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Sai a mágica, entra o saber: a ciência e a busca pelo conhecimento verdadeiro Do universo das crenças, mitos e tabus para a ciência, experiências, testes e

REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA

8.2 Sai a mágica, entra o saber: a ciência e a busca pelo conhecimento verdadeiro Do universo das crenças, mitos e tabus para a ciência, experiências, testes e

intervenções no campo da reprodução não constituíram, tampouco, dado novo: desde que o padre, fisiologista e curioso das ciências naturais, Lazzaro Spallanzani teve êxito ao inseminar sua cadela em 1777, as pesquisas no campo da reprodução só se ampliaram. Segundo ROTANIA (2003), o saber científico ocidental sobre a participação dos dois sexos no processo de procriação foi reconhecido em 1906, numa ex-cátedra da Faculdade de Paris82. A ciência foi caminhando, entrecortada por revoluções e rupturas, criações de novas teorias a partir de seus diferenciados métodos, formas de observação e experimentação, conceitos e demonstrações, tudo isso remetendo a uma teoria que, por sua vez, constitui um conhecimento83.

Logo, a ciência não tem uma forma linear de avanço, mas opera através de saltos: a ideia do vírus na biologia, da enzima na química, entre outros, são fenômenos que exigem, cotidianamente, a criação de novos modelos científicos. Desde a Antiguidade o conhecimento sempre foi considerado valioso por sua eficácia no combate ao medo ou às superstições. Na modernidade, o liame entre ciência e aplicação prática dos conhecimentos, das tecnologias, fez com que, para além dos objetos que chegaram para tornar a vida menos pesada no dia a dia (o avanço nos meios de transporte, iluminação, ferramentas etc.), também se tivesse uma longevidade maior, através dos tratamentos, drogas medicamentosas, intervenções cirúrgicas, entre outros.

E, junto à ciência, o modo como os indivíduos veem e interpretam suas próprias descobertas, invenções e avanços, enfim, o mundo que os cerca, dão sentidos outros à natureza e ao conhecimento que produzem. Deste modo, os indivíduos buscaram observar através de suas invenções (microscópio, por exemplo) o corpo, sua constituição, seus fluidos e percursos; aspectos que antes pareciam misteriosos passam a ser esmiuçados na tentativa de serem compreendidas as dinâmicas e fluxos, até que se chegou ao DNA, em outras palavras, ao que parecia invisível.

82 Ver também no site:

http://www.redesaude.org.br/Homepage/Dossi%EAs/Dossi%EA%20Reprodu%E7%E3o%20Humana%20As sistida.pdf

No decorrer dos séculos XVIII e XIX muitas técnicas foram desenvolvidas, testadas e registradas, cimentando o caminho da reprodução humana medicalizada, como é o caso do inglês Hunter que, em 1791, fez o registro de uma experiência bem sucedida de inseminação artificial (IA) num casal. Oito anos depois dessa primeira experiência, em 1799, foi narrada a primeira gravidez fruto dessa técnica. Hoje se vê algumas dessas técnicas, de outrora, como ingênuas formas de obter um novo ser, porém, como disse acima, a ciência é feita também de rupturas. E a partir do século XIX as experiências extra-corpóreas e de implantação de embriões tomam fôlego, com relatos de procedimentos bem sucedidos na fertilização de humanos.

Segundo ROTANIA (2003), o estudo da célula e o desenvolvimento da genética tiveram uma ascensão notável na primeira metade do século XX. As técnicas foram escrutinadas pelos embriologistas e não pararam de crescer nem de se sofisticar, o que promoveu, na segunda metade do século XX, a genética como campo privilegiado de estudos biológicos. É nesse período que as pesquisas sobre cromossomos e núcleo celular, tiveram crescimento significativo; chegou-se não apenas à forma como se dava a hereditariedade, como também, na sequência, à descoberta dos ácidos nucléicos e suas funções; e daí para o deslindamento científico do código genético pouco tempo se passou, num período caracterizado por um processo contínuo, complexo e conjugado entre reprodução e genética.

No século passado, nos Estados Unidos, foi realizada a primeira fecundação utilizando sêmen congelado. O congelamento de material biológico permitiu a criação dos bancos de sêmen que se popularizaram por todo o mundo.

É, ainda, nos anos 1950, que as primeiras experiências com fertilização in vitro, seguida de transferência de embriões (FIVETE), começaram a se tornar frequentes, sendo utilizadas de modo experimental em humanos na década de 1970. Em 20 de julho de 1978 a primeira gestação, fruto de fecundação in vitro bem sucedida, teve lugar na Inglaterra. Assim nasceu Louise Brown, que ficou conhecida no mundo inteiro como o primeiro bebê de proveta. No Brasil, em 7 de outubro de 1984, nasceu a primeira brasileira também fruto de manipulação laboratorial, Ana Paula Caldeira. Nesse mesmo ano, do outro lado do oceano, na Austrália, nasceu o primeiro bebê que se desenvolveu a partir de um embrião que foi descongelado e mantido em estado de criopreservação por quatro meses. Dois anos depois, na Europa, nasceu o primeiro bebê a partir de um óvulo descongelado, um feito significativo não apenas para a época, como até mesmo para os dias atuais: o congelamento de óvulos sempre

apresentou uma taxa muito baixa de sucesso em termos de tratamento, pois o congelamento de óvulos implicava num certo acúmulo de gelo que nele grudava. Para se ter uma ideia das dificuldades no congelamento de óvulos, para cada 25 desses gametas congelados, apenas um resistia. A taxa de sobrevida dos oócitos descongelados era, desse modo, pouco satisfatória e, por essa razão, eram raramente utilizados pelos especialistas da área. Esse quadro sofreu uma reviravolta radical muito recentemente, a partir de meados do início do século XXI, quando as técnicas de vitrificação de óvulos – que consiste em congelar o óvulo em menos de um minuto, evitando os cristais de gelo – proporcionou maior êxito nas taxas de fecundação84. Esse novo procedimento pode representar um primeiro passo na criação de bancos de óvulos nos moldes dos bancos de sêmen existentes.

No entanto, há também que se examinar esses dados com cautela, uma vez que as taxas de fecundação podem ser altas, sem que necessariamente sejam altas as de gravidez, não representando, no final do processo, o bebê nascido vivo pronto para ir para casa, que é o que mais interessa aos casais que buscam esses tratamentos. Outro aspecto importante é que é preciso incentivar as pesquisas e estudos controlados na área, para que esses resultados mostrem efetivamente a segurança desse e de outros procedimentos no campo da reprodução humana.

E qual a definição de reprodução humana assistida (RHA)? Segundo OLMOS (2003), é um termo médico que indica um conjunto heterogêneo de técnicas que favorecem o processo de reprodução humana, no caso de problemas tanto no campo da esterilidade feminina, quanto masculina. A RHA é classificada de acordo com seus métodos, que se dividem em: baixa complexidade e alta complexidade. No âmbito das técnicas de baixa complexidade estão o coito programado e a inseminação intrauterina (IIU); no âmbito das técnicas de alta complexidade estão incluídas a Fertilização in vitro (FIV) e a Intracytoplasmic Sperm Injection ou Injeção Intra-Citoplasmática de Espermatozóides (ICSI). Complementando essas técnicas, há a inseminação artificial (IA)85, o útero de substituição e a doação de gametas.

Na FIV, técnica que completou mais de trinta anos de utilização, com milhares de bebês assim nascidos, há o encontro do óvulo com o espermatozóide fora do corpo da mulher,

84 Ver ALMODIN et al. (2008), FACHINI et al. (2008), SCHEFFER et al. (2008).

85 Técnica considerada de baixa complexidade, a Inseminação Artificial (IA), pode ser homóloga, quando é

em laboratório. O sêmen é obtido por meio de masturbação e o óvulo necessita de um procedimento mais complexo: é preciso que haja uma hiperestimulação com o uso de medicamentos hormonais. Assim há o desenvolvimento folicular que proporciona a produção de mais de um óvulo. Esse processo é denominado hiperestimulação ovariana. Todas as etapas são acompanhadas pela ultra-sonografia e os óvulos são aspirados do corpo da mulher numa conduta que necessita de anestesia local ou geral, a depender das condições de saúde da mulher. Após a aspiração, há uma seleção dos óvulos e espermatozóides visando uma melhor “qualidade de gametas”, os quais são colocados num meio de cultura onde haverá a fecundação. Quando os óvulos passam à fase de embriões após sucessivas divisões, são implantados na cavidade uterina.

Esse tem sido o procedimento vivenciado pela maior parte dos especialistas na área, seja em serviço público ou clínicas privadas. Entretanto, nos últimos anos, técnicas complementares, como foi citado acima, e técnicas genéticas, têm aumentado a complexidade dos procedimentos. Exemplo de técnica que tem sido usada de modo cada vez mais habitual é a ICSI, que chegou ao Brasil em fins dos anos 1990. Ela veio como auxílio direto nos casos em que há problemas no fator masculino de infertilidade. É feita uma punção no testículo ou epidídimo para a extração dos espermatozóides ou da espermátide, que serão colocados em meio de cultura. Basicamente é o uso da injeção de um espermatozóide no interior do óvulo.

A doação de gametas (óvulos ou esperma) é complementar ao processo de FIV, usada quando a mulher ou o homem não dispõem dos gametas ou a mulher não deseja (ou, ainda, não pode) ser submetida à estimulação hormonal. Há o útero de substituição, também conhecido como gestação de substituição e popularizado no Brasil com a alcunha de “barriga de aluguel”. Trata-se de um arranjo social quando há impossibilidade da mulher levar uma gestação a termo. Realiza-se então uma FIV com o material genético do casal, e a transferência do embrião será para um útero diferente do da mulher que solicita o bebê. Esse procedimento é pouco usado no Brasil, pois é proibido qualquer tipo de relação comercial envolvendo a cessão do útero. Portanto, a mulher que for passar pela gestação de substituição deverá, necessariamente, contar com a ajuda de parente consanguínea próxima: irmã, mãe, prima etc.86

86 Em 2007 houve um caso que teve repercussão em todo Brasil, da avó que deu a luz às crianças da filha. Ver:

A criopreservação de embriões é uma técnica que deriva dos processos de FIV, após a fertilização dos óvulos. No Brasil, a transferência não pode exceder ao número de quatro embriões por ciclo, segundo recomendação da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana (SBRH)87. Os embriões excedentes devem ser colocados em câmaras de nitrogênio líquido a baixas temperaturas (-196°C), até que se decida se eles serão utilizados em nova tentativa pelo casal, doados, usados para pesquisa ou descartados.

Um último recurso que pode ser citado em termos de RHA é o da clonagem. Assunto que há bem pouco tempo tinha ares de ficção, paulatinamente vai conquistando espaço: nas rodas de conversa, na mídia e no próprio campo da pesquisa científica. Por volta do ano de 1993, dois norte-americanos informaram à comunidade científica que uma ampliação de possibilidades no campo da reprodução assistida era possível: provocar a multiplicação de embriões a partir de um embrião original. Em outras palavras, a transferência nuclear (também conhecida como clonagem reprodutiva) que consistiria na transferência do núcleo de uma célula somática para um óvulo que teve seu núcleo retirado. O indivíduo concebido dessa maneira teria as mesmas características do doador, porém não seria seu filho, nem irmão, mas uma cópia. Esse procedimento não é permitido no Brasil, pois, para os especialistas no assunto, essa técnica não oferece segurança dado o nível de conhecimento da tecnologia que se tem atualmente.