DE DIREITOS OU PRÁTICAS DE CONTROLE?... 36

2.2 CRIMINALIZAÇÃO E MEDICALIZAÇÃO NA ADOLESCÊNCIA... 39

3. DA DISCIPLINA À PALAVRA: O TRABALHO DO PSICÓLOGO COM ADOLESCENTES NO CONSELHO TUTELAR 3.1 UM DIÁLOGO ENTRE ESCOLA E CONSELHO TUTELAR: A QUESTÃO DA JUDICIALIZAÇÃO-(RE)PENSANDO IMPASSES... 48

3.2 O LUGAR DO PSICÓLOGO NO CT DIANTE DOS DISCURSOS SOBRE A ADOLESCÊNCIA PELO OLHAR DA PSICANÁLISE... 54

4. METODOLOGIA, TRABALHO DE CAMPO E DIÁRIOS DE EXPERIÊNCIA 4.1 QUESTÕES DE MÉTODO... 58

4.2 NOVOS DIÁLOGOS E SEUS DESDOBRAMENTOS... 63

4.3 AS MARCAS DE UM PERCURSO... 72

CONSIDERAÇÕES FINAIS... 74

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INTRODUÇÃO

Que renuncie a isso [à prática como psicanalista], portanto, quem não conseguir alcançar em seu horizonte a subjetividade de sua época. Pois, como poderia fazer de seu ser o eixo de tantas vidas quem nada soubesse da dialética que o compromete com essas vidas. (LACAN, 1953, p. 322).

Esta pesquisa faz parte de um percurso de alguém que foi se encontrando com as temáticas da adolescência e juventude ao longo de diferentes etapas e lugares de formação e de atuação que foram me convocando ao questionamento e ao engajamento. Em 2017, quando comecei a trabalhar como psicóloga no conselho tutelar de Itaboraí, me deparei com diversas demandas em relação às avaliações psicológicas de crianças e adolescentes que deveriam ser feitas. Tais demandas, frequentemente, eram vinculadas a um público em vulnerabilidade social1, que era encaminhado para o conselho tutelar por escolas do município, ministério público, Disque 100 e outros com queixas principais de abuso sexual, dificuldade de aprendizado, evasão escolar, agressividade, atos infracionais etc. Desde o início, chamava a atenção o fato dos adolescentes serem o grande público dos encaminhamentos para o conselho tutelar, quando “seus atos contraditórios e desafiadores”, como eram pontuados pelas instituições, não respondiam a suas demandas de obediência, marcando aqui uma convocação e queixa principalmente das escolas.

A partir desse contexto, emergiu o desejo de entender melhor os motivos desses encaminhamentos, já que constantemente era observado um clamor da escola por “socorro”, um movimento de encaminhar o problema para outro setor, pois quando um adolescente demonstrava um ato fora do esperado, este se tornava uma fonte de mal-estar na escola. Dessa forma, o adolescente e seu responsável eram convocados para se apresentarem na sede do conselho tutelar, onde um conselheiro tutelar entrevistava-os e posteriormente encaminhava-os para a equipe técnica. Esta era composta por uma assistente social e uma psicóloga, que através

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O Termo vulnerabilidade social foi desenvolvido em 2004, quando foi instituída a Política Nacional de Assistência Social (PNAS), que o expressa em seu texto em diferentes situações que podem acometer os sujeitos em seus contextos de vida, definindo mais explicitamente como situação de risco/vulnerabilidade social aquela em que sujeitos estão expostos a fatores que transgridam sua integridade física, psicológica ou moral, por omissão da família ou do Estado (Brasil, 1990).

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de entrevistas podiam observar e avaliar o infante, termo utilizado pela instituição, quanto às possíveis justificativas para os atos infracionais que causavam os conflitos escolares. Sendo assim, geralmente chegava uma demanda feita de forma fragmentada e referida individualmente ao adolescente, que dificultava a inclusão da família e da escola em relação aos conflitos e queixas apresentadas.

Nesse contexto, recebíamos os adolescentes quando eles eram encaminhados ou convocados junto com seus responsáveis na sede do conselho tutelar com o intuito de relatarem o motivo do encaminhamento, fosse ele da esfera familiar, social, econômica, educacional ou psicológica. Além disso, alguns adolescentes eram encaminhados, mas seus respectivos responsáveis não sabiam informar sobre o motivo de serem notificados, questionando o porquê de estarem ali. Era realizada uma entrevista pelo conselheiro tutelar responsável pelo caso e posteriormente o adolescente era encaminhado para o psicólogo, quando era elaborada uma avaliação psicológica com o intuito de entender os conflitos e realizar um poss vel encaminhamento para a rede R S (PAIF)2

, CREAS3, CAPSi4, NAPEM5, PBF6, e outros.

Com isso, visávamos à possibilidade de auxiliar para que este adolescente vislumbrasse seus direitos, pois de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990): “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito(...)”. O ECA (1990) é fruto da responsabilização do Estado e foi criado visando à defesa dos direitos específicos desta população, por considerá-la indefesa e em formação. Neste documento encontramos o reconhecimento e a afirmação de que a família é fundamental durante o crescimento e a formação da criança e do adolescente.

Entretanto, parecia que não ficava clara qual seria exatamente a atuação do conselho junto a estes casos. Encaminhar o adolescente à saúde mental e a família ao CRAS? Encaminhar o caso a outras instâncias jurídicas? Mediar os conflitos entre família e escola? Prestar uma assessoria jurídica à escola? Qual a real

2

Centro de Referência de Assistência Social (Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família).

3

Centro de Referência Especializado de Assistência Social.

4

Centro de Atenção Psicossocial infanto-juvenil.

5

Núcleo de Atendimento Psicopedagógico da Educação Municipal.

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atuação do psicólogo como parte da equipe técnica: apenas uma avaliação psicológica a ser produzida? Como pensar e elaborar formas de escapar dos meros encaminhamentos? Como intervir no diálogo fragilizado entre escola e o CT? E, sobretudo, como pensar e apontar a importância de promover e sustentar espaços de fala e coletivização da experiência destes profissionais envolvidos, resgatando o saber de sua experiência? Essas questões se tornaram centrais na pesquisa, se vinculando também a uma problemática mais ampla a respeito dos conflitos e das violências no cenário escolar. Notávamos que, dependendo do modo como tal problemática era abordada, a intervenção sobre ela variava imensamente.

Dessa forma, a partir da entrevista psicológica realizada pela equipe técnica poderia se vislumbrar para qual equipamento de proteção e garantia de direitos o adolescente poderia ser encaminhado, ou seja, se o caso situava-se no âmbito da saúde mental era encaminhado para o CAPSi; da escola, para o NAPEM/CRAS; ou da justiça, para o MP/FÓRUM/Delegacia. Com isso os encaminhamentos deveriam ser observados e estudados com cautela para não conduzirmos um caso sem um olhar sensível para sua real demanda, com a tentativa de não realizar uma reprodução do sistema burocrático dos encaminhamentos, pois cada caso e seus direcionamentos seriam inteiramente diferentes quando se compreendia a real necessidade destes. Em alguns momentos, ocorria um diálogo conflituoso entre a escola e o conselho tutelar, quando a escola afirmava que esses adolescentes não apresentavam problemas vinculados à área escolar, mas, sim, questões voltadas para o aspecto social, familiar ou econômico, algo que era negligenciado em alguns momentos pelo olhar escolar.

Ao se deparar com o diferente, com o inesperado dentro da configuração pedagógica, a ação da escola era de encaminhar esses adolescentes com a proposta de lidar com o ato infracional ou um comportamento conflitante através de uma medida judicial ou até mesmo através de uma avaliação psicológica na tentativa de lançar para outra instituição questões relacionadas à esfera emocional, social, cultural ou pessoal do adolescente, pois, em alguns casos, para a escola tais esferas fugiam da ordem pedagógica. Nesse sentido, parecia-nos que vigorava em muitas instituições educativas, que encaminhavam casos para o CT, uma formulação que tende ao adestramento, visando à adaptação do aluno a qualquer preço, através do conhecimento do que deveria ser feito ou não. Segundo o discurso dos educadores e de alguns da equipe pedagógica, os jovens encaminhados eram

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“casos conflituosos” e precisavam de uma intervenção fora do contexto escolar, pois para eles não caberia à escola direcionar e ouvir esses causadores de mal-estar. Dentro desse contexto, supomos que as demandas de encaminhamento que chegavam ao conselho tutelar por parte da escola eram entendidas de forma individualizada e isolada dos contextos nos quais os adolescentes estavam inseridos. Ao entrar em cena questões que envolviam a vulnerabilidade social e familiar, a escola se sentia desamparada para trabalhar com o que identificava não pertencer ao campo pedagógico (ROSA; VICENTIN, 2010). Com relação a isso, se observava um processo de crescente intervenção do Estado e do saber médico sobre as famílias pobres, solicitando um laudo/parecer, fazendo ascender à família burguesa enquanto ideal, sendo essa uma importante ferramenta de disseminação de seus princípios no que tange o social, e colocando à margem outras configurações familiares que não correspondiam a esse modelo, legitimando extensa intervenção do Estado sobre as camadas mais pobres (COSTA, 1979; COSTA, 1998; RIZZINI, 2000).

Sendo assim, a cultura da medicalização, dos laudos e dos “especialismos”, que tem se disseminado de modo geral, chegava também à escola e contribuía para aumentar ainda mais esse sentimento (COUTINHO, 2018) de desamparo, ao lidar com o adolescente cujos atos transbordavam os saberes de teor exclusivamente pedagógico. Dessa forma, a escola lidava com este adolescente de forma fragmentada, através dos encaminhamentos e entendimentos dos problemas apresentados a partir de laudos médicos e psiquiátricos, bem como de avaliações feitas pela justiça e instituições de assistência social. Os encaminhamentos da escola para o conselho tutelar eram realizados através de notificações ou pareceres solicitando que o adolescente fosse assistido por este órgão de proteção à criança e ao adolescente e destinado para a rede de apoio (CREAS, CRAS, CAPSi, NAPEM e outros), caso necessário.

Nesse contexto, é inquietante o quanto a via da criminalização e/ou da medicalização vem sendo muitas vezes a única maneira de ler esses atos perturbadores da ordem escolar (ROSA; VICENTIN, 2010), em que o sujeito é visto como possível transgressor ou rebelde, causando desordem. Dessa forma, não se abriam espaços para a escuta do que pode estar cifrado acerca da posição do sujeito no laço social, uma vez que é somente ao escutar os adolescentes que lhes

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é concedida a possibilidade de se situarem e se responsabilizarem por seus atravessamentos e percursos.

Nesse sentido nos deparamos com algumas problemáticas que apontaram novas possibilidades de investigação no campo e deram norte para construir uma proposta de pesquisa de mestrado. De partida, percebemos também uma conservação da cultura de institucionalização, em grande parte das famílias pobres, que marcou as diretrizes jurídicas que antecederam o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Nesse contexto, era possível vislumbrar que essa dinâmica ainda guardava relação com discursos estigmatizantes em torno dessas famílias em vulnerabilidade social, que por sua vez se apresentavam nos adolescentes pertencentes e matriculados na escola em que o trabalho de campo foi desenvolvido.

Dessa forma, esta dissertação buscou alargar a compreensão do mal-estar instalado entre a escola e o conselho tutelar diante dos adolescentes que não respondem da forma esperada às demandas sociais manifestas na esfera escolar. Na contramão de propostas universalizantes, que visam à adaptação e ao condicionamento de comportamentos em relação a uma norma, propõe-se aqui operar uma escuta a fim de verificar a que e a quem esses atos cometidos dentro da escola estão respondendo, o que poderia modificar o olhar sobre a atuação do psicólogo no conselho tutelar e sobre as práticas desta instituição, através do desdobramento e da articulação de conceitos da psicanálise sobre a adolescência, com as questões relativas à marginalização e à violência no laço social atual. Assim a pesquisa foi construída para abordar de outra forma a problemática que surgiu a partir das demandas que se apresentavam para o conselho tutelar de Itaboraí pela instituição escolar, nas quais os adolescentes eram descritos como os “causadores” ou “responsáveis” por conflitos e desordem no âmbito escolar. Privilegiamos a escuta visando elucidar e pensar coletivamente sobre tal problemática, e, sobretudo, sobre a atuação do psicólogo diante das demandas apresentadas pelos órgãos de proteção.

Partindo do pressuposto freudiano (FREUD [1930] 1996) de que o mal-estar é inerente às relações sociais, o mal-estar na escola, como tem sido apontado por diversos autores (CARNEIRO; COUTINHO, 2018; VOLTOLINI, 2014), deve ser buscado no entrelaçamento dos diversos discursos que constituem as práticas e os

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laços sociais no cotidiano escolar. Assim, a discussão sobre as questões dos entraves na escolarização possibilita uma “reflexão acerca de novas formas de lidar com os impasses sociais, já que, apesar de reconhecermos o mal-estar como inerente à vida na civilização (FREUD, [1930] 1996), pensamos que podem ser dados destinos produtivos a ele” (CARNEIRO; COUTINHO, p. 2-3, 2018). Ampliando nosso olhar para o escopo dos encaminhamentos que têm sido dirigidos da escola para o CT, podemos pensar sobre isso como um destino recorrente que tem sido dado ao mal-estar escolar, e assim buscar construir, através da escuta e do diálogo, diferentes modos de expressão e encaminhamento a tal mal-estar.

Foi com essa premissa que delineamos as questões iniciais da pesquisa de mestrado, mas que foram se transformando ao longo do processo de inserção no conselho tutelar. Nossa proposta inicial foi de analisar e discutir possíveis contribuições da psicanálise ao trabalho na escuta dos adolescentes encaminhados para este órgão de proteção, a partir da aposta em dispositivos de intervenção que permitissem promover reflexões quanto ao lugar do adolescente enquanto sujeito que se forja nas relações com as diversas esferas sociais como a escola, a família e os discursos médico, jurídico e econômico.

A partir desses questionamentos iniciais, intrigava-me o pouco questionamento da escola sobre o contexto daqueles adolescentes encaminhados para o órgão de proteção CT, sobre a possível falta de escuta do sujeito no aluno, visto quase sempre como delinquente, onde em alguns casos, CT e escola não se indagavam sobre o que poderia ser feito ali, se eram incapazes de acolher/ouvir para além da pura burocracia. Em virtude disso, como profissional psi do conselho tutelar, me propus a pensar como sensibilizar os profissionais envolvidos com o conselho tutelar e com a escola, para uma escuta dos encaminhamentos, levando em conta as relações e os contextos, o que passou por tentar promover a escuta do adolescente em sua condição de sujeito que possuía suas peculiaridades, para além dos encaminhamentos. Mas, ao privilegiar, em primeiro lugar, a escuta do adolescente, nos deparamos com os impasses, às burocracias e os mal-estares que se instalavam no diálogo fragmentado entre a escola e o conselho tutelar. E assim surgiu a questão mais importante da presente pesquisa de mestrado: como o trabalho do psicólogo no CT, para além de se deparar com os impasses no laço social que atingem particularmente os adolescentes, pode abarcar também a escuta e a intervenção sobre o mal-estar na relação entre escola e conselho tutelar?

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Dito isso, nessa dissertação pretendemos discutir as demandas apresentadas ao CT pela escola, assim como a atuação do psicólogo que pertence a esse órgão na interface entre ambas as instituições. A pesquisa será feita através de um estudo teórico visando reconhecer a produção teórica acerca do trabalho do psicólogo no conselho tutelar entremeado de algumas contribuições da psicanálise sobre a adolescência, bem como de uma pesquisa-intervenção sobre o mal-estar que se apresenta no cenário escolar em relação aos casos encaminhados ao CT, visando poder ser nomeado e manejado de outras formas, buscando assim também possibilitar um diálogo para além dos meros encaminhamentos de forma burocrática e unilateral.

Assim, partindo-se da fratura no diálogo entre a escola e o conselho tutelar, visou-se pensar e intervir sobre as instituições e os discursos que os atravessam e seus desdobramentos. A pesquisa de campo foi realizada sob o modelo da pesquisa-intervenção (CASTRO; BESSET, 2004) inspirada nos princípios teórico clínicos da psicanálise e se deu a partir de conversas da psicóloga do CT com os adolescentes encaminhados pela escola, seus responsáveis e a equipe pedagógica da escola, após as quais era elaborado um diário de experiências (GURSKI, 2017). A pesquisa-intervenção visou escutar adolescentes, seus responsáveis e uma parte da equipe pedagógica com o intuito de fazer com que o mal-estar que envolve todos esses diferentes atores possa ser nomeado de outras formas para além de encaminhamentos para o conselho tutelar, buscando assim também possibilitar um diálogo melhor desta instituição com a escola ao receber tais demandas. Portanto, os estudos teóricos, as escutas e diários de experiência que compuseram esta pesquisa se constituíram em instrumentos metodológicos, juntamente com a configuração de um espaço de circulação da palavra e de construção/transmissão da experiência por parte dos sujeitos participantes da pesquisa.

Seguindo a questão de pesquisa desta dissertação, após esta introdução, o primeiro cap tulo intitulado “Leis, Diretrizes e mapeamentos” irá se dedicar a um mapeamento referente às leis e diretrizes que embasaram a relação entre a escola e o conselho tutelar e o cumprimento das leis, pensando em uma maneira de refletir sobre os direcionamentos que são produzidos através dos encaminhamentos e diálogos previstos entre as duas instituições.

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O segundo cap tulo, “ adolescência e o campo jur dico: desafios e tensões das demandas ao conselho tutelar” terá como propósito discutir algumas articulações entre a adolescência e o campo jurídico, pensando nos desafios e tensões das demandas ao conselho tutelar, assim como uma reflexão sobre as possíveis práticas e formas de controle da justiça em relação às famílias. Além disso, evocamos uma reflexão sobre a questão da criminalização e medicalização

na adolescência.

O terceiro cap tulo, “Da disciplina à palavra: o trabalho do psicólogo com adolescentes no conselho tutelar” será dedicado aos desdobramentos referentes ao trabalho do psicólogo com os adolescentes no conselho tutelar, pensando nos entraves e diálogo fragmentado que ocorrem entre este órgão de proteção e a escola, assim como o papel do psi diante dos discursos sociais sobre a adolescência.

O quarto cap tulo, “Metodologia, trabalho de campo e diários de experiência”, será dedicado à metodologia e à apresentação do trabalho de campo, assim como das demandas que foram surgindo no decorrer da construção desta dissertação e dos questionamentos que fizeram parte da descrição dessa trajetória. Na discussão do material de campo, teremos como eixo central os diários de experiência, nos quais, a partir das escutas/entrevistas realizadas com os adolescentes e com a equipe pedagógica, foram registradas as experiências vividas, os percursos e atravessamentos através de um registro realizado com sentimentos e delicadeza. Este diário é um compilado feito pela pesquisadora acerca de suas vivências, encontros e desencontros durante todo o percurso da pesquisa. Consiste em um dispositivo teórico-metodológico construído a partir da psicanálise em diálogo com o conceito de experiência de Walter Benjamin (GURSKI, 2017).

Desse modo, traremos recortes de alguns casos e, sobretudo, os acontecimentos vividos durante toda a trajetória desta dissertação de mestrado. Cada caso nos conduzirá para possíveis reflexões e teorizações, traçando um fio condutor que possibilite evocar o que foi vivido e as possíveis construções teóricas e seus desdobramentos. É importante ressaltar que nestes recortes são apresentados relatos dos entrevistados, entretanto não é feita menção a nomes para garantir o sigilo dos mesmos. Como não poderia ser diferente, se nos disponibilizamos a discutir essas pontuações apresentadas, pelo viés da psicanálise, é porque convocamos o que é inédito e inesperado quando se oferece não apenas um espaço

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de fala, mas também uma escuta. Por este caminho, as questões, conflitos e entraves que se apresentaram na fala dos participantes desta pesquisa contribuíram para a condução a outros encadeamentos possíveis, para além da mera burocracia aos quais nos dedicaremos a transmitir ao longo do presente texto.

Cabe ressaltar ainda que esta dissertação está vinculada ao projeto Infância, Adolescência e Mal-Estar na Escolarização, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa através do parecer nº(28671414.1.0000.5243), no dia 08/08/2014.

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1. LEIS, DIRETRIZES E MAPEAMENTOS

1.1 A FUNÇÃO DO CONSELHO TUTELAR JUNTO À EDUCAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS

[...] se toda pessoa tem direito à educação, é evidente que os pais também possuem o direito de serem, senão educados, ao menos, informados no tocante à melhor educação a ser proporcionada a seus filhos. (PIAGET, 2007, p. 50)

A constituição do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1988 representou um marco importante no que diz respeito à educação de crianças e adolescentes no Brasil, trazendo consequências enormes tanto na esfera das relações familiares quanto no âmbito da escola e das políticas públicas que dizem respeito ao tratamento dado a essa população. O estatuto destaca a importância da relação família-escola para o pleno desenvolvimento da criança e do adolescente. Faz-se necessário, para iniciar nosso trabalho, pensar sobre de que forma a participação dessas instituições é amparada pelas leis e diretrizes que vislumbram a proteção e o zelo aos direitos das crianças e dos adolescentes.

Em um primeiro momento, devemos ressaltar que o ECA foi sancionado no Brasil, em 13 de julho de 1990, pela Lei nº 8.069, a qual se baseia na proteção integral das crianças e dos adolescentes, “garantindo-lhes o direito a proteção à vida e à saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio, harmonioso e em condições dignas de existência” (FONSE et al., 2013, p. 260). O princípio da proteção integral está expresso no art. 1º, da Lei 8.069/90, que estabelece a proteção integral à criança e ao adolescente. Conforme afirma Nucci (2015) tal princípio faz parte do âmbito da tutela jurídica da criança e do adolescente. É importante observar, inclusive, que este princípio encontra respaldo na Constituição Federal, em seu artigo 227, que prescreve:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (Artigo 227).

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Dessa forma, a Constituição Federal faz alusão à importância da educação confirmando que a mesma é direito de todos(as) e que a família também faz parte desse processo de desenvolvimento educacional e social. Em vista disso, a Constituição Federal ratifica o Estatuto da Criança e do Adolescente em virtude de convocar para a educação o Estado e a família a estarem atentos aos direitos que cercam as crianças e os adolescentes.

O ECA (1990) está diretamente relacionado à aplicação das chamadas medidas de proteção à criança e ao adolescente, sempre que os direitos reconhecidos em Lei forem ameaçados ou violados por ação ou omissão da sociedade ou do Estado, por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável ou em razão de sua própria conduta (ECA, Art. 98), inclusive nos casos de ato infracional praticado por criança abaixo de 12 anos (ECA, Art. 105).

Recorrendo a estudos que têm mostrado que a participação efetiva dos pais é de extrema importância para o bom desenvolvimento escolar e social das crianças e dos adolescentes, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo 4º, postula que: “É dever da fam lia, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público” (p. 7) assegurar os direitos das crianças e dos adolescentes. Dessa forma, o dever da família com o processo de escolaridade e a importância de sua presença no contexto escolar também é reconhecida na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que em seu artigo 1º traz a seguinte pontuação: “ educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho [...] nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil [...]” (BR SIL, 1996). pesar da legislação ser transparente e clara, fornecendo todo o embasamento legal no que tange à inclusão familiar no desenvolvimento escolar, isso não tem sido suficiente para superar esse grande desafio no sistema educacional de crianças e adolescentes, sendo uma das questões cruciais para a reflexão da educação das sociedades contemporâneas (NOGUEIRA, 2002).

Em relação à legislação e à atuação do ECA, entra em funcionamento o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), que responde pela integração dos representantes sociais e governamentais a favor da execução do ECA (FONSECA et al., 2013). No que tange ao Conanda, este tem o papel de implementar conselhos em estados e municípios, estabelecendo, então, o Conselho Municipal de Direitos da Criança e do adolescente (CMDCA). Estes são

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órgãos deliberativos e paritários, responsáveis pela definição da política de atendimento e controle do orçamento da criança, em conexão com todas as políticas (FONSECA et al., 2013).

Outro ponto importante para ressaltarmos é o Sistema de Garantia de Direitos no munic pio, sendo ele o conjunto de órgãos e serviços que, juntos, “proporcionam as condições de desenvolvimento adequado na infância pela garantia do atendimento das necessidades essenciais e dos mecanismos de exigibilidade dos direitos que sustentam a cidadania” (FRIZZO, S RRIER , 2005, p. 187). Este sistema é formado pelo conselho tutelar, Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente, Fundo para Infância e Adolescência, Juizados da Infância e Juventude, Promotoria Pública e órgãos públicos e entidades de atendimento que executam programas e/ou serviços à população em geral.

Quadro 1. Rede de Apoio Social na Infância (QUESADA, 1993)

Sendo assim, por meio de políticas públicas de qualidade e fiscalizadoras são garantidas as condições para o desenvolvimento sadio, enquanto as medidas de proteção especial sinalizam medidas compensatórias, que devem ser acionadas quando as políticas públicas forem insuficientes para promover o desenvolvimento adequado, e são executadas por entidades ou programas (FRIZZO, SARRIERA, 2005, p. 187).

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Nesse contexto de garantia e proteção, no que se refere aos direitos das crianças e dos adolescentes, o ECA informa que o conselho tutelar previsto no art. 131, da Lei nº. 8.069, “é um órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente” (p. 47). pesar do conselho tutelar ser um órgão autônomo, sua atuação é fiscalizada pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), pela autoridade judiciária, pelo ministério público (MP) e pelas entidades que trabalham com o segmento infantojuvenil (LONGO, 2009). Para esclarecer melhor sobre as caraterísticas legais em relação ao exercício do conselho tutelar evocamos o que Longo (2009) apresenta

O fato do CT ser um órgão não-jurisdicional significa que o conselho não pode exercer o papel e as funções do Poder Judiciário. Ele não pode fazer cumprir determinações legais ou punir quem as infrinja. No entanto, conforme artigo 136 do ECA , o CT pode encaminhar ao MP denúncia sobre infração administrativa ou penal contra os direitos da criança e do adolescente. Pode também, pelo artigo 95, fiscalizar as entidades de atendimento e iniciar procedimentos para apuração de irregularidades através de representações (Artigo 191) e apuração de infrações administrativas (Artigo 194).

Novamente, nos deparamos com a importância da existência das leis, pois as mesmas são ferramentas para cobrança de seus enunciados. Entretanto, é na organização e na fiscalização que os direitos serão vislumbrados. Somente o cumprimento burocrático da lei, com a criação do órgão CT, não demonstrará garantia à efetivação dos direitos. Portanto, “há a necessidade de engajamento político e de uma ação orgânica do grupo dos conselheiros tutelares, junto aos trabalhadores, para que haja o enfrentamento ao modelo excludente de sociedade que ainda resiste na implantação de políticas públicas de caráter universal” (LONGO, 2009, p. 05).

A partir das leis que amparam os Conselhos Tutelares, estes podem exercer o papel de zelar para que as medidas de proteção, apoio e orientação às crianças e aos adolescentes sejam cumpridas. Este órgão atua no âmbito do município, tendo a função específica de atender cada caso de maus-tratos, violência sexual, exploração do trabalho infantil, abandono ou quaisquer outras formas de violência cometidas contra as crianças e os adolescentes (SOUZA; TEXEIXA; SILVA apud FONSECA et al., 2013). Esse órgão deve garantir o completo estado de bem-estar físico, mental e social, devendo acionar o serviço de saúde quando tais condições não forem

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ofertadas, assim como encaminhamentos para a rede quando for necessário. O conselho tutelar está inserido em uma relação próxima da comunidade da qual faz parte, pois, diferentemente de outras instituições, tem uma base territorial fixa e uma atuação delimitada a ela, seja o Município ou uma região dentro dele (FRIZZO; SARRIERA, 2006). Pensando também sobre as atribuições do conselho tutelar que estão dispostas no artigo 136, do ECA, destaca-se o atendimento e aconselhamento de pais/responsável pelas crianças e adolescentes, “requerimento de serviços públicos na saúde, educação, previdência, trabalho, segurança e serviço social e encaminhamento ao ministério público de notificações que constituam infração administrativa ou penal contra os direitos garantidos aos adolescentes e crianças” (ECA).

De acordo com Eduardo e Egry (2010), a grande referência das instituições quando indagadas pelo ECA com o intuito de vislumbrar e cumprir os direitos da criança e do adolescente é o conselho tutelar, e este aparece como “refúgio” em muitas situações de dificuldade em lidar com: a evasão escolar, a violência, a não aderência aos programas e redes de apoio, o envolvimento em ocorrência de ato infracional, o uso de drogas, vulnerabilidade social e outras. É a partir dessa referência em relação às atribuições do CT que a escola o convoca e, em alguns casos, o notifica para comparecer na cena escolar, quando frequentemente surgem situações que extrapolam a esfera escolar, segundo seus pareceres e notificações ao conselho tutelar (EGRY, 2010). Cabe pontuar que uma das principais atuações do CT concerne à garantia de vagas na escola, sendo essa uma dificuldade recorrente enfrentada pelos conselheiros. Ainda que o ECA estabeleça que todas as crianças tenham direito à educação, os conselheiros tutelares constatam uma incoerência entre o estatuto e a realidade, indicando desencontros entre os níveis administrativos da Secretaria de Educação e a garantia de direitos estabelecidos pelo ECA (FONSECA et al., 2013). Além disso, o espaço de mediação que o conselheiro ocupa entre família e escola demanda um posicionamento delicado perante conflitos que emergem dentro dessa relação, em que constantemente a família já foi encaminhada de um equipamento para o outro, mas sem as devidas orientações, pois a família, muitas vezes, chega ao CT relatando suas frustrações e raiva em virtude de informações fragmentadas e falta de acolhimento dos profissionais dos equipamentos.

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No que concerne aos direcionamentos da escola para o CT, estudos mostram (MINNICELLI; BALLARIN; LAMPUGNANI, 2019) que o fortalecimento dos vínculos de aproximação entre a escola e a família é de grande importância, pois estes dois ambientes socializadores e educacionais, quando em conjunto, almejam uma parceria que crie uma atmosfera favorável ao desenvolvimento e aprendizagem das crianças e dos adolescentes (MARCHESI, 2004). Nesse contexto, muitas vezes o conselho tutelar é solicitado e convocado para uma possível mediação entre a família e a escola, quando entram em cena questões socioeconômicas que não são compreendidas pela escola como aspectos a serem observados e orientados por ela.

Outro dispositivo que complementa e ratifica o dever da família com o processo de escolaridade e a importância e sua participação no contexto escolar é a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que traz em seu artigo 1º:

A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. (BRASIL, 1996)

Em relação aos processos formativos Marchesi (2004) nos mostra que a educação não é uma esfera a ser trabalhada de forma isolada, pelo contrário, esta, sem a cooperação das instituições, órgãos de proteção, leis/diretrizes e a família, não consegue desenvolver suas potencialidades. Contribuindo para esse pensamento, Reis (2007) acrescenta que, quando se leva em consideração que a educação está entrelaçada com os diversos contextos das crianças/adolescentes e quando cada esfera está engajada e compreende sua função e potencialidade, isso tende a favorecer o desempenho escolar. Quando a família e a escola buscam formas de atingir os mesmos objetivos e “comungar os mesmos ideais”, entra em cena a função de conjunto no processo de desenvolvimento dos sujeitos, permitindo-nos discutir, informar e orientar através de um novo olhar sobre as dificuldades e conflitos que podem emergir.

Entretanto, não é isso que tem predominado no campo da educação de crianças e adolescentes hoje. Um esclarecimento importante para entendermos a situação desenvolvida nesta dissertação foi a presença constante dos encaminhamentos das escolas para o T, em virtude de “conflitos, agressividades e

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falta de interesse no teor pedagógico”. Gurski e Strzykalski (2018) lançam caminhos que nos levam a pensar que “dentre as marcas que revelam as nuances do mal-estar contemporâneo [...] situamos os inúmeros casos envolvendo o protagonismo juvenil em atos infracionais ou o uso de violência” (p. 74).

1.2 PONTO DE (DES)ENCONTROS: CUMPRIMENTO DA LEI OU MERA BUROCRACIA?

Dentre as referidas medidas que cabem ao conselho tutelar, este órgão de proteção recebe inúmeras notificações através de encaminhamentos queixosos relatando diversas modalidades de conflitos escolares envolvendo adolescentes e suas famílias, tais como alto índice de faltas de alunos e pais quando solicitados a comparecer na escola, agressividade, falta de respeito aos colegas e profissionais envolvidos no âmbito escolar e outros. Mas, ao examinarmos delicadamente o real contexto da demanda, observamos o que não aparece no discurso escolar, que são as dificuldades de entender e trabalhar com os problemas reais de famílias em condições muito difíceis encadeadas pela vulnerabilidade social (ZAMORA, 2016). Um breve recorte de um caso encaminhado para o CT nos ajuda na elucidação sobre as questões apontadas, respeitando o compromisso do devido sigilo. Trata-se de um adolescente encaminhado pela escola ao CT com a notificação de baixo rendimento escolar, infrequência, causador de desordem e suspeita de déficit de atenção. Este e seus responsáveis foram convocados para comparecerem na sede do equipamento7 através de uma notificação entregue pelo conselheiro tutelar responsável pelo caso em mãos. No dia solicitado o conselheiro buscou-os em casa, pois foi observada a dificuldade de acesso ao transporte público que a família tinha. Compareceram a avó materna e o adolescente, intitulado infante pelo equipamento, pontuando suas queixas e desafios. Tratava-se de uma família em vulnerabilidade social, com muitas dificuldades de locomoção, em que constantemente o adolescente precisava ajudar sua avó acompanhando-a nas consultas médicas, pois este residia com ela e mais dois irmãos menores. Ao serem questionados sobre os genitores ambos alegaram que o pai estava preso e a mãe

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havia falecido por estar “em um local” inapropriado. Na entrevista psicológica foi identificado que este adolescente não apresentava questões do teor cognitivo, mas sim relacionadas ao seu contexto social. Ele mesmo verbalizou que estava com dificuldades escolares em virtude do baixo empenho e falta de desejo de permanecer estudando, pois ao seu olhar, precisava “trabalhar” para ajudar no “sustento da casa”, já que a renda familiar era baseada no aux lio do Programa Bolsa Família no valor de R$ 189,00.

A partir desse recorte de caso, Zamora (2016) nos ajuda a pensar que frequentemente as famílias pobres, sendo a maior clientela do CT, seguem sendo julgadas por aquilo que “deveriam ser” e não compreendidas nas suas possibilidades reais de existência, gerando assim um mal-estar. Com isso, conforme a autora, quando são negligenciadas as esferas da vida, o contexto social do adolescente e o mesmo é observado apenas pelo ângulo de sua suposta “irregularidade, inadequação e violência” (p. 102), ele segue sendo visto como “causador da desordem”. Dessa forma, observamos que ao ocorrer um mal-estar na escola, tal como quando um adolescente apresenta um comportamento indesejado ou violento, logo é formulado um encaminhamento para o conselho tutelar. Por outro lado, muitas vezes, tais encaminhamentos não eram reconhecidos pelos conselheiros como questões a serem trabalhadas pelo CT, mas sim como questões a serem trabalhadas pela própria escola. Tomemos como exemplo outro caso onde um adolescente apresentava muitas faltas e agressividade na fala. Ele foi encaminhado para o CT na tentativa de localizar8 a família para compreender quais seriam os motivos das faltas. Ao serem convocados através de uma notificação realizada pelo CT, alegaram que não sabiam o motivo da convocação e que o adolescente não conseguia aprender com o mesmo “ritmo” que os colegas de classe e com isso havia perdido o interesse escolar. Tal pontuação foi vista pelo CT como algo que poderia ser conversado entre escola, aluno e familiares na tentativa de auxiliar o adolescente nessa dificuldade e não meramente através de um encaminhamento com o intuito de repassar o problema.

Cabe pontuar que a lei respalda a escola quando um aluno apresenta certa quantidade de faltas. Dessa forma, é elaborada a Ficha de Comunicação do Aluno

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Termo utilizado pelo CT para encontrar um adolescente e seus responsáveis para que se possa realizar uma notificação de comparecimento ao equipamento de proteção ao menor.

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Infrequente (FICAI)9 que visa garantir a permanência da criança e do adolescente na sala de aula através de parceria entre escola, conselho tutelar e ministério público. Estes dispositivos têm o intuito de atuar no combate à infrequência, que é o primeiro passo para o abandono e a evasão escolar. Para garantir a permanência da criança e do adolescente na escola, frequentando as aulas, a proposta do FICAI descreve que:

Com a finalidade de dar efetivo cumprimento ao que estabelecem os artigos 205 e 227 da Constituição Federal, o artigo 56 do Estatuto da Criança e do Adolescente, e os artigos 5º, §1º, III, e 12 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, visando à adoção de ações conjuntas e integradas tendentes a tornar efetivo o direito de permanência da criança e do adolescente na escola, firmam o presente compromisso, sem prejuízo da manutenção e desenvolvimento por parte das instituições acordantes de outras ações mais específicas ou abrangentes para assegurar às crianças e aos adolescentes o direito à educação (FICAI).

Também é importante compreendermos que de acordo com a lei, a infrequência é constatada através da ausência injustificada do aluno por dez dias consecutivos ou dez alternados, em que nesta última hipótese, quando tais faltas ocorrem dentro do bimestre letivo, deve ser imediatamente comunicada à direção da escola pelo professor/orientador através do preenchimento da FICAI (Art. 2º).

De acordo com este procedimento, é constituído na escola um grupo de “visitadores”10

para tentar localizar a criança/adolescente, sendo dado um prazo de uma semana em que a direção irá discutir com a equipe pedagógica na tentativa de buscar soluções “devendo ser registradas em ata as orientações a serem seguidas pelo grupo de visitadores” ( rt. 3º). Dando prosseguimento ao que é esperado pela lei, o artigo 4º ressalta que o grupo de visitadores deverá entrar em contato com os pais/responsáveis imediatamente, e “não sendo poss vel encontrar a fam lia dos alunos evadidos, a escola e o grupo de visitadores deverão informar-se junto aos vizinhos, procurando o endereço de amigos ou parentes e esgotando os recursos para encontrá-la”.

Posteriormente, segundo o artigo 5º esgotando “os recursos cab veis, e findando o prazo de uma semana de que trata o artigo anterior, não sendo localizado

9

A ficha de comunicação do aluno infrequente foi implantada através de articulações entre o ministério público, secretarias estadual e municipal de educação e conselhos tutelares. Hoje considerada um essencial instrumento de verificação e acompanhamento da frequência e do abandono escolar de crianças e adolescentes.

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Composto pela equipe técnica da escola - pedagogo e psicólogo - com o intuito de visitar/notificar os responsáveis dos alunos que apresentam faltas consecutivas.

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o aluno ou não voltando a frequentar a escola, a direção deverá encaminhar a 1ª e a 2ª vias da FIC I” com relatos dos procedimentos adotados, ao conselho tutelar e, “na sua inexistência, ao Promotor de Justiça da Infância e da Juventude da omarca, arquivando a 3ª via na escola”.

Através dessa elucidação, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional sobre as características e os destinos da FICAI, em alguns casos, encaminhada para o CT, observou-se que a mesma era elaborada com algumas lacunas, faltando até mesmo informações importantes sobre o aluno, assim como o endereço atualizado, nome completo e outras. Dessa forma, um mal-estar e conflitos se instalavam inicialmente entre escola e conselho tutelar quando a instituição escolar não buscava esgotar seus próprios recursos na tentativa de encontrar o aluno e seus respectivos responsáveis.

Notamos que em alguns desses encaminhamentos referidos pela escola ao conselho tutelar surgiam impasses e um reenvio constante do problema entre uma instituição e outra, de modo que nenhuma das duas se responsabilizava pela parte que lhe cabia. Esta situação nos remete à ideia de que, muitas vezes, a escola e o conselho tutelar se veem/se dizem impotentes frente aos diversos impasses que lhes são apresentados.

Acerca desta questão, podemos pensar a partir da psicanálise, como Zelmanovich (2014), que cada uma das instituições se via “impotente” diante do problema na medida em que não admitia a impossibilidade de resolvê-lo por inteiro. Neste cenário, então, ambas as instituições demonstravam permanecer no registro imaginário da impotência no que se refere à relação com a falta, sem dar lugar ao real e ao simbólico que estão presentes na dimensão do impossível. Essa impotência era apresentada em alguns momentos quando os agentes pedagógicos declaravam que não sabiam lidar com o que emergia fora de cena escolar, afirmando que não foram “preparados para isso”, “esta não é minha função”.

Nesse circuito do reenvio das impotências (ZELMANOVICH, 2014) entre escola e conselho tutelar, parece-nos que ambos apelam para o “burocrático”, de forma que se produzem meramente encaminhamentos balizados pelas leis/diretrizes com o intuito de repassar para outro setor o que lhes escapam como questões do teor de vulnerabilidade social, contexto familiar e outros.

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Em outros momentos, o desamparo entrava em cena ao tratar-se de problemáticas que dizem respeito à especificidade da equipe pedagógica de atuar junto a sujeitos expostos a situações sociais críticas, que impõe a complexidade de lidar com circunstâncias extremas de vulnerabilidade social e violência. Em relação a isso, Sato et al. (2017) evocam que,

Os profissionais, ao escutar esses apelos, muitas vezes se desesperam e se sentem igualmente desamparados e impotentes diante das demandas de soluções imediatas para questões históricas, de desigualdade social e do contexto político e social em que vivemos. (p. 493)

Essa dimensão da impossibilidade nos remete à reflexão de como acolher essa esfera da impotência que remete ao desamparo? Como suportar o mal-estar? Como intervir incluindo essa impossibilidade? Dessa forma, podemos pensar que o mal-estar entre escola e CT instala-se quando surge o que é apresentado por Zelmanovich (2014) denominado de “des-bôrdo”, na qual prima o “fora de cena (escolar): crianças que escapam, batem, insultam, se escondem” (p. 183).

No original “des-borde” e “desborde”. Na l ngua espanhola o sentido literal do termo é “sair das bordas, derramar”. O sentido utilizado no texto é figurado e traz a ideia de um “estar fora das bordas”, sendo as bordas, no contexto da questão, a cena, estar fora de cena. Traduzimos por des-bôrdo (e desbordo) e não transbordamento, que seria o mais usual em português, por ser desbôrdo o termo que mais se assemelha ao empregado no original. Com isso foi possível manter o artifício linguístico da autora que ao grafar a palavra desborde com hífen deu ênfase ao sentido de oposição ou valor contrário do prefixo des- em relação ao termo original borde/a, conservando assim o sentido de estar fora. (p. 183)

Diante disso, a autora apresenta que “estar fora das bordas” no contexto, traz a reflexão para algo que está “fora de cena”, em que crianças/adolescentes trazem para o âmbito escolar questões para além da esfera pedagógica, demonstrando suas peculiaridades e bagagem e que tais características podem transbordar o teor pedagógico.

Sendo assim, tendo em vista o “desbordo” e o “reenvio das impotências” (ZELMANOVICH, 2014), pensamos que seria interessante propor uma nova forma de parceria entre escola e CT, em que possa haver uma oportunidade de reflexão sobre os encaminhamentos realizados. om isso, escola e T poderiam pensar em uma estratégia mais eficaz com o intuito de fortalecer os v nculos entre adolescente, escola, fam lia e dispositivos que a rede pode disponibilizar R S, P IF e outros.

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2. A ADOLESCÊNCIA E O CAMPO JURÍDICO: DESAFIOS E TENSÕES NAS DEMANDAS AO CONSELHO TUTELAR

2.1 FAMÍLIA E CONSELHO TUTELAR: DEFESA DE DIREITOS OU PRÁTICAS DE CONTROLE?

A institucionalização de crianças e adolescentes no Brasil esteve sempre associada a discursos de cunho normativo, que atribuíam a eles próprios e às suas famílias pobres um estigma de ameaça à ordem social e de inaptidão no cuidado e orientação de seus filhos (BRANDÃO, 2016). Com isso, em relação a esse estigma, o termo “fam lias desestruturadas”11

está atrelado, em grande parte, à família pobre, e observamos que o maior objeto de controle do Estado está vinculado a esse público (MINNICELLI; BALLARIN; LAMPUGNANI, 2019). Observamos como essas representações foram se estabelecendo a partir de um processo crescente de intervenção do Estado sobre as famílias e as práticas de cuidado e educação. De um lado aparecia o núcleo burguês enquanto ideal, e do outro à margem outras configurações familiares que não correspondiam a esse modelo, levando assim a legitimação extensa da “intervenção do Estado sobre as camadas mais pobres” (ZAMORA, 2017).

Em relação a isso, os estudos de Nascimento (2002) e Nascimento, Cunha e Vicente (2008) pontuam questões semelhantes, ao atentar para condutas de “desqualificação da fam lia e criminalização da pobreza” presentes no âmbito da assistência social. categorização de “fam lia negligente” legitimaria a intervenção do Estado de acordo com os princípios da lei, uma vez que pune não a falta de condições materiais, mas sim o desrespeito aos direitos fundamentais da criança e do adolescente previstos pelo ECA (1990). A questão central que as autoras pontuam é que esse movimento consiste em individualizar a violência, centralizando-a ncentralizando-as “fcentralizando-am licentralizando-as pobres”, e desconsidercentralizando-ando que esscentralizando-a violêncicentralizando-a é dcentralizando-a mesmcentralizando-a ordem da que se inscreve na organização social e que priva muitas famílias do acesso aos seus direitos mais básicos, como saneamento básico, água encanada, luz, saúde, educação de qualidade e outros. Através desse olhar, evidenciam-se as complexas

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relações de poder que produzem efeitos diretos, que ainda comumente são velados/escondidos nas práticas sociais e nos discursos que lhe dão direcionamento (NASCIMENTO, 2002).

Pensando na aproximação com as famílias de classes populares, que frequentemente não são de uma tentativa de alargar o diálogo, mas sim de uma vigilância direta sobre estas, Zamora (2016) postula que a ideia de proteger o “menor” e, ambiguamente, de proteger a sociedade, “a institucionalização era uma forma de submetê-las à docilização para o mundo do trabalho e de conformidade a um lugar social subalterno” (p. 97). Os efeitos disso nessas fam lias, a maior clientela do conselho tutelar, seguem sendo julgá-las por aquilo “que deveriam ser e não compreendidas nas suas possibilidades reais de existência” (p. 102). Nos contextos institucionais/equipamentos (CRAS, CREAS e outros), era possível vislumbrar que essa dinâmica ainda guardava relação com discursos estigmatizantes em torno das famílias pobres, que por sua vez se apresentavam nas crianças/adolescentes que eram encaminhados pela escola ao CT, em que estes e seus respectivos responsáveis eram vistos, em alguns casos, como incapazes de viverem sem a judicialização (MINNICELLI; BALLARIN; LAMPUGNANI, 2019). Nos últimos anos, tem ganhado força no Brasil a crescente interferência do Estado regulando, através de leis e normas, os comportamentos das famílias e dos adultos no cuidado com o menor. Nessa perspectiva Lemos (2009) nos ajuda a pensar que os movimentos em busca da proteção e conservação da vida das crianças e dos adolescentes, ao mesmo tempo em que propiciaram “a queda da mortalidade infanto-juvenil e o surgimento de uma rede de estabelecimentos de cuidado” (p. 138), simultaneamente possibilitaram o aparecimento de um conjunto de saberes e uma possível estigmatização em especial em relação à família pobre.

No que consiste o processo denominado judicialização, Lemos (2009) evoca que um movimento relacionado à “invasão” do Poder Judiciário em todas as esferas de nossas existências em nome da defesa, proteção e garantia de direitos do menor, opera uma formação de dispositivo de segurança criando um paradoxo como o de proteção integral realizada pela inflação jurídica e, portanto, apenas por meio da intensificação da lei, das penas e medidas judiciais aplicadas a todos os acontecimentos que dizem respeito ao atendimento de crianças e adolescentes. Dessa forma, todo esse aparato permitiu a entrada do Estado de maneira cada vez mais intensa e massiva na vida das fam lias em “nome da defesa”, da garantia e da

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proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes (LEMOS, 2009).

Essa questão está ligada ao conselho tutelar, pois este órgão de proteção, conforme especificado no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), funciona como receptor de notificações de ameaças e violações dos direitos das crianças e dos adolescentes e, então, encaminhá-las para o ministério público. Apesar de ampliar a proteção em certos aspectos, em alguns casos o conselho tutelar aumenta e corrobora para a regulação e fiscalização da vida das crianças, dos adolescentes e de seus familiares (ZAMORA, 2016; BRANDÃO, 2016). Dessa maneira instala-se um paradoxo: amplia-se o cuidado por meio do paradigma da proteção integral, porém aumenta-se a normalização e o direcionamento ao Poder Judiciário, após serem realizadas as denúncias ao conselho tutelar.

Zamora (2016), partindo deste contexto, já adianta esse aspecto ao falar de como a emergência do setor social confirma a expansão de práticas de normalização na população mais pobre, enfraquecendo o poder familiar sobre as crianças:

Esses fatos ocorreram, com maior intensidade, no período seguinte à proposição do Código de Menores, de 1927, que teve uma revisão de 1979, em plena ditadura militar. Chamo aqui de menorismo, típico da lógica da doutrina da situação irregular, a forma de pensar, falar e atuar sobre crianças pobres, típicas desta lei e desta época. (p. 97)

Com a proposição do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n º 8.069, de 1990), outra lógica se colocou, a da proteção integral dirigida a toda e qualquer criança/ou adolescente. Contudo, ainda hoje, são dirigidos a essa população discursos e práticas que em pouco divergem do passado, pois o CT atende principalmente, em seu cotidiano, adolescentes de famílias pobres em vulnerabilidade social, e constantemente a ideia de proteção integral prevista por lei se torna um pilar de “culpabilização” para atos contraditórios à ordem esperada pela sociedade. Dessa forma, estes sujeitos e seus familiares são vinculados como causadores de desordem/delinquentes, pois são apresentados como “violência estrutural”, sendo negligenciados à ausência do direito de sobreviver com o “m nimo básico” (Z MOR , 2016).

Com efeito, desse processo tem-se arraigado a representação da família pobre como ambiente “nefasto e vicioso”, que poderia expor sua prole ao caminho da criminalidade e de ameaça à ordem pública (ZAMORA, 2016; BRANDÃO, 2016).

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