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O VALOR SOCIAL DO TRABALHO COMO PRINCÍPIO POLÍTICO

5. COMPREENSÃO NORMATIVA DO VALOR SOCIAL DO TRABALHO NA

5.2. O VALOR SOCIAL DO TRABALHO COMO PRINCÍPIO POLÍTICO

Embora positivado como um princípio fundamental, o valor social do trabalho, consoante sua própria literalidade explicita, é, antes de tudo, um valor, que se manifesta através da norma principiológica contida no art. 1º, IV, da CF,

191

SILVA NETO, Manoel Jorge e. Direito constitucional econômico. São Paulo: LTr, 2001. p. 96.

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76 diferenciando-se, segundo Alexy, tão somente pelo caráter axiológico do primeiro e deontológico, do segundo193.

Trata-se de um objeto cultural, portanto, que evidencia um interesse não apenas sociológico, filosófico e economico pela centralidade do trabalho, mas também jurídico, a partir da sua explícita positivação, exercendo no ordenamento uma alteração paradigmática significativa, uma vez que traz para o direito a sua nova compreensão valorativa, incorporada culturalmente pela sociedade contemporânea, calcada na superação de um trabalho como um valor meramente produtivo.

O trabalho, portanto, de valor relevante para a sociedade, passa a “dever-ser” fund mento p r Repúblic (e seus integrantes) sob a forma de inauguração de um novo pacto jurídico-constitucional fundamental, isto é, de uma ordem verdadeiramente social.

Ressalte-se, evidentemente, a força normativa do princípio em comento, para além de uma função meramente retórico-argumentativa ou programática, mas sob uma perspectiva funcional e crítica, como implemento de políticas públicas, como assinala Eros Roberto Grau:

A Constituição do Brasil, de 1988, define, (...), um modelo econômico de bem-estar. Esse modelo, desenhado desde o disposto nos seus arts. 1º e 3º, até o quanto enunciado no seu art. 170, não pode ser ignorado pelo Poder Executivo, cuja vinculação pelas definições constitucionais de caráter conformador e impositivo é óbvia.194

Destaca Eros Roberto Grau195 a potencialidade transformadora da inserção do valor social do trabalho como um elemento central da ordem econômica, posição igualmente salientada por José Afonso da Silva, que adverte ser o valor social do trabalho o mais importante valor na economia de mercado196.

A potencialidade transformadora deve ser entendida como a mudança de paradigma inaugurada pela ordem constitucional de 1988, na correlação de forças entre o capital e o trabalho, onde, nesse conflito histórico, o

193

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p.146.

194

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 9.ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 39.

195

ibidem. p. 183.

196

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 768.

77 trabalho esteve sempre subjugado ao capital, à luz do próprio ordenamento jurídico liberal.

É exatamente isto que perfilha o vocábulo “soci l” d norm em comento, como resgate da identidade social do trabalhador, como sujeito que contribui e usufrui da dialética do trabalho, nas palavras de Gabriela Delgado197, no interior de um paradigma de Estado Social Democrático de Direito .

Dessa forma, erige-se o valor social do trabalho, como assegura J.J. Gomes Canotilho, como um dos princípios estruturantes, “constitutivos e indic tivos das ideias directivas básicas de toda a ordem constitucional. São, por assim dizer, as traves-mestras jurídico-constitucion is do est tuto jurídico do político”198

.

Nesse mesmo diapasão converge a doutrina pátria, destacando o princípio do valor social do trabalho como princípio fundamental, valendo-se, inclusive, Eros Roberto Grau, da tipologia inaugurada por J.J. Gomes Canotilho:

Tanto em um quanto em outro caso – definição do Brasil (isto é, da República Federativa do Brasil) como entidade política constitucionalmente organizada que se sustenta sobre o valor social do trabalho e fundamentação da ordem econômica (mundo do ser) na valorização do trabalho humano – estamos diante de princípios políticos constitucionalmente conformadores199.

Destaca Manoel Jorge e Silva Neto, além de ser o valor social do trabalho um princípio que suprime qualquer posição do trabalhador como fator produtivo, isto é, como mercadoria, mas sim como fonte de realização moral, material e espiritual do trab lh dor, revel um “op o constitucion l pel democr ci soci l”200

.

Justifica-se, portanto, o motivo pelo qual o valor social do trabalho, por vezes, não é classificado como um princípio especial do direito do trabalho, que se revela, como pontua Luiz de Pinho Pedreir , “pressuposto d utonomi de um disciplin jurídic ”201

.

197

DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho. São Paulo: LTr, 2006. p. 175.

198

CANOTILHO, J.J Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7.ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 180.

199

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 9.ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 182.

200

SILVA NETO, Manoel Jorge e. Direito constitucional econômico. São Paulo: LTr, 2001. p. 96.

201

SILVA, Luiz de Pinho Pedreira. Principiologia do direito do trabalho. 2.ed. São Paulo: LTr, 1999. p. 17.

78 Faz-se necessário, em que pese o respaldo doutrinário no que tange à natureza jurídica do princípio do valor social do trabalho como um princípio político constitucionalmente conformador, ou fundamental, ou estruturante, apontar motivos pelos quais o princípio em tela não enquadrar-se-ia em tipologia diversa.

Por que não seria o princípio do valor social do trabalho uma norma de direito fundamental, por meio do qual derivariam inúmeras posições jurídicas aos sujeitos de direito?

A resposta que de imediato se impõe está na natureza valorativo- fundante, correspondente ao valor social do trabalho, enquanto que aos direitos fundamentais é reservado, em última análise, um lugar destinado à conformação de posições jurídicas formalmente constituídas que correspondam, portanto, aos valores estruturantes. Pode-se estabelecer, nesse sentido, uma correlação entre o trabalho como valor principiológico-estruturante e o direito fundamental ao trabalho como posição jurídica decorrente.

Por outro lado, o valor social do trabalho como princípio político- conformador não se confunde com as usualmente denominadas normas programáticas ou normas-objetivo, ou princípios constitucionais impositivos202, perante os quais o Estado é chamado à realização de fins prospectivamente orientados203. Isso porque a concepção de fim é diversa da de fundamento. Nesse diapasão, não há no valor social do trabalho, à primeira vista, um programa a estabelecer, mas um fundamento a se realizar.

Por fim, o valor social do trabalho aproxima-se dos princípios gerais do direito, ético-jurídicos ou princípios jurídicos fundamentais – “historic mente objectivados e progressivamente introduzidos na consciência jurídica e que encontr m um recep o express ou implícit no texto constitucion l”204

– conquanto com eles não se confunde, em virtude da nota de organização dos interesses de Estado conferida aos político-conformadores. Disso assente Perez Luño, para quem não se incluem os princípios jurídicos fundamentais na tipologia

202

CANOTILHO, J.J. Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa Anotada. Volume I. 4.ed. 2007.

203

ibidem. p. 173.

204

79 das normas, incorporados ao ordenamento através dos valores e princípios constitucionais programáticos205.

5.3. O VALOR SOCIAL DO TRABALHO E DEMAIS PRINCÍPIOS INFORMADORES