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Aspectos subjetivos do câncer de mama feminino: uma leitura psicanalítica

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ

PATRICIA DUARTE DIETTERLE

ASPECTOS SUBJETIVOS DO CÂNCER DE MAMA FEMININO: UMA

LEITURA PSICANALÍTICA

Ijuí 2016

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PATRICIA DUARTE DIETTERLE

ASPECTOS SUBJETIVOS DO CÂNCER DE MAMA FEMININO: UMA

LEITURA PSICANALÍTICA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Psicologia da Universidade Regional Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ como requisito parcial a obtenção do título de Bacharel em Psicologia.

Orientador: Prof. Ms. Nilson Heidmann

Ijuí 2016

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UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul DHE – Departamento de Humanidades e Educação

A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova o Trabalho de Conclusão de Curso

ASPECTOS SUBJETIVOS DO CÂNCER DE MAMA FEMININO: UMA

LEITURA PSICANALÍTICA

Elaborado por

PATRICIA DUARTE DIETTERLE

Como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Psicologia Comissão examinadora

Prof. Ms. Nilson Heidmann (Orientador) – DHE/UNIJUÍ

Prof. Ms. Daniel Ruwer – DHE/UNIJUÍ

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Dedico este trabalho à Deus pelo amparo e aos meus pais, Antonio e Maria, com todo meu amor e gratidão, por tudo que fizeram por mim ao longo de minha existência. Espero ter sido merecedora de todo esforço dedicado por vocês em todos os aspectos, especialmente no que tange minha educação.

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AGRADECIMENTOS

A todos os professores do curso de psicologia da Unijuí, pelas aulas que tanto contribuíram para a minha formação enquanto psicóloga, em especial ao professor Daniel Ruwer, que sempre se disponibilizou a me orientar não somente em suas aulas, mas também nos intervalos. Graças à clareza de suas explicações, este trabalho, amparado pela ótica psicanalítica, tornou-se possível.

A meu orientador Nilson Heidemann, pelo acolhimento, pelas orientações sempre muito enriquecedoras, pela calma e confiança transmitidas.

A meu supervisor de estágio no Hospital de Caridade de Ijuí, Tiago Marchesan Pozzatti, pela vivência proporcionada e incentivo na escrita deste trabalho.

Às amigas que a graduação de psicologia me deu de presente: Maria Dalva Monte, Mirian Primon, Pamelly Figueiró, Patrícia Soares e Thatiane Leal pelos debates e aprendizado que fizeram-me contemplar questões para além da graduação, além de todo incentivo e apoio.

Às minhas psicólogas: Andrea Guerra (in memoriam) e Kenia Spolti Freire, pelo profissionalismo, apoio e acolhimento.

A meu cão Toad, pelo companheirismo e momentos de descontração.

Aos meus irmãos de alma Américo Cerqueira e Fernanda Lima, por todo amor e apoio. A meu marido Daniel Dietterle, pelo olhar de admiração que sempre me impulsionou; pelo amor, dedicação e paciência sempre presentes e tão necessários.

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RESUMO

O presente trabalho reflete sobre as mais diversas interferências que o câncer de mama tem sobre a subjetividade feminina. A escolha deste tema se deu justamente por querer identificar essas intercorrências subjetivas que a mulher sofre na busca por sobreviver a essa doença tão devastadora. Após o entendimento do que é a patologia e como se dá o adoecer, há um recorte histórico que revela o desenrolar do sofrimento das mulheres acometidas por essa neoplasia maligna. Verificou-se que não é somente o corpo orgânico que sofre os efeitos avassaladores da doença em questão, mas também toda subjetividade da mulher é ferida, a imagem que ela tem de si é afetada. Sublinhou-se a visão parcial que a psicanálise tem do seio, que está para além de nutridor, visto que é também um dos referenciais da identidade feminina. Seguindo o método de trabalho qualitativo, o estudo se deu através de uma revisão da literatura sobre o tema, alicerçado pela orientação psicanalítica, a partir da qual é possível considerar possibilidades de restauração para essa ferida que o câncer deixa na subjetividade feminina.

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ABSTRACT

The present work reflects on the most diverse interferences that breast cancer has on female subjectivity. The choice of this theme was precisely because of want to identify these subjective intercurrences that the woman suffers in the quest to survive this devastating disease. After the understanding of what the pathology is and how it becomes ill, there is a historical cut that reveals the unfolding of the suffering of the women affected by this malignant neoplasm. It has been found that it is not only the organic body that suffers the overwhelming effects of the disease in question, but also all subjectivity of the woman is hurt, the image she has of herself is affected. Underlined the partial view that psychoanalysis has of the breast, which is beyond nourisher, since it is also one of the references of feminine identity. Following the method of qualitative work, the study was based on a review of the literature on the subject, based on the psychoanalytic orientation, from which it is possible to consider possibilities of restoration for this wound that cancer leaves in female subjectivity.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 10

2. BIOGRAFIA DO CÂNCER ... 13

2.1 O que é o câncer ... 13

2.2 O câncer de mama ... 15

3. IMPLICAÇÕES DO CÂNCER DE MAMA NA SUBJETIVIDADE FEMININA .... 27

3.1 O corpo na constituição do sujeito ... 27

3.2 Fenômenos psicossomáticos ... 32

3.3 Imagem corporal ... 37

3.4 O lugar do seio na psicanálise... 42

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 47

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1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho apresenta a temática do câncer de mama em mulheres. A questão que orientou a investigação foi: quais as intercorrências vivenciadas no corpo e na alma por essas mulheres adoecidas pelo câncer de mama?

O câncer de mama feminino tornou-se um problema de saúde pública devido ao número crescente de casos no país, e às expectativas de novos casos, que aumentam a cada ano. O agravante desses dados é que, em geral, o tratamento se dá nas fases mais tardias, onde os tumores são detectados em estágios muito avançados.

O contato com mulheres acometidas pelo câncer de mama se deu em virtude do estágio realizado no Hospital de Caridade de Ijuí (HCI), no Centro de Alta Complexidade em Oncologia (CACON), fazendo acolhimento aos pacientes que chegavam à instituição, atendimento aos que já frequentavam e das reuniões do grupo Renascer, voltado para mulheres com câncer de mama. Esse grupo foi criado em março de 2012, devido à alta demanda de mulheres acometidas pelo câncer mamário, a fim de terem um espaço específico para que elas pudessem expor seus conflitos mais íntimos, dúvidas e expectativas durante e após o tratamento.

Das vivências desse estágio, nasceu o tema e a problemática deste trabalho: os impasses subjetivos que o câncer de mama traz, uma vez que este acontece numa parte do corpo tão referencial para a mulher, que consequências subjetivas terão as mulheres que recebem o diagnóstico de câncer de mama? Refletir sobre esses itens que representam obstáculos para as mulheres durante essa travessia do câncer se faz pertinente, dada sua importância para o trabalho clínico.

Deste modo, através do método de abordagem qualitativo, esta pesquisa bibliográfica pretendeu reunir, investigar e interpretar o aporte teórico já existente relacionado ao tema. O referencial teórico utilizado foi em sua maioria, de cunho psicanalítico, e uma parte de material literário da medicina. Dentre os autores, apoiou-se em Siddhartha Mukherjee, médico oncologista, em apoiou-seu livro O imperador de todos os males – uma biografia sobre o câncer, lançado em 2012; Sigmund Freud,

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percorrendo várias de suas obras; Rubens Marcelo Volich, autor de algumas obras utilizadas e Jean Guir, em A Psicossomática na Clínica Lacaniana.

O trabalho dividiu-se em duas seções. Na primeira, fracionada em duas perspectivas, abordou-se primeiramente sobre o que é o câncer, num breve apanhado acerca do olhar da medicina sobre esta patologia. Na segunda perspectiva, versou-se sobre o câncer de mama, trazendo dados atuais do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA), recortes históricos sobre a patologia e começaremos a tecer as implicações que a doença tem sobre a subjetividade feminina, onde questionaremos as políticas públicas atuais de prevenção, já que, como dito acima, o câncer de mama é um problema de saúde pública e muitos casos só são descobertos quando a doença está num estágio avançado. Foi exposto também o adoecimento, o stress e a angústia.

Nesse sentido, a hipótese levantada neste estudo é a de que as mulheres que sofrem com câncer de mama, na maioria dos casos, são geralmente muito vinculadas ao trabalho, focando toda sua libido nestas atividades.

Na segunda seção, aprofundou-se a investigação dos efeitos subjetivos das alterações corporais resultantes da progressão desordenada do câncer de mama, e/ou oriundas do tratamento para combatê-lo. Viu-se como o corpo do sujeito é constituído, e a relação do sujeito com seu corpo. Destacou-se também os fenômenos psicossomáticos, na tentativa de apreender as possíveis causas disso que se desdobra na mulher, para além do orgânico. Discorreu-se sobre a dor psíquica, que dói tanto ou mais que a dor física.

Tratou-se também sobre imagem corporal, onde alguns questionamentos se fizeram presentes. Essas mulheres ficarão com uma imagem distorcida de si? Conseguirão olhar-se no espelho e gostarem do que veem após as mudanças corporais sofridas? Outro ponto tratado foi o feminino em Freud e o lugar que o seio ocupa na vida da mulher de hoje e na teoria psicanalítica.

Embora muitos considerem câncer e morte quase como sinônimos – fato que caiu em desuso, pois a neoplasia maligna nos dias de hoje é considerada uma doença crônica e não uma doença terminal - é de suma importância ressaltar que o trabalho

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teve um outro olhar, o objetivo não foi a relação entre câncer e finitude e sim como o câncer da mama afeta a mulher e sua subjetividade.

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2. BIOGRAFIA DO CÂNCER

“Viva, portanto, amigo. Viva, viva, de qualquer jeito, na esperança viva de que o câncer há de morrer de câncer. Ou morrerá – melhor – pela coragem de enfrentarmos o horror desta linguagem que faz do câncer dor maior que o câncer. Pois se souber do trágico brinquedo que é ver o câncer em tudo desta vida, o câncer vai morrer – morrer de medo”.

Carlos Drummond de Andrade

2.1 O que é o câncer

O câncer, conhecido na literatura médica por neoplasia1 maligna, é uma patologia que atinge o homem desde a Antiguidade, já que foi detectado pela primeira vez em múmias egípcias, 3000 AEC2. A palavra câncer é proveniente do grego karkinos, caranguejo em português, termo usado primeiramente por Hipócrates, por volta de 400 AEC. e a significação da doença emerge a partir de algumas perspectivas: com os vasos sanguíneos inchados à sua volta, o tumor fez com que Hipócrates pensasse num caranguejo enterrado na areia com as patas abertas em círculo, coloca Siddhartha Mukherjee, em seu livro “O imperador de todos os males – uma biografia sobre o câncer” (2012); há também a semelhança visual do crustáceo com as células dos tumores cancerosos; pela agilidade que o caranguejo se desloca nos mangues, suas várias patas alcançam locais distantes rapidamente, então alguns autores dizem que a doença foi assim designada pela capacidade que as células cancerosas possuem de se disseminar pelos mais diversos locais do organismo.

Nomenclatura usada para designar um conjunto de mais de 100 tipos de doenças, o câncer possui características clínicas e biológicas diversas, a maioria é nomeada de acordo com o tipo de célula ou órgão no qual tem origem. Atualmente sabe-se que, uma única célula de um determinado órgão ou tecido divide-se,

1 Neoplasia: Termo que denomina um conjunto de pulmões.

(http://www.dicionariomedico.com/neoplasia.htm. Acesso em 13 de nov. 2016)

doenças caracterizadas pelo crescimento anormal e em certas situações pela invasão de órgãos à distância. As neoplasias mais frequentes são as de mama, cólon, pele e pulmões.

(http://www.dicionariomedico.com/neoplasia.htm. Acesso em 13 de nov. 2016)

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se e cresce sem controle formando uma massa de tecido denominada massa tumoral, ou simplesmente tumor.

Os tumores benignos não são considerados câncer, depois de removidos cirurgicamente não continuam a crescer na maioria dos casos e não se disseminam para outros órgãos, enquanto os tumores malignos são os considerados câncer: podem voltar a se formar após retirados com cirurgia, além da possibilidade de atingirem outros tecidos e órgãos. As células dos tumores malignos podem se desprender, invadir e danificar tecidos e órgãos vizinhos. Esta é a forma como câncer se espalha, a partir de um tumor originário (primário), para formar novos tumores em outras partes do corpo, a isto dá-se o nome de metástase. As metástases mais comuns atingem os ossos, fígado, pulmões e cérebro.

É uma doença genética: as alterações ocorrem dentro de genes específicos, embora a maior parte dos casos não se tratarem de uma doença herdada, já que apenas 5 % destes possuem origem genética e o restante, 95% dos casos tem origem em mutações adquiridas do ambiente e hábitos de vida. A formação de um câncer – carcinogênese - é um processo geralmente lento, onde vários anos podem ser necessários para que uma célula se prolifere e origine um tumor diagnosticável.

As principais linhas de tratamentos existentes são abordagens cirúrgicas, a quimioterapia e radioterapia (INCA, 2016) e ainda não há cura ou prevenção plenamente eficazes para esta patologia, o que surpreende, já que milhares de doenças surgiram após o primeiro caso de câncer e para grande maioria se descobriu cura, vacinas, prevenções eficazes. Embora se saiba como surge o câncer – através de alterações e crescimentos descontrolados em células predispostas – a medicina ainda não encontrou um antídoto para a doença.

Interessante pensar que, o crescimento das células é o que nos desenvolve enquanto seres humanos, quando esse crescimento é normal, já que justamente o desenvolvimento das células é o que constitui nosso corpo orgânico, formando tecidos, que unindo-se formam órgãos e assim toda a extensão corpórea. E o crescimento desordenado e sem controle de células malignas destroem tudo isso que se constituiu durante anos.

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O segredo do combate ao câncer, portanto, está em encontrar meios de impedir que essas mutações ocorram em células suscetíveis ou descobrir meios de eliminar as células mutantes sem comprometer o crescimento normal. A concisão dessa declaração camufla a enormidade da tarefa. Crescimento maligno e crescimento normal são tão entrelaçados geneticamente que separá-los pode ser o desafio científico mais importante que nossa espécie tem diante de si. O câncer está incrustado no nosso genoma: os genes que desencadeiam a divisão normal das células não são estranhos ao nosso corpo, mas versões mutantes e distorcidas dos mesmos genes que desempenham funções celulares vitais(MUKHERJEE, 2012 p.16)

O entendimento de que o câncer é uma patologia resultante dos processos de mutação celular, possibilitou uma melhor qualidade de vida para os pacientes oncológicos, tendo em vista que no começo do século XX, a doença era considerada contagiosa, o que acarretava o isolamento dos acometidos pela doença durante o tratamento, comenta Ferreira & Castro-Arantes (2014).

E o câncer está estampado em nossa sociedade: à medida que nossa expectativa de vida aumenta, como espécie, inevitavelmente deflagra-se o crescimento maligno das células (as mutações nos genes do câncer se acumulam com o envelhecimento; portanto, o câncer está intrinsecamente relacionado à idade). Se buscamos a imortalidade, num sentido muito perverso a célula cancerosa também busca. (MUKHERJEE, 2012 p.4)

Hoje em dia, há uma expectativa de vida cada vez maior tanto do homem quanto da mulher e todas as descobertas da medicina favoreceram esse quadro, mas nada se encontrou para impedir as alterações malignas que as células cancerígenas promovem.

2.2 O câncer de mama

O objeto de estudo deste trabalho é o câncer de mama nas mulheres, e como ele afeta a subjetividade destes sujeitos afetados pela doença. Segundo o INCA (2016), para o ano corrente, a previsão é de que surjam 57.960 novos casos de câncer de mama no Brasil. Desconsiderando os tumores de pele não melanoma, este tipo de câncer é o primeiro mais incidente em mulheres das regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste, e, na região Norte, é o segundo mais frequente.

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O câncer de mama pode ocorrer tanto em mulheres quanto em homens, sendo que a maior incidência é no sexo feminino. É possível pensar que o câncer de mama é a neoplasia maligna mais temida pelas mulheres. O tratamento modifica toda a imagem corporal da mulher, que pode ser seu peso aumentado, alopecia3, a perda do(s) seio(s), além da eminência de morte, já que muitas vezes receber o diagnóstico da patologia é sinônimo de uma sentença de morte para grande parte dos pacientes. Quando se busca sobre as origens do câncer, nota-se que desde os primeiros casos, diante dos tratamentos empregados se encontra algo que permeia a doença até hoje: o tratamento doloroso e a vergonha de estar acometido por esta patologia.

Os primeiros casos de câncer dos quais se tem relato na história da medicina, são justamente os localizados na mama. Mukherjee (2012), aborda que o primeiro relato foi encontrado em um papiro datado do século VII AEC, relatos do médico egípcio Inhotep, onde descreveu o primeiro caso de câncer de mama da humanidade:

Uma “massa saliente no peito” — fria, dura, densa como uma fruta e espalhando-se insidiosamente debaixo da pele; dificilmente haveria uma descrição mais vívida do câncer de mama. Cada caso descrito no papiro era acompanhado de uma discussão concisa dos tratamentos, ainda que apenas paliativos: leite derramado nos ouvidos de pacientes neurocirúrgicos, cataplasmas para feridas, bálsamos para queimaduras. Mas, com relação ao caso 45, ele mantém um silêncio atípico. Na seção intitulada “Terapia”, ele apresenta apenas uma frase: “Não existe”. (MUKHERJEE, 2012 p.14)

Após esse relato, durante muito tempo não há registros na literatura médica sobre a patologia. Talvez pelo fato de não se conhecer nenhuma terapia possível, não houve nenhum registro semelhante da doença, embora existam diversos relatos de tifo, varíola e tuberculose. Mais de dois milênios após os relatos de Inhotep surgem registros de um novo caso de câncer, novamente de mama. Escritos datados de 440 AEC, do historiador grego Heródoto, relata o caso da rainha da Pérsia, Atóssa. Em meio ao seu reinado, surgiu em seu seio um caroço que sangrava por ser um tipo de câncer inflamatório, provavelmente, já que neste tipo de câncer as células malignas

3 Alopecia: Queda geral ou parcial dos pelos, principalmente dos cabelos.

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invadem as glândulas linfáticas da mama, formando uma massa vermelha e aumentada, aborda Mukherjee (2012).

Atóssa poderia ter deslocado todos os médicos de seu reinado, mas se isolou, vivendo enrolada em lençóis com vergonha até mesmo de procurar seus médicos. Um escravo convenceu-a extirpar o tumor, o que lhe deu uma sobrevida, não se sabe de quanto e se houve retorno ou metástase do tumor.

O que é a vergonha? Ao se buscar em um dicionário de português seu significado, destaca-se o seguinte fragmento:

Vergonha: [...] 3.sentimento penoso causado pela inferioridade, indecência ou indignidade [...] 4.sentimento de insegurança causado por meio do ridículo e do julgamento dos outros; timidez, acanhamento, recato, decoro. (HOUAISS, 2001 p.2847).

A vergonha, embora um afeto comum e universal não é algo fácil de descrever e tão difícil quanto, é encontrar suas origens. Produz mal-estar para quem a sente, mas ao mesmo tempo, situa a existência do outro.

Importante salientar também que a vergonha, é uma ferida narcísica de difícil cicatrização, presente na memória do sujeito, muitas vezes relacionada a acontecimentos onde se sente impotente diante do olhar do outro, quando esse olhar enxerga o que não poderia ser visto - está exposto ao outro.

Segundo Bilenky citando GREEN:

"A vergonha assinala a confissão de uma derrota, a revelação de uma fraqueza, a perda das aparências e da dignidade e a imagem de seu mundo interior desmascarado aos olhos do outro”. (Bilenky2013, p.1 apud GREEN 2003 p. 1657)

Muitas vezes confundida com a culpa, a vergonha distingue-se pela direção. Embora ambos os afetos sejam relativos à moral e regulamentem o comportamento do sujeito no social, a culpa é produzida por algo ruim provocado ao outro, voltado para quem foi prejudicado, seja esse outro verdadeiro ou imaginário. A vergonha é algo direcionado a si mesmo, a imagem que o sujeito tem de si é exposta, alvejada.

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A vergonha se faz presente em mulheres com câncer de mama já que sua imagem corporal é toda alterada pelo tratamento, haja visto que este pode gerar desde aumento de peso até uma mutilação – perda da mama. Além disso, a quimioterapia faz com que os pelos corporais caiam, e isso inclui os cabelos.

Para as pessoas submetidas à quimioterapia, a perda dos cabelos é muito difícil de ser aceita; à conscientização da perda da vitalidade soma-se a sensação de humilhação e exposição” (OLIVEIRA, 2007 p.138)

Ainda sobre vergonha e culpa, é necessário colocar:

A vergonha, ao contrário da culpa, não pode ser recalcada nem esquecida. A saída é o encobrimento. O envergonhado procura esconder aquilo que provoca a vergonha, seja uma característica física ou de personalidade, seja uma situação que exponha, para ele, uma falha sua. A reação à exposição vem carregada de angústia e dá lugar a inibições, fechamento sobre si mesmo, impossibilidade de desenvolvimento. (BILENKY, 2013 p.9)

Tamburrino relata a história de Ágata, que após diversos milagres tornou-se Santa Ágata, a protetora das mamas:

[...] Ágata, uma mulher de rara beleza que se recusou a casar com Quintianus, Prefeito e Senador Romano da região da Sicília. Assim, para castigá-la, Quintianus a mandou para um bordel, mas ela escapou virgem. Irado, este acusou-a de heresia e mandou torturá-la terrivelmente, e, por fim, arrancar seus seios! Ainda viva, Ágata foi jogada num calabouço sem direito a cuidados. Entretanto, a história também narra que Ágata teve uma visão de São Pedro acompanhado de um jovem arcanjo carregando uma tocha; ele lhe aplicou óleos medicinais que a deixaram curada, inclusive tendo seus seios reparados! Mais irado ainda, Quintianus mandou que a torturassem novamente com o cuidado de não matá-la. Novamente, Ágata foi jogada no calabouço com seu corpo alquebrado; houve então um terremoto que sacudiu a prisão e Ágata morreu. Depois de uma história de milagres, Ágata foi considerada Santa e tornou-se Santa Ágata, Protetora das Mamas. (TAMBURRINO, 2011, p. 1)

Os tratamentos que combatem a neoplasia maligna evoluíram ao longo do tempo, desde sempre considerando a cirurgia como meio:

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A primeira esperança para esse tipo de sofrimento foi vislumbrada por Galeno no século II, o médico mais famoso e importante depois de Hipócrates. Ele considerava que a mama poderia sofrer uma cirurgia desde que o tumor fosse superficial e tivesse todas as raízes extirpadas. Na época do Renascimento, e com a prosperidade do ensino médico, a cirurgia de mama também alcançou seus benefícios. Entretanto, no século XVIII Lorenj Heister defendia o uso da guilhotina para tornar a mastectomia um procedimento mais rápido e menos sofrido. Heister 1 aborda a relação médico paciente da seguinte forma: ... muitas mulheres podem tolerar a operação com a maior coragem e sem gemer absolutamente. Outras, entretanto, fazem um escândalo tal que pode desencorajar o mais destemido dos cirurgiões e dificultar a operação. Para realizá-la, o cirurgião, portanto, deve ser persistente e não permitir-se desconcentrar-se com o choro da paciente. (TAMBURRINO, 2011, p. 2)

A mastectomia4, no século XVIII sucedia-se com emprego de guilhotinas, pontuando o quão drástico eram as cirurgias naquele tempo e não eram as únicas cirurgias mutiladoras da época, também se extraiam membros, todas com muitos casos de mortalidade, tanto em decorrência do tratamento em si quanto pela escassez de recursos que a ciência médica contava no momento e somente os tumores visíveis eram operados, comenta Ferreira & Arantes (2014).

Pode-se pensar que, a dificuldade em se caracterizar o câncer como tal, poderia ser pela falta de recursos tecnológicos na época, já que somente através de exames os quais considerados rotineiros hoje em dia, podem ser detectados e com isso há um número maior de diagnósticos atualmente:

A introdução da mamografia, para detectar o câncer de mama mais cedo em sua evolução, aumentou drasticamente sua incidência — resultado aparentemente paradoxal, que faz todo sentido quando nos damos conta de que os raios X permitem que tumores sejam diagnosticados em seus estágios iniciais. (MUKHERJEE, 2012, p.50).

Por volta da década de 1950, a imprensa escrita evitava falar sobre a patologia em suas páginas:

4 Mastectomia: Cirurgia através da qual extirpa-se parte ou a totalidade da mama. Pode estar indicada como

tratamento do câncer de mama. (http://www.dicionariomedico.com/neoplasia.htm. Acesso em 13 de nov. 2016).

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Depois de um breve período de destaque na imprensa, a doença voltou a tornar-se o grande inominável, a doença sobre a qual se falava aos sussurros e jamais publicamente. No começo dos anos 1950, Fanny Rosenow, sobrevivente de câncer de mama, ligou para o New York Times a fim de publicar um anúncio de um grupo de apoio a mulheres com câncer de mama. Rosenow foi transferida, enigmaticamente, para o editor da coluna social do jornal. Quando lhe perguntou se podia colocar o anúncio, houve uma longa pausa. “Desculpe, senhora Rosenow, mas o Times não publica a palavra mama, nem a palavra câncer, em suas páginas. “Talvez a senhora possa dizer que haverá uma reunião sobre doenças do tórax”, sugeriu o editor. (MUKHERJEE, 2012, p.12).

Nos dias atuais, os meios de comunicação têm sido grandes aliados para divulgação da patologia, pois é comprovado que quanto mais cedo se tem o diagnóstico, mais sucesso terá o tratamento. Desde meados do século passado, através de diversas ações, o Ministério da Saúde desenvolve diversas estratégias para controle do câncer através de intervenções isoladas. Nas décadas recentes, isso se deu por ações dentro do âmbito de programas de controle do câncer, programas tais que se equiparam a

[...] um conjunto de ações sistemáticas e integradas, com o objetivo de reduzir a incidência, a mortalidade e a morbidade do câncer em uma dada população. Em geral, os programas contemplam: prevenção primária (redução ou eliminação dos fatores de risco); detecção precoce (identificação precoce do câncer ou de lesões precursoras); tratamento; reabilitação; e cuidados paliativos. (INCA, 2015, p.5)

Uma das campanhas mais famosas, Outubro Rosa, realizada no referido mês, é onde se intensifica a divulgação da doença, da importância da prevenção, bem como se estimula exames de mamografia e é difundida inclusive por empresas privadas. Embora a prevenção seja bastante divulgada, o comportamento das mulheres ainda não é suficientemente positivo em relação a exames que podem diagnosticar a doença, e é o mês do ano onde menos se fazem mamografias, relatam os profissionais de saúde dos dois maiores hospitais da cidade de Ijuí. Outro dado importante é que muitos casos apenas são descobertos quando a doença está no estágio mais avançado.

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Diante disto, levanta-se uma questão sobre a eficácia das políticas de prevenção: Qual a função de tais políticas? Haja visto que se observa uma inibição – há uma queda no número de mulheres que buscam os exames preventivos justamente no mês onde é mais divulgada a prevenção.

Freud (1929/2014, p.11), diz que “a inibição tem uma relação especial com a função e não significa necessariamente algo patológico, pode-se também chamar de inibição a restrição normal de uma função”. Essa limitação funcional do eu, pode ter várias origens, coloca Chemama (1995). E uma das origens pode ser o medo, a vergonha. Retomando a questão da prevenção, será que o que inibe a procura por prevenção seria o medo da descoberta de um câncer?

Durante o período de estágio no setor de psiconcologia do HCI, realizou-se acolhimento dos pacientes e familiares que chegavam à instituição para uma primeira consulta ou retorno, além de atendimento a pacientes acamados. Notou-se algo em comum em alguns pacientes: a negação deles em relação ao adoecimento, ignorando o câncer e suas implicações, como intervenções cirúrgicas, por exemplo. Esse fato remete ao conceito de negação, que seria uma tentativa de não aceitar algo na consciência, algo que incomoda o ego. Em seu texto “A Negação”, Freud nos traz:

Como é tarefa da função intelectual do juízo confirmar ou negar os conteúdos dos pensamentos, as observações precedentes nos levam à origem psicológica dessa função. Negar algo num juízo é dizer, no fundo: “Isso é algo que eu gostaria de reprimir”. O juízo negativo é o substituto intelectual da repressão, seu “Não” é um sinal distintivo, seu certificado de origem, como “Made in Germany”, digamos. Através do símbolo da negação, o pensamento se livra das limitações da repressão e se enriquece de conteúdos de que não pode prescindir para o seu funcionamento. (FREUD, 1925/2006, p.251)

Isso levanta uma questão, pois talvez essa negação seja o que sustente o sujeito diante de sua doença. O paciente passa também, nesse processo de adoecimento tão invasivo como câncer, por uma perda. Freud (1915/2006), no texto Luto e Melancolia, ao explicar o conceito de luto, aborda que ele não se refere somente como uma reação à perda de alguém importante, mas a perda de algo na mesma equivalência: perda de um objeto amoroso, e o processo de luto absorve enquanto duram todas as energias do Eu, implicando num sério afastamento da

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conduta normal da vida. Caso isso afete sua autoestima, como pode ocorrer em casos de mutilação, o quadro clínico é o mesmo, mas estaremos falando de melancolia.

As doenças são ameaças aos seres humanos, comprovam sua fragilidade e lançam uma hipótese de destruição, de finitude. Entretanto, cada indivíduo estabelece uma relação metafórica com a doença. Cada uma tem um sentido figurado, um fantasma próprio. O enfrentamento de qualquer patologia dependerá dos recursos psíquicos que o sujeito reuniu ao longo de sua vida, bem como se estruturou.

Para explicar a dinâmica do adoecer, em sua obra Psicossomática, Rubens Marcelo Volich (2016), assinala que há três caminhos prováveis de descarga e organização das excitações (motora, orgânica e pensamento) também são vias possíveis para o adoecimento. Diante de um evento conflituoso, um indivíduo bem organizado psiquicamente poderá desenvolver sintomas ou perturbações psíquicas da ordem das neuroses ou das psicoses. Um outro indivíduo, com uma precária organização psíquica, embora não tenha recursos para reagir diante de uma situação traumática, através de delírios, sonhos ou mecanismos de defesa psíquicos, vale-se então de processos orgânicos ou motricidade a fim de buscar a descarga ou equilíbrio da excitação acumulada.

Nessa perspectiva, segundo Volich (2016, p.212), é possível notar o aparecimento “a manifestação das descargas pelo comportamento, como as reações psicopáticas, atitudes impulsivas, ou, ainda, diante da insuficiência dos recursos comportamentais, o aparecimento de perturbações funcionais somáticas”, conforme a

ilustração a seguir:

Fluxograma 1 – Perturbações funcionais somáticas

Fonte: Volich (2016, p.212)

Células Tecidos Órgãos Coordenação Relações Linguagem Elaboração Senso-Motora de objeto Psíquica Desorganizações Manifestações Manifestações Somáticas comportamentais psicopatológicas

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É digno de nota ressaltar que toda patologia, mesmo que com características divergentes, regressivas e por diversas vezes extremas - sejam comportamentais, mentais ou somáticas, também é uma tentativa do organismo de estabelecer equilíbrio, pois é incapaz de confrontar as tensões externas ou internas por estar subordinado as essas tensões, através de recursos mais avançados, situa Volich (2016).

Volich segue versando:

A gravidade de um sintoma ou de uma doença é função tanto dos recursos do indivíduo para enfrentar tais tensões como da duração e da intensidade dessas tensões. Naturalmente, o organismo tentará enfrentar essas situações por meios de seus recursos mais evoluídos, mas diante dos insucessos de suas iniciativas, ele poderá recorrer regressivamente recursos cada vez mais primitivos até que se estabeleça uma situação de equilíbrio. A manutenção destes equilíbrios regressivos dependerá da duração da tensão ou da capacidade do organismo de reorganizar-se para responder de maneira mais organizada e elaborada a tais situações.(VOLICH, 2016, p. 212-3)

O câncer sempre teve sua metáfora ligada à morte e a destruição, bem como o uso da palavra para além da medicina está associada a um crescimento desordenado, caos, uma condição arrasadora, como por exemplo, o terrorismo é considerado o câncer social e a guerra do Vietnã e Waltergate foram considerados “cânceres” na vida política dos EUA, pontua Monteiro (1996).

O câncer de mama não tem uma causa única. Variados fatores relacionam-se aos riscos de desenvolver a patologia, podendo-se citar: idade, fatores endócrinos, reprodutivos, comportamentais, ambientais, genéticos, hereditários, sendo a idade um dos principais fatores que aumentam o risco de se desenvolver câncer de mama, já que o acumulo de exposições ao longo da vida e as próprias alterações biológicas que o envelhecimento traz aumentam o risco. Mulheres com mais de 50 anos são mais predispostas a desenvolver a doença (INCA, 2016). Muito se discute sobre as causas do câncer de mama nas mulheres, muitas pesquisas apontam o estresse não só como fator causador, bem como um sintoma que torna a doença mais agressiva.

Sontag (1984), ao comentar Clinical notes on câncer (1883), obra do médico do Hospital de Câncer de Londres Herbert Snow, destaca que as anotações dele

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sobre 140 casos de câncer de mama, 103 possuíam registro de um distúrbio mental prévio, muito trabalho ou outro fator debilitante.

No que tange o estresse, se faz necessário colocar que este não é um termo psicanalítico. Estresse é uma palavra derivada do inglês stress, termo inicialmente usado pela física para demonstrar o grau de deformidade acometido por um material ao ser submetido a uma tensão ou esforço, e o termo migrou para biologia e medicina como um esforço de adaptação do organismo para o enfrentamento de circunstâncias na qual se considere ter ameaças à vida e ou seu equilíbrio interno, com isso migrou também para áreas como a psicologia e a sociologia.

Muito utilizado no ambiente social e clínico, uma vez que está constantemente no discurso de pacientes, é possível pensar que haja uma banalização do termo estresse, já que sempre se refere a diferentes conflitos psíquicos, dentre os quais se pode citar a angústia, ainda que não saibam nomear o que de fato sentem.

Apesar de ser causado também por estímulos psicológicos, o estresse é uma síndrome da ordem do biológico, do orgânico, o que explica o porquê de o termo não ser da área psicanalítica, já que a psicanálise não trabalha com corpo orgânico, pontua Mourão (2003), que coloca ainda:

O objeto de estudo da psicanálise é o inconsciente. Nele, as coisas de um modo geral (inclusive o corpo), são tomadas em termos de suas representações, que se articulam em três registros, ou seja, o real (irrepresentável), o simbólico (linguagem/conceitos) e o imaginário (fantasias). Essas representações se instituem, basicamente, nas relações intersubjetivas. (MOURÃO,2003, p.1).

Em grego, Onkos era o termo que denominava uma massa, um fardo: o câncer era imaginado como um peso carregado pelo corpo:

Outra palavra grega onkos, usada para descrever tumores e de onde a oncologia tirou seu nome, era o termo utilizado para denominar uma massa, uma carga ou mais comumente um fardo; o câncer era imaginado como um peso carregado pelo corpo. Na tragédia grega, a mesma palavra designava a máscara que com frequência era “carregada” por um personagem para denotar a carga psíquica suportada por ele. (MUKHERJEE, 2012 p. 61-62)

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Essa carga psíquica carregada pelo paciente oncológico é a angústia. Dentre as raízes etimológicas da palavra angústia, a origem grega da palavra destaca a ideia de “estreiteza, aperto, sufocamento” (ROCHA Z., 2000, p.25).

Mesmo antes do diagnóstico, o câncer de mama já traz sofrimento, por tudo que poderá trazer se confirmado. Após o diagnóstico, vem angústia de lidar com os “conhecidos desconhecidos” efeitos colaterais do tratamento, pois muitos deles ocorrem ou não, dependem de fatores biológicos (gravidade da neoplasia maligna) e psicológicos do paciente. Não há como excluir a angústia de todo esse processo: ela costura todo tratamento.

Freud, em Conferências Introdutórias (1916/2014, p.422) inicia sua explanação sobre angústia comentando que, a angústia é a maior queixa dos neuróticos, que a nomeiam como seu pior adoecimento, e afirma que “angústia pode realmente alcançar neles uma enorme intensidade e ter por consequência as medidas mais desvairadas”; mais a frente, diz que não é necessário definir a angústia, já que esta é algo inerente ao ser humano, pois todos já experienciamos esse estado afetivo (Freud, 1916/2014).

Um dos conceitos fundamentais da metapsicologia freudiana, a angústia, é o ponto nodal e um enigma, coloca Freud (1916/2014):

[...] o problema da angústia é um ponto nodal para o qual convergem as mais diversas e importantes questões, um enigma cuja solução haverá de lançar luz abundante sobre o conjunto de nossa vida psíquica toda nossa existência mental. (FREUD, 1916/2014, p. 423)

E diz que a psicanálise vai ter um olhar diferente da medicina no que tange a angústia.

Em Inibição, Sintoma e Angústia, Freud (1926/2014) altera sua teoria sobre angústia, já que antes a descrevia como produto de uma mudança automática de energia de investimento da moção pulsional recalcada. Nesse texto, destaca a função do ego como encarregado pelo investimento ou desinvestimento de algo que se percebe ou se apresenta como uma ameaça ou perigo, pontuando que a angústia leva ao recalcamento e não o contrário. A angústia tem como função alertar ego e superego

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da proximidade de um perigo, seja exterior ou interior que ameace o indivíduo, comenta Volich (2016).

As pacientes oncológicas com câncer de mama marcadas pela angústia na convivência entre fantasia e a morte, que evidencia assim, sua irrepresentabilidade, o que pulsa no que Rocha, Z. afirma:

“(...) a etapa mais rica da reflexão freudiana sobre a angústia e que abre maiores perspectivas para uma compreensão mais profunda do seu enigma é aquela desenvolvida por ocasião dos últimos escritos, ou seja, quando Freud já dispunha de uma nova tópica, vale dizer, de uma doutrina mais elaborada do ego e das instâncias ideais do ego, bem como de uma doutrina sobre a pulsão de morte”. (ROCHA, Z, 2000, p.12)

Embora Freud tenha alterado sua teoria sobre angústia, afirmando que “a angústia é causada pela falta do objeto”, conforme comenta Chemama (1995, p. 14), o ponto nodal dela permaneceu intacto em sua obra: a questão sexual. O que pode se observar no grupo de apoio das mulheres com câncer de mama nominado Renascer, é que a grande maioria dessas mulheres possuíam uma carga altíssima de trabalho – eram em sua maioria professoras, donas-de-casa, ou ambas, profissões que exigem muito envolvimento do indivíduo, e nisso se fez uma questão: Será que as mulheres que trabalham excessivamente deslocam toda sua libido para o trabalho? Se a resposta para essa questão for sim, logo propõe-se outro questionamento: Se as mulheres colocam toda sua energia sexual no trabalho, o que ficaria inibido?

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3. IMPLICAÇÕES DO CÃNCER DE MAMA NA SUBJETIVIDADE FEMININA

“Meu corpo não é meu corpo, é ilusão de outro ser. Sabe a arte de esconder-me e é de tal modo sagaz que a mim de mim ele oculta. ”

Carlos Drummond de Andrade

3.1 O corpo na constituição do sujeito

Freud graduou-se em medicina, especializando-se em neurologia. Suas experiências clínicas, o levaram a escrever juntamente com Joseph Breuer, a obra Estudos sobre a Histeria, a qual é considerada “como ponto de partida da psicanálise” FREUD (1895/2006 p.19).

Ao inaugurar uma nova teoria, a partir de suas observações e estudos, surgiu também o lugar do corpo nesta teoria, quando Freud se afastou da medicina. Percebeu ao observar as histéricas, que a anatomia clínica em seu saber, nada contribuía para cessar o sofrimento daquelas mulheres que observava.

O interesse de Freud pela histeria e sua intuição de que as manifestações dessa doença não apresentavam nenhuma correspondência com a estrutura anatômica dos órgãos afetados representaram uma verdadeira ampliação da compreensão das múltiplas possibilidades de manifestação do sofrimento humano. (VOLICH 2016, p.81)

Em outra publicação, no texto Algumas considerações para um estudo comparativo das Paralisias Motoras, Orgânicas e Histéricas, Freud assinala que “a histeria se comporta, nessas paralisias e outras manifestações, como se a anatomia não existisse, ou como se ela não tomasse disso nenhum conhecimento” Freud (1893 apud CHEMAMA 1993, p.84), ou seja, Freud notou que seus pacientes manifestavam paralisias e outros sintomas cujas origens não eram detectadas no orgânico.

Observando essas manifestações, Freud que as nomeou de paralisias histéricas, concluiu serem fruto de um trauma, onde o corpo era o palco de sua representação, comenta Fernandes:

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Minha hipótese supõe que, se o corpo que a construção teórica de Freud anuncia não se confunde com o organismo biológico, objeto de estudo e intervenção da medicina, ele se apresenta, ao mesmo tempo, como o palco onde se desenrola o complexo jogo das relações entre o psíquico e o somático, e como personagem integrante da trama dessas relações. (FERNANDES, 2011, p.42).

Tudo isso leva à reflexão que, a psicanálise nasceu a partir do momento em que Freud interroga os caminhos que conduzem os embates psíquicos a surgirem no campo somático, levando em conta os indícios que a ciência da época repudiava: lapsos, sonhos e também essa anatomia imaginária. Com isso, funda uma clínica, cria um aparelho teórico que permitem a ele entender as diferentes relações entre as manifestações corporais e psíquicas. Toda extensão da obra freudiana, nas descobertas que fez, nas teorias que desenvolveu, demonstram uma permanente reflexão sobre essas interações psíquico-somáticas (Volich, 2016).

Quando há uma manifestação corporal dolorosa, da qual não se descobre o motivo desta dor, pode-se pensar em algo conversivo. Nasio (2007) traz como exemplo a enxaqueca crônica, que embora o paciente busque diferentes médicos, nenhum identifica a razão desse distúrbio. A recorrência dessa enxaqueca, descobre-se ao descobre-se interrogar o paciente está atrelada à uma ocorrência emocional de descobre-seu passado, o que se assemelha aos casos de histeria, o que Freud nomeou de histeria de conversão.

A histeria é dita de conversão porque a sobrecarga de tensão inconsciente transforma-se em distúrbios corporais. O que então se converteu no corpo? A carga de energia inconsciente. Em vez de dizer somatização, como se diz hoje, genericamente, Freud falava de conversão. Acho o termo “conversão” muito interessante porque permite trabalhar com nossos pacientes de outra forma. Quando dizemos somatização, falamos imediatamente de soma, do corpo. Quando digo conversão, falo do mecanismo, e não do lugar onde isso se manifesta. (NASIO, 2007, p.101)

O ato cirúrgico não opera somente no corpo orgânico, o sujeito também é afetado por isto que acontece no orgânico, todas as alterações nele têm interferências diretas na vida do sujeito, já que o corpo concede uma identidade, é um corpo de linguagem, sublinha Ferreira & Castro-Arantes (2014).

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As consequências dessa afetação serão sentidas à posteriori e são muito singulares, dependerão de como o sujeito metabolizou experiências vividas anteriormente. Zecchin comenta:

O corpo ao longo da experiência da vida produzirá inúmeras representações e sempre funcionará de acordo com as motivações inconscientes que decidem a causalidade dos acontecimentos que cada um poderá atribuir às experiências vividas. (ZECCHIN, 2004, p.76)

O corpo do ponto de vista psicanalítico, não é um corpo de carne composto de agrupamentos de células, como é para a medicina. É um corpo construído, cuja edificação se dará através da interação com os entes parentais que transpassa a carne, é produzido por uma operação de linguagem e pela exigência continua de satisfação pulsional, comenta Ferreira & Castro-Arantes (2014).

O bebê humano nasce com uma imaturidade psíquica e orgânica: é necessário um Outro. Esse Outro (a mãe ou quem faz a sua função) constrói no bebê humano um corpo: não o corpo anátomo-fisiológico, que se desenvolve através dos cuidados básicos dispensados pela mãe e sim o corpo erógeno, erotizado, impresso pela mãe, construído a partir da vida proporcionada a cada parte do corpo, onde acontecem as inscrições e constituindo-se assim as zonas erógenas, pontua Ferreira & Castro-Arantes (2014).

A amamentação, é um dos primeiros momentos de saciedade, da qual o bebê obtém além de alimentação, uma satisfação, que o impelirá buscar prazer, consequência dessa experiência. A concepção de pulsão assemelha-se à exigência de constante satisfação, a partir da marca que essa primeira experiência deixou, nesse sentido a pulsão é:

[...] algo que se impõe a partir de impulso interno que, ao longo de seu trajeto, delimitam o corpo. Nesse processo, ela marca a indissociabilidade entre psíquico e somático, por apresentar-se como exigência de trabalho psíquico constante em busca de uma satisfação que passa pelo corpo. Contudo, ao mesmo tempo em que insiste na busca de satisfação, fracassa por não ser possível uma satisfação plena, uma vez que o prazer específico da primeira experiência fica perdido. (FERREIRA & CASTRO-ARANTES, 2014, p. 46)

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A mãe proporciona a criança os cuidados vitais, ela pulsionaliza esse corpo, mapeando, colocando desejos, deixando marcas, interpretando as manifestações do corpo biológico do bebê, dando significações a isso, assim constrói um revestimento imaginário.

O corpo se forma através da nomeação do Outro, nomeação situada na constituição do Eu, já que este Eu é sobretudo corporal. Tem-se então um corpo de linguagem, portando consigo uma herança simbólica parental em sua constituição, uma vez que o bebê sai do ventre da mãe para um mundo de linguagem, já existe antes de nascer, é sonhado e falado por seus pais, o que não acontece de forma consciente. O bebê constitui-se como um ser que fala a partir das marcas deixadas pela fala dos entes parentais, aponta Ferreira & Castro-Arantes (2014).

“É a partir dos cortes, das marcas, das inscrições que o Outro irá realizando, que o corpo subjetivado será constituído”, pontua Levin (1995, p.54). Esse momento, é vivido como uma relação quase fusional, onde não há uma diferenciação entre mãe e bebê para o infans.

Entretanto é necessário sair dessa relação dual mãe-bebê, para que a criança se aproprie de seu corpo. Zecchin (2004), ressalta que essa separação também deixará marcas, já que o tanto o desejo de retornar àquela relação fusional com mãe quanto o de seguir procurando autonomia permanecem, emergindo nos mais variados momentos da vida. Nesses momentos peculiares, onde tem-se dor física e dor psíquica, existe uma tendência a endereçar o sujeito à procura da fusão perdida. Através dessa perda será possível construir a identidade subjetiva e singular do sujeito.

Esta identidade subjetiva também contempla a construção particular da mama até sua representação simbólica, o seio, aspecto diretamente ligado ao desenvolvimento feminino e do ser mulher. Nessa história está contida, como pano de fundo, a primeira experiência de separação, a do bebê e o seio materno, experiência fundante que separa o de dentro e do de fora. O seio tem a propriedade particular de ser o primeiro representante de um mundo separado do corpo do bebê, isto é, tempo em que o bebê já captará os sinais externos a partir de sua própria percepção. Cria-se assim um espaço onde os sentidos informarão o que estamos sentindo e estes sinais formarão os fantasmas, o que interpretamos sobre a experiência e os pensamentos. Por diferentes que sejam exercerão alterações no meio, no corpo e no estado psíquico de cada um. Estas modificações, podem ser de caráter objetivo ou subjetivo, mas produzirão modificações. A relação com o corpo estará então submetida a como cada um se relaciona com seu próprio corpo, com a realidade, dependendo das deformações, da compreensão ou até mesmo de uma certa surdez em relação ao todo. (ZECCHIN, 2004, p. 26).

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Outro aspecto relevante, é confronto do sujeito com a perecibilidade do corpo, um corpo desconfigurado pela evolução da doença e ou com os efeitos do tratamento oncológico, não condizendo com o corpo com o qual o sujeito viveu anteriormente. Esse corpo, marcado pela patologia, não lhe confere a identidade de outrora, o que poderia ser traumático.

Freud (1920/2006, p.23) fala da questão do trauma desde o início de sua obra, entretanto ao investigar os distúrbios funcionais dos militares que lutaram na Primeira Guerra Mundial, comenta que o trauma surge numa situação de susto, onde o sujeito é surpreendido e “um ferimento ou dano infligidos simultaneamente operam, via de regra, contra o desenvolvimento de uma neurose”.

. Mais à frente no mesmo texto, coloca:

Descrevemos como ‘traumáticas’ quaisquer excitações provindas de fora que sejam suficientemente poderosas para atravessar o escudo protetor. Parece-me que o conceito de trauma implica necessariaParece-mente uma conexão desse tipo com uma ruptura numa barreira sob outros aspectos eficazes contra os estímulos. Um acontecimento como um trauma externo está destinado a provocar um distúrbio em grande escala no funcionamento da energia do organismo e a colocar em movimento todas as medidas defensivas possíveis. (FREUD, 1920/2006 p.40)

E Volich (2016) acrescenta:

[...] não há uma experiência traumática em si, mesmo que alguns acontecimentos da vida, como acidentes, doenças [...] sejam mais suscetíveis de provocar perturbações que venham a constituir-se como traumáticas. (VOLICH, 2016, p.98)

Seja qual for a conjuntura, os efeitos do trauma decorrem da conciliação entre o que o sujeito tem de recursos subjetivos e com que intensidade reagirá a essa vivência, já que um sujeito que tenha recursos escassos para o enfrentamento de uma mudança supostamente sem relevância em sua vida pode vivenciar isso como algo traumático, bem como um sujeito que se estruturou bem, poderá suportar vivencias intensas e se recompor e superar as consequências rapidamente.

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3.2 Fenômenos psicossomáticos

Volich (2016) aborda que a psicossomática sob a ótica psicanalítica está para além da urgência dos processos psíquicos sobre os processos orgânicos. Situa que a psicanálise fornece subsídios teóricos e clínicos, atuando como operador teórico e clinico para essa abordagem.

Como operado teórico, possui um modelo conceitual para o entendimento das relações entre o psíquico e o somático “e das funções do psiquismo no equilibro psicossomático” (VOLICH 2016, p.145). Já como operador clínico, dispõe de um parâmetro de escrita, leitura e de interpretação que aumenta a perspectivas do trabalho terapêutico, seja ele psicológico, médico ou de qualquer outro profissional de saúde.

Algumas teorias psicossomáticas, outorga ao paciente a incumbência de sua doença: que é culpado por sua patologia e o somente ele pode promover sua própria cura, critica Sontag:

Basicamente, a doença é interpretada como um acontecimento psicológico e as pessoas são estimuladas a acreditar que elas adoecem porque (inconscientemente) querem adoecer, que podem curar-se pela mobilização da vontade, e que podem escolher entre morrer e não morrer da doença. (SONTAG,1984, p.73)

Jean Guir, psicanalista francês, em sua obra A psicossomática na clínica lacaniana, propõe uma abordagem diferente, afirmando através de suas experiências clínicas que os fenômenos psicossomáticos são manifestações específicas no simbólico, afastando o mito de que as doenças são produzidas por significações pessoais e particularidades psicológicas.

A psicanálise, referencia-se a psicossomática, através do termo fenômenos psicossomáticos, haja visto que “o sintoma possui um estatuto particular e específico dentro do campo psicanalítico” (GUIR, 1988, p.27).

Embora não possuam as mesmas condições de formação do sintoma, os fenômenos psicossomáticos podem se inserir na linguagem, como fruto do

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inconsciente sobre o somático - portanto dentro do âmbito psicanalítico, aborda Guir (1988).

Certos significantes, no decorrer da vida do sujeito alteram o funcionamento de um gene ou um grupo de genes, que serão causadores das manifestações lesionais estabelecidas no desdobramento dos fenômenos psicossomáticos.

Lacan (1954-1955/1985 apud GUIR,1988) fez diversos apontamentos assertivos sobre o assunto, afirmando que os significantes se localizam fora do registro das estruturas neuróticas e são relativos ao real, o que nos mostra a diferença entre o fenômeno psicossomático da conversão histérica: o fenômeno psicossomático provoca uma lesão, e quando essa lesão puder ser revertida isso não ocorre imediatamente, como ocorre na conversão histérica, onde a lesão pode desaparecer instantaneamente através de uma interpretação.

Outra colocação de Lacan (1964/1985 apud GUIR,1988) é que, nos fenômenos psicossomáticos, alguns significantes ficariam bloqueados, não conseguindo se unir a outros significantes “há uma espécie de bloqueio, de congelamento do significante no corpo do sujeito, um curto-circuito que será responsável pelas manifestações lesionais”.

Por fim, para melhor compreensão dos fenômenos psicossomáticos, Lacan (1964/1985 apud GUIR,1988), relembra o experimento de Pavlov com um cão. O animal não tem nenhum entendimento sobre o desejo do cientista, responde os estímulos através de uma necessidade fisiológica (alimentar neste caso). Outrossim, poderia-se dizer que:

[...] a certos significantes impostos ao sujeito psicossomático, este responde dentro do domínio da necessidade, o que nos remete à situação do bebê dependente da mãe, que não tem qualquer ideia do seu desejo e para qual desejo e necessidade podem se confundir. (Lacan, 1964 apud GUIR, 1988)

Guir (1988), propõe que desde as entrevistas preliminares com paciente, seja indispensável conhecer a família, a fim de localizá-lo dentro desta família e assim constatar os traços de identificação, e caso seja possível, obter dados como nomes, datas de nascimento e morte de parentes próximos, pois disto surge um segredo

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familiar, e isso pode levar muito tempo e estar frente a frente com o paciente neste momento é importante.

Através da história do paciente, Guir (1988) afirma ser possível elucidar a dinâmica e os significantes singulares presentes nos fenômenos psicossomáticos, onde através da fala do sujeito observou-se certas características dos fenômenos, numeradas abaixo:

1. Surgem, mobilizam-se e somem em virtude de certos acontecimentos e datas peculiares, podendo causar uma indução ou causalidade significante, distinguindo-se de uma lesão meramente orgânica, que não é objeto de desta motivação. Portanto, já se pode dizer, a partir destas primeiras constatações, que os fenômenos psicossomáticos diferenciam-se das doenças orgânicas.

2. Os fenômenos psicossomáticos podem ser incitados em animais (domesticados ou selvagens ao serem capturados) que entram em contato com a linguagem humana. Eles respondem aos estímulos devido a função fisiológica, puramente da ordem da necessidade. Isso demonstra “a potência desordenadora dessa linguagem, em sua essência de equivocidade” (GUIR, 1988, p.23).

3. Inferiores as construções neuróticas, tais fenômenos não têm nada especifico no que tange a neurose, a psicose e a perversão, já que todo sujeito independente de sua estrutura pode manifestar lesões psicossomáticas. Apesar disso, não seria uma estrutura específica como as ditas acima, tendo em vista que não há “sujeito psicossomático”.

O autor pontua ainda, que os fenômenos psicossomáticos são (em sua causalidade significante) elaborados através de uma ótica: são manifestações no simbólico, que seriam:

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Ruptura especifica da estrutura do nome próprio; significantes relativos a datas que constituem uma cifra ancorada no corpo [...] Solução encontrada para um defeito de filiação simbólica, esses fenômenos, que se inscrevem como signos bizarros sobre o corpo, são tomados como parte integrante da textura do sujeito, constituindo um nó de inércia dialética. (GUIR, 1988, p.24)

Outro ponto que se faz necessário discorrer, é sobre a dor. A dor, para medicina, é um sinal do corpo que algo em si não está em seu pleno funcionamento. Para Barreto (1995, p. 19) “ A dor é a melancolia do organismo, um chorar silencioso do corpo, resultado da incidência do real da separação”.

Freud (1930/2010, p.21) assinalou o corpo como uma das três fontes de sofrimento humano: “o próprio corpo, que, fadado ao declínio e à dissolução, não pode sequer dispensar a dor e o medo, como sinais de advertência”. Ferreira & Castro-Arantes (2014), ressaltam que, frente ao câncer, o sujeito se encontra com um corpo que sofre dores, advertindo com isso suas limitações, fragilidades e finitude. Nessas circunstâncias, vê-se que dor e sofrimento provenientes da incursão dos procedimentos médicos, noticiam o sujeito de seu corpo. A dor física recorda o sujeito da existência de seu corpo, ao quebrar seu silêncio.

Segundo Ferreira & Castro-Arantes (2014), nas patologias orgânicas, o sofrimento oriundo do corpo pode fazer com que o sujeito se recolha. Desse modo, diante da dor, o Eu não se interessa por nada além de seu mal-estar. Em função de um esvaziamento da libido objetal, a libido volta para o Eu, o mundo deixa de ter graça, o excesso de pulsão faz com que o sujeito viva para seu adoecimento.

Juan D. Nasio, em sua obra A dor de Amar, comenta que tanto Freud quanto Lacan não aprofundaram estudos sobre o tema da dor e pontua que tanto a dor física quanto a dor psíquica, “é sempre um fenômeno de limite [...] seja o limite impreciso entre o corpo e a psique, seja entre o Eu e outro, ou principalmente, entre o funcionamento bem regulado do psiquismo e o seu desregramento” (NASIO, 2007, p.22).

A psicanálise não diferencia a dor psíquica da dor física, assim como não há distinção entre a emoção típica da dor psíquica e a emoção típica da dor física, já que a dor “é um fenômeno misto que surge no limite entre corpo e psique” (NASIO, 2007, p.22). Ao se estudar sobre dor corporal, excluindo-se os recursos específicos

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neurobiológicos, a emoção da dor se expressa basicamente por um desequilíbrio psíquico.

Entretanto, vamos nos ater a dor psíquica, que Nasio (2007, p.20) chama de “dor de separação [...] quando a separação é a erradicação e perda de um objeto ao qual estamos tão intimamente ligados”. Essa proposição de Nasio nos leva a pensar em quantas dores a mulher com câncer de mama passa desde o diagnóstico ao fim de seu tratamento, uma vez que várias perdas se colocam ao longo de toda sua travessia pela doença.

Nasio (2007) posiciona a dor psíquica em três categorias de dor: Situa a dor psíquica como um afeto difícil de ser assimilado pelo pensamento, desviando-se de imediato. É uma dor que permeia a vida de todos, como se o amadurecimento se desse através da passagem por essas dores psíquicas; afeto último antes de algo como a psicose, como a loucura, como um afeto-limite.

A segunda categoria da dor psíquica é dor enquanto sintoma, já que representa um conflito, de um modo geral. Na terceira categoria proposta, o autor comenta a dor como objeto do prazer perverso, sádico ou masoquista, e objetivo no que tange a dor como objeto a ser estudado, por isso não diferencia objeto e objetivo do prazer perverso, pois como se sabe a dor está no cerne da busca de prazer do perverso sádico e masoquista.

Nasio (2007, p.31) afirma ainda que a dor psíquica é a dor de amar: “como afeto que resulta da ruptura brutal do laço que nos liga ao ser ou à coisa amados” ou seja, quando há perda do ser amado ou quando há perda da integridade física, a qual explica:

Gostamos do nosso corpo, como o outro mais amado. Ser amputado de uma perna causa a mesma dor atroz interior que perder o ser mais caro. Essa perda exige um verdadeiro trabalho de luto, que nos ensinará a amar o novo corpo desprovido de perna. A lesão que provoca a dor corporal se situa no nível da amputação, mas a lesão que causa a dor psíquica, se situa em três planos diferentes, semelhantes aos que definem a perda do ser amado: o da sensibilidade (a perna é uma parte do meu todo sensível); o do imaginário (a imagem da ausência da perna muda a imagem do meu corpo); e o do simbólico (a ordem psíquica perde uma das suas maiores referencias, que é a integridade do corpo). (NASIO, 2007, p. 13).

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Volich (2016, p.264) sublinha a dificuldade que é separar, dor e sofrimento, dor física e dor moral, do ponto de vista da singularidade do sujeito, já que não coincide com a experiência do sujeito que está em sofrimento, diminuindo o entendimento dessa vivência. Qualquer dor, mesmo advinda de uma lesão orgânica, reporta o sujeito as vivencias mais arcaicas de desemparo, do mesmo modo que, independemente de existir ou não uma lesão, “[...] todo sofrimento psíquico (como a angústia e depressão, por exemplo) é também acompanhado por sensações corporais, difusas ou localizadas”.

Diante disso, se faz necessário o entendimento sobre natureza e função das dinâmicas relativas à dor e ao sofrimento na vida do sujeito, desde a perspectiva de seu desenvolvimento, levando em conta suas questões metapsicológicas e psicossomáticas, assim como as circunstâncias de representabilidade dessa vivencia para o próprio sujeito e para aqueles com o qual convive, assinala Volich (2016).

3.3 Imagem corporal

A patologia não devasta somente a carne, mas também a imagem especular. Essa vestimenta imaginária, construída através dos anos e das experiências vividas se distorce e o sujeito precisa se reconhecer no que vê, ainda que não pareça ser ele, o que remete ao Estádio do Espelho, conceito desenvolvido por Jacques Lacan.

O estádio do espelho é, para Lacan, o momento inaugural de constituição do eu, no qual o infans, aquele que ainda não fala, prefigura uma totalidade corporal por meio da percepção da própria imagem no espelho, percepção que é acompanhada do assentimento do outro que a reconhece como verdadeira. (COUTINHO JORGE, 2005, p.45)

Mais do que uma fase constituinte da vida da criança, o estádio do espelho é um momento constitucional que perpassa toda vida do sujeito. Esse momento de constituição do Eu, Lacan conceituou a partir da leitura que fez acerca dos movimentos inerentes do narcisismo primário.

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O “estádio do espelho” ordena-se essencialmente a partir de uma experiência de identificação fundamental, durante a qual a criança faz a conquista da imagem de seu próprio corpo. A identificação primordial da criança com esta imagem irá promover a estruturação do “Eu”, terminando com essa vivência psíquica singular que Lacan designa como fantasma do corpo esfacelado. De fato, antes do estádio do espelho, a criança não experimenta inicialmente seu corpo como uma totalidade unificada, mas como alguma coisa dispersa. (DOR, 1989 p. 79).

A nomenclatura estádio do espelho, não se atribui a uma experiência real da criança diante do objeto espelho. O que ela designa é o modelo de relação da criança com seu semelhante “[...] através da qual ela constitui uma demarcação de totalidade do seu corpo. Essa experiência pode-se dar tanto em face de um espelho como em face de uma outra pessoa” (GARCIA-ROSA, 2009, p.212).

Essa experiência também diz respeito a nosso atrelamento ao outro. Os espelhos – os outros – se alteram ao longo da vida. O outro é nosso espelho e nossa bússola, nos diz que quem somos e para onde vamos,

No plano imaginário, [...], entre o sujeito e o outro, só existe, a princípio, uma fronteira frágil, uma fronteira ambígua, no sentido de que é transponível. A relação narcísica está aberta, com efeito, a um transitivismo permanente. (LACAN, 1957-1958/1999, p.370)

A vivência de estar com pessoas com as quais as experiências as sejam semelhantes, que viveram situações tão dolorosas quanto o indivíduo experienciou, é de suma importância para um sujeito frente ao câncer de mama. No Grupo Renascer5, as mulheres que fazem parte do grupo possivelmente conseguem, através da interação umas com as outras, das trocas de experiências entre si, refazer essa vestimenta imaginária que está fragilizada ou destruída pelo câncer de mama.

A identificação com outras mulheres, que passaram pelos mais diversos tons de sofrimento, assemelha-se a revivência do estádio do espelho superado durante a infância, já que o câncer de mama tem como efeito a alteração da imagem corporal da mulher, seja através da alopecia, através da perda de parte/totalidade de um ou dos dois seios, alterando tanto seu esquema corporal quanto sua imagem do corpo.

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A identificação é compreendida às vezes como um fenômeno de imitação imaginaria que só diz respeito à aparência. Entretanto, quando alguém se identifica com uma das pessoas a seu redor, contenta-se em tomar emprestado dela uma de suas características. O aluno vai assumir as maneiras de seu professor; o amigo, o cacoete de seu amigo; a criança a mímica paterna etc. Assim, a identificação é em primeiro lugar, uma operação simbólica, tanto naquilo que a motiva – aquele com quem nos identificamos – quanto no seu mecanismo - a parte pelo todo. (POMMIER, 1991, p. 31).

Nessa perspectiva, Ferreira & Castro-Arantes pontuam:

[...] a imagem corporal, com a qual o sujeito se identifica, sofre abalos ao longo da vida, por se tratar de uma vestimenta que não serve tão perfeitamente ao sujeito, como uma roupa que não garantindo uma veste perfeita convoca a novos ajustes. Dados certos afrouxamentos da imagem na operação de reconhecimento próprio, a imagem corporal exige do sujeito reconstruções frequentes, instaurando ai uma ferida narcísica, ou seja, na operação de investimento libidinal em sua imagem corporal idealizada.(2014, p.47)

Algo na constituição do sujeito, nisso onde ele se reconhece, se sente seguro se constrói em ao redor de uma aparência ilusória, enganadora, já que essa unicidade corporal onde o Eu se reconhece é permanente:

“[...] há uma fluidez nos limites do corpo, deste corpo que molda uma identidade. Isso por que se o sujeito não pode prescindir da identificação em uma imagem, ela sozinha não dá conta do que ele é, ou seja, há algo para além da imagem em o sujeito pode se estruturar. (FERREIRA & CASTRO-ARANTES, 2014, p.47)

Françoise Dolto, psicanalista francesa reconhecida pelo trabalho clínico com crianças, em sua obra A imagem Inconsciente do Corpo, diferencia os termos esquema corporal e imagem do corpo.

Referências

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