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3. IMPLICAÇÕES DO CÂNCER DE MAMA NA SUBJETIVIDADE FEMININA

3.4 O lugar do seio na psicanálise

Uma das primeiras referências encontradas sobre o seio na obra freudiana foi em um texto de 1892, chamado Um caso de cura pelo hipnotismo. Nele, Freud (1892/2006) relata o caso de uma jovem mulher que se tornara incapaz de amamentar seus filhos, e isso se repetiu com os três filhos que teve. Freud relata que, anteriormente a primeira gravidez, a mulher teve excesso de trabalho enquanto estudante e depressão. Toda sua impossibilidade de amamentar era acompanhada por problemas digestivos, vômitos, dificuldades para dormir e uma profunda depressão. Após algumas sessões de hipnose, a paciente conseguiu amamentar. Sobre este caso, Volich comenta:

Apesar de ter percebido a relação entre os problemas de amamentação, as experiências infantis de sua paciente com sua mãe no terreno da alimentação, as experiências infantis de sua paciente com sua mãe no terreno da alimentação, e a agressividade inconsciente dirigida contra esta, Freud analisa tais manifestações a partir de seu caráter sintomático. Ele considera como uma perturbação de uma função orgânica segundo modelo clássico das manifestações histéricas. Tendo tratado “com sucesso” sua paciente pela hipnose, não deu importância aos seios enquanto órgãos de expressão dos sintomas, nem à relação entre os problemas de amamentação e os problemas digestivos, os vômitos principalmente, e tampouco à depressão de sua paciente. (VOLICH, 1995, p.56)

Gradualmente, o seio surge nos escritos freudianos, principalmente como objeto “ da experiência primitiva de gratificação, através de sua função na satisfação da fome do bebê – uma de suas necessidades mais primordiais e urgentes. Uma experiência paradigmática, estruturante da experiência alucinatória e da erogenidade” pontua Volich (1995, p.56) e assim segue em outros textos, onde Freud enfatiza a relação entre o bebê e o seio.

Tal relação se estabelece no cerne das elaborações freudianas, o que leva a Freud a conceber:

[...] de forma rudimentar o estatuto das relações entre o sujeito e seus objetos de desejo, bem com o da prova de realidade, duas de suas mais importantes concepções. O seio, objeto originário da experiência de satisfação, é o protótipo do objeto perdido. A prova de realidade tem como objetivo a busca deste objeto, o que leva Freud a defender que toda descoberta de um objeto de satisfação nada mais é do que uma redescoberta. No final de sua vida, Freud considera a perda do seio materno como a vivência central que permite a distinção entre a identificação e o investimento do objeto. (VOLICH, 1995, p.57)

Outro apontamento de Volich (1995) é que a satisfação alcançada no seio materno, através da amamentação é a origem de todos os prazeres do sujeito. Entretanto, não é considerado sua função na dinâmica psíquica da mãe. Apesar de afirmar que a criança substitui um objeto sexual plenamente, não observa a função do seio enquanto instrumento primeiro de dominação materna sobre a criança, sobre isso Volich discorre:

Dar o seio e cuidar de seu filho são também modalidades do controle sobre seu objeto de desejo, bem como expressões doo poder materno. Mesmo se com o tempo Freud incluiu a representação do seio materno, na equação simbólica seio=fezes=pênis=bebê, ele nunca chegou a considerar o seio como órgão que pudesse representar a potência materna ou mesmo feminina. (VOLICH,1995, p.60)

Os seios são órgãos nos quais a função erógena e relacional é indiscutível, e estão muito vinculados com a imagem que a mulher tem de si: a auto-imagem feminina, real e fantasmática comenta Volich (1995). Isso não era desconhecido por Freud, já que em seu texto Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905), ele aponta o seio como sendo uma zona erógena. Todavia, na extensão de sua obra e particularmente, no que diz sobre a feminilidade “esta perspectiva fundamental foi quase sempre negligenciada” (VOLICH, 1995, p.57).

Freud expressou, em seus escritos, sua dificuldade ao escrever sobre a feminilidade, e sobre isso Volich sublinha:

[...]em diferentes momentos, qualificou-a (a mulher) de “pouco acessível”, “continente negro”, descrevendo também seis conhecimentos neste campo como “lacunares” ou “insuficientes”. Filho de sua época (também de seu gênero...), Freud se deixou levar muitas vezes por formulações controvertidas sobre a natureza e o desenvolvimento femininos, formulações que oscilam às vezes entre a ingenuidade, o preconceito, e mesmo a imprecisão. (VOLICH,1995, p. 57-58)

Portanto, é neste cenário que se coloca o silêncio de Freud no que tange o papel do seio na constituição da sexualidade e identidade feminina, destaca Volich (1995).

Se o seio tem toda essa importância no início e decorrer da vida psíquica do sujeito, por que nenhum (a) psicanalista deu ao seio um lugar de destaque em outras áreas da feminilidade, para além do aleitamento?

O seio aparece em nossas palavras, quando queremos dizer que é algo é o centro de alguma coisa - pode-se substituir ‘centro’ por ‘seio’. Aparece como destaque em algumas culturas, como por exemplo a americana, onde seios grandes são referenciais para a mulher. Aqui em nosso país também é possível destacar isso, pois embora nossa cultura aponte o quadril como referência, o número de mulheres que

fazem uso de silicone a fim de ressaltar os seios é crescente há muitas décadas. Outro ponto que é possível sublinhar, é que a mulher ao mudar sua posição sexual, tem como atitude primeira ocultar e ou retirar os seios.

Volich (1995), versa que as resoluções freudianas não apontaram os seios como um instrumento singular do exercício do desejo da mulher, eles não são ponderados “como uma fonte pulsional em busca de seus próprios objetos: uma boca, uma mão, um olhar”. Lanouzière apud VOLICH (1995, p. 62)

As observações do cotidiano, bem como a clínica psicanalítica, apontam que o não olhar de Freud para a função fantasmática dos seios na constituição feminina não se justifica, na medida em que, um prognóstico ruim (potencial ou real), as patologias mamarias e os riscos oncológicos da mama salientam em particular “a importância histórica, relacional, imaginária e libidinal destes órgãos no agenciamento das vivências das mulheres de sua feminilidade” VOLICH (1995, p. 63).

Uma pesquisa clínica voltada para analisar as repercussões da incidência das patologias mamárias, levou Volich (1995, p.56) a desenvolver um trabalho no qual observou as reações das mulheres frente “à patologia real da mama, ao risco oncológico subjacente à existência de uma incidência familiar da mesma, ou ainda ao fantasma de tais eventos”. Esses eventos são diferentes e característicos de qualquer risco que ameace a integridade corporal feminina, fomentam alterações marcantes nas dinâmicas relacionais e psíquicas da mulher. Acrescenta também, que “Toda ameaça à integridade dos seios é ameaça às referências identificatórias” (VOLICH, 1995, p.64)

Observou neste trabalho que, as patologias da mama e todos os riscos, são tidas como fator ameaçador a estadia na vida adulta, aparentando desse modo o perigo de regressar há um tempo onde foram privadas deste símbolo. Esses fantasmas surgem na mulher, geralmente, ao sentirem-se inseguras ou incapazes, gerando uma maior dependência as pessoas em sua volta, assinala Volich (1995).

Os efeitos das patologias mamarias também recaem sobre as representações ou experiências de maternidade. Estreitamente atribuída a idade da mulher, destaca o seio como um elemento fundamental na relação com os filhos, assim como as recordações atribuídas a tais experiências. Para aquelas que consideravam ainda

uma nova gestação, as ameaças reais ou potenciais aos seios, foram vividas como um risco à sua capacidade materna e, a manifestação deste fantasma se dava através do medo de não poderem amamentar os filhos que gostariam de ter.

As contribuições de Volich (1995), que ao sublinhar a singularidade dos seios, como alicerce real e fantasmático de uma parte fundamental da identidade feminina e de seu destino, demonstra que desde os primórdios da infância, as vivencias femininas são definitivamente distintas das masculinas. Considerar e compreender essas especifidades, é crucial para uma escuta sem preconceitos, tornando possível, especialmente, a compreensão dos conflitos e angústias ocasionados pelo câncer de mama, bem como as patologias mamarias.

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