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2. O PROCESSO DE VALORIZAÇÃO DO TRABALHO NO PENSAMENTO

2.7 O LUGAR DO TRABALHO EM MARX E ENGELS

O lugar central ocupado pelo trabalho na teoria marxista está intrinsec mente vincul do o m teri lismo hist rico, enqu nto teori que insere “os indivíduos re is, su c o e s su s condi ões m teri is de existênci ”64

na história. Não uma história capitulada, mas uma história efeitual, dinâmica. É a vida material dos indivíduos, relacionada ao que produzem e como produzem.

Não, há, portanto, em Marx, uma discussão do trabalho do ponto de vista ontológico deslocado do seu elemento concreto, mas uma discussão prática e determin d um d d socied de: “é necessário que, em c d c so p rticul r, observação empírica mostre nos factos, e sem qualquer especulação ou mistific o, o elo existente entre estrutur soci l e polític e produ o”.65

Ao analisar a sociedade capitalista, Marx demarca a sua tese sobre a divisão do trabalho, como um imperativo de ordem capitalista. A cisão entre o trabalho manual e o trabalho intelectual, manifesta-se a partir da divisão do trabalho, não encontrando raízes senão n socied de, “devido o umento d produtivid de, d s necessid des e d popul o”.66

A divisão do trabalho opera, portanto, as contradições e distribuições desiguais do trabalho e seu produto, tanto em quantidade como em qualidade: “desde o momento em que o trabalho começa a ser repartido, cada indivíduo tem um esfer de ctivid de exclusiv que lhe é impost e d qu l n o pode s ir”.67

São as condições materiais da existência, os fatores de produção, a necessidade da subsistência que acomodam os sujeitos nos postos de trabalho, indiferentemente às suas aptidões, agravada pela separação do trabalho manual ao intelectual.

63

Op cit. p. 380.

64

MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã I. Critica da Filosofia alemã mais recente.3.ed. Tradução Conceição Jardim e Eduardo Lúcio Nogueira. Lisboa: Presença/Martins Fontes, s.d. p. 18. 65 ibidem. p. 24. 66 ibidem. p. 37. 67 ibidem. p. 40.

34 Esta divisão tem razão de ser na lógica do capital, que opera, em seu mundo invertido, relações entre coisas, não para uso e gozo, mas para a troca e o lucro. Nesse sentido, na medida em que o trabalhador precisa ofertar a sua força de trabalho no mercado e o capitalista precisa se apropriar desta oferta fica fácil perceber a relação de dominação, de sujeição do homem como coisa que é comprada e vendida.

Em conseqüência dessa constatação, anota Marx, o trabalho humano é reduzido em sua complexidade devido à dimensão objetiva em que as trocas das mercadorias atuam na sociedade. A cadeia das trocas favorece a abstração do trabalho do indivíduo produtor, encobre as características sociais desse tr b lho: “ o igu l r, n permut , como v lores, seus diferentes produtos, igualam seus trabalhos diferentes, de acordo com sua qualidade comum de trabalho hum no. F zem isto sem o s ber”.68

Isto é, acabam por diminuir, na equivalência da troca da mercadoria, a relevância social do seu trabalho.

Importante destacar que a análise marxista quer adentrar à essência desse processo de mercantilização da força de trabalho, quer penetrar na sua complexa ontologia, quer sair da aparência. Mergulha na sociedade mercantilizada do capitalismo, para além de suas aparências, a fim de explorar as suas trocas, através da mercadoria, enquanto sua célula primitiva. E nas mercadorias, por detrás de sua aparência, está o trabalho humano:

Todo trabalho é, de um lado, dispêndio de força humana de trabalho, no sentido fisiológico, e, nessa qualidade de trabalho humano igual ou abstrato, cria o valor das mercadorias. Todo trabalho, por outro lado, é dispêndio de força humana de trabalho, sob forma especial, para um determinado fim, e, nessa qualidade de trabalho útil e concreto, produz valores-de-uso.69

A partir da teoria do valor-trabalho que, pode-se dizer, guarda relação com a moderna concepção do valor social do trabalho, Marx sustenta que as mercadorias apresentam em comum, não apenas o valor-de-uso, como sendo o vinculado a uma utilidade, mas também o que se chama valor de troca, relacional, social.

68

MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã I. Critica da Filosofia alemã mais recente.3.ed. Tradução Conceição Jardim e Eduardo Lúcio Nogueira. Lisboa: Presença/Martins Fontes, s.d. p. 96.

69

idem. O Capital. Livro Primeiro: o processo de produção do capital. Volume I. Tradução de Regin ldo S nt‟Ann . 19.ed. Rio de J neiro: Civiliz o Br sileir , 2002. p.61.

35 O valor de troca, elemento intrínseco da mercadoria, pois o capital vive do lucro, é algo de idêntico existente em mercadorias diferentes, que as tornam passíveis de troca em dadas proporções mais do que em outras. Mas em que consiste então o valor de troca de uma mercadoria? Como diz Marx, esse valor é d do pel “qu ntid de de tr b lho soci lmente necessári ” p r produzi-la. Em essênci , “como v lores, tod s s merc dori s s o pen s medid s determin d s de tempo de tr b lho nel s empreg do”.70

E tal concepção é essencial ao processo de alienação do trabalho, na medida em que esse valor de troca é oriundo de um trabalho abstrato, gerador de mais-valia, que consiste na parcela de trabalho que confere ao capitalista a margem de lucro. Tal processo de alienação opera a coisificação do trabalhador e um processo de desumanização, que somente em uma sociedade comunista, na qual as mercadorias valham pelos seus valores de uso, gozo e consumo, pode ser superado.

Consoante anota Hannah Arendt, Marx anteviu a moderna divisão do trabalho, de modo que a especialidade do processo produtivo ao ponto de esvaziar qualquer forma de qualificação do trabalho produz a um só turno a coisificação do trabalhador, como também a própria redução do custo, já que o c pit list tem cesso à essênci d “for do tr b lho”, em bruto.71

Pode-se afirmar, por fim, que o trabalho ocupa lugar central, tanto na sociedade capitalista, como na sociedade comunista, tendo em vista o seu papel produtivo. A diferença, contudo, está na finalidade dessa produtividade: em uma, a serviço do lucro, em outro, da divisão igualitária dos bens da vida, conforme assinala Hannah Arendt:

A súbita e espetacular promoção do labor, da mais humilde e desprezível posição à mais alta categoria, como a mais estimada de todas as atividades hum n s, come ou qu ndo Locke descobriu que o „L bour‟ é a fonte de toda a propriedade; prosseguiu quando Adam Smith afirmou que esse mesmo „l bour‟ er fonte de tod riquez ; e tingiu o clím x no „system of l bor‟ de M rx, no qu l o l bor p ssou ser origem de tod produtivid de e a expressão da própria humanidade do homem. Dos três, porém, somente Marx estava interessado no labor enquanto tal.72

70

ANTISERI, Dario e REALE, Giovanni. História da Filosofia: Do Humanismo a Kant. São Paulo: Paulus, 1990. p. 200.

71

ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. 11.ed. Rio de Janeiro: forense Universitária, 2010. p.101.

72

36 Pode-se interpretar a dicção de Hannah Arendt, no sentido que apenas Marx interessou-se pelo labor enquanto tal, como uma proposta de análise do trabalho como fim e não como meio para a obtenção de riquezas (Smith) ou como fonte da propriedade (Locke), ou seja, a atividade humana alienada pelo capitalista, que reifica o homem, o reduz a coisa.